Moradores de rua devem ser atendidos pelas políticas de planejamento

Ruas do centro de São Paulo têm seus moradores, com necessidades e direitos específicos (Jailton Garcia/Arquivo RBA) A tese de mestrado de Paula Quintão, defendida na Faculdade de Arquitetura e […]

Ruas do centro de São Paulo têm seus moradores, com necessidades e direitos específicos (Jailton Garcia/Arquivo RBA)

A tese de mestrado de Paula Quintão, defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, toca num ponto praticamente ignorado pelos urbanistas: os moradores de rua. Pessoalmente, eu nunca havia lido nada a respeito do que os especialistas na área têm a oferecer para melhorar a vida dessa população. Essa postura, na verdade, é bastante contraditória. Os moradores de rua trazem para a cidade um dilema importante, que envolve o espaço público urbano de maneira inconteste.

“Trata-se de uma população para a qual o espaço público é ‘espaço privado’, ou seja, local de morada. E por isso também deveria estar na pasta de Habitação, e não apenas de Assistência Social”, acredita a pesquisadora. O assunto poderia ser mais discutido na área, mas normalmente é abordado apenas do lado social. “É um equívoco partir do pressuposto que o problema será resolvido com as políticas sociais apenas: quem foge do alcance dessas políticas permanece nas ruas e o problema persiste”, afirma Paula.

Um dos problemas primordiais que existem nas políticas atuais voltadas aos moradores de rua é que sempre se assume que essas pessoas vão sair das ruas. Ou seja, o objetivo é sempre a remoção e realocação em outro lugar. Só que isso não é verdade. Deve-se encarar o fato que que há pessoas que não vão morar em outro lugar que não a rua. “Essa população sobrevive daquilo que a rua proporciona. Removê-las não funciona porque elas precisam daquilo que a rua fornece”, afirma Paula Quintão. “Sempre haverá um contingente que vai morar na rua. Aliás, 25% dos moradores de rua estão nessa situação há mais de 10 anos”, completa. Ela se refere ao fato de que grande parte dos moradores de rua são também catadores de lixo reciclável, que dependem da proximidade com áreas comerciais e industriais para conseguir trabalhar.

Paula compara a crença de que é possível acabar com os moradores de rua com aquilo que se acreditava nos anos 70 e 80 em relação às favelas. “A prática comum era a transferência da população para conjuntos suburbanos construídos, a remoção compulsória de favelas, ou mesmo o retorno das famílias ao local de origem”, conta ela, citando os estudos de Marcia Grosbaum. Só mais tarde passou-se a aceitar que é mais eficiente manter as pessoas onde elas já estão e incorporar a favela à cidade. Da mesma maneira, é preciso achar formas de atender às necessidades da população de rua, sem que para isso elas sejam expulsas de onde vivem.

O caminho atual das políticas públicas para moradores de rua é o albergamento. Em tese, o albergue seria o primeiro contato dessas pessoas com o poder público. A partir daí, haveria um trabalho para ajudar cada um a arranjar um emprego e uma moradia, para que enfim saiam da rua. Mas esse trabalho tem ficado somente nos albergues. “Hoje, não existe encaminhamento para empregos, não existe hotel social, nada que ajude as pessoas a saírem das ruas”, diz a pesquisadora.

E o planejamento urbano com isso?

Falando especificamente sobre urbanismo, há uma série de medidas que podem ser tomadas para melhorar o atendimento à população de rua. Em primeiro lugar, é importante usar os dados dos censos da população de rua. O último foi realizado em 2011. “É necessário caracterizar esta população, para saber qual a realidade do ‘cliente’, como em qualquer projeto de arquitetura. Isto é importante para se poder trabalhar com as necessidades reais do indivíduo, e não com uma imagem do morador de rua que seja fruto de um imaginário do arquiteto. É isto que irá balizar os projetos”, afirma Paula.

Uma das questões que mais afasta o morador de rua dos albergues é a sua localização. Por mais que a Barra Funda pareça perto da 25 de Março no mapa, um catador não tem como atravessar o centro com sua carroça para dormir em outro bairro. Os albergues têm que estar próximos de onde a população-alvo trabalha.

Outro motivo que afasta essas pessoas dos albergues é a falta de flexibilidade para abrigar diferentes arranjos familiares. Na maior parte deles, as pessoas são separadas por sexo, o que significa que uma família quase sempre deverá ficar separada. “Para isso, pode-se dar uma solução arquitetônica, com divisórias móveis, por exemplo”, sugere Paula. Outra melhoria seria o funcionamento 24 horas. Numa cidade como São Paulo, um albergue fechar no início da noite é um impedimento para que quem trabalha possa dormir por ali.

Outras sugestões para melhor atender a população de rua são: abordagem menos autoritária por quem recolhe as pessoas das ruas, melhoria na assistência social, possibilidade para guardar a carroça usada no trabalho diário e um projeto unificado que envolva as áreas de saúde, assistência social, planejamento urbano, entre outras.