alfabetização

Método fônico enfrenta falta de correspondência entre sons e letras

Sistema que pode ser adotado pelo MEC para a política de ensino do governo Bolsonaro despreza as variações e imprecisões da língua falada

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Fala e escrita: a escrita não capta a fala (nem os fonemas, muito menos os sons) nem mesmo quando parece que isso é óbvio

Em geral, os que dizem que a solução está no método fônico não conhecem fonologia, nem sistemas de escrita e nem variação linguística.

Quando um estudante de lingüística (ou de letras, se tiver sorte), é apresentado à transcrição fonética e depois à análise fonológica, ele compreende que não poderá mais dizer certas bobagens. Mal comparando, produz-se um efeito análogo entre o que se vê de tarde (quando o sol se põe) e o que se sabe que acontece: a Terra gira para cá, o que faz com que pareça que o Sol desça para lá.

Claro que há algumas palavras nas quais há uma razoável correspondência entre som (e até mesmo entre fonema) e letra. Casos como bata e bala ou bula são exemplos bons. Mas mesmo na sequência bala bela bola bula já surge um problema: escreve-se o E de bebo com a mesma letra com que se escreve o é de bela (mas em bela não há um ê, há um é, mesmo que não seja marcado com um acento).

Para a escola, as vogais são cinco, mas para a fonologia do português são sete (talvez 12, conforme a teoria, que pode ou não contar as cinco nasais). Todos sabemos que se distingue no nome do pedaço de nosso corpo sobre o qual nos apoiamos para andar () do nome da letra P (pê) porque num caso ocorre uma vogal mais aberta (é) do que no outro (ê). Ninguém diz “meu pê” nem “meu nome começa com a letra a letra pé”.

Também se distinguem “(eu) gozo” de “o meu gozo” porque numa palavra ocorre um ó e na outra um ô.

Dirão que isso é fala, não escrita. Sim, exatamente, mas isso mostra que a escrita não capta a fala (nem os fonemas, muito menos os sons) nem mesmo quando parece que isso é óbvio.

Agora consideremos como se escreve QUE (duas letras para um som / fonema) e GUERRA, duas vezes duas letras para um som /fonema. Mas a coisa complica ainda mais: a maioria dos brasileiros diz “finau” e “Braziu” (e não “final” e “Brasil” – esse L não se diz / ouve).

As pessoas também não dizem (quase nunca) deixa (mas dexa), peixe (mas pexe), outro (mas otro), falar (mas falá)… sem contar os clássicos mininu e curuja. E como ensinar a escrita de palavras como foram (por que não forão?) e bênção (por que não bençam?) apelando para uma correspondência som/letra?

Como resolver o problema que decorre da correção de vassora (por vassoura) especialmente quando provoca (por analogia?) a escrita professoura por professora? Algum defensor desse método fônico já leu alguma coisa sobre hipercorreção?

Já vi um aluno de terceira ou quarta série – não lembro bem – procurando acertar a grafia de resolveu testando várias alternativas: S / Z e U / L (esta em dois lugares): resolvel, rezolvel, resouveu / rezouveu, resouvel, rezouveu etc. Cansado, escreveu RESZOLUVEUL e entregou para a professora.

Viaje para o interior do Brasil ou para a periferia das cidades, leia as “placas do meu Brasil” ou os anúncios dos feirantes. Verá que o método fônico só serviria se a escola ensinasse um número pequeno de palavras e se contentasse com elas. As redações seriam um espanto (como frequentemente são), porque muitas palavras que de fato importam não cabem no método fônico.

Os problemas surgem com a palavra problema (pobrema, poblema…), com o nome de um clube de futebol (Flamengo ou framengo), com nomes próprios cuja grafia o tabelião tenta adivinhar (como se escreverá Washington e Wellington e Michel?).

Mudemos de ares: tente convencer um americano da importância insubstituível do método fônico e em seguida dite a palavra “enough” ou mesmo a primeira pessoa (I, que se fala AI) e a segunda (you que se fala ) e o verbo to be (que se fala tu bi)…

Nem contemos o francês, porque nessa língua se fala otoritê, que se escreve autorité, e De Gaule, que se fala degol… E o Froid, alemão, que se escreve Freud?

Poderia resumir os problemas do método fônico em uma historinha que passa por ser uma piada, mas que pode ser real. Numa aula, um aluno que está aprendendo a ler e que já aprendeu o nome das letras e sabe ir juntando, faz uma “lição” a pedido do professor. Com o livro na mão, no qual há um desenho acompanhado das letras que compõem a palavra que designa essa figura (ou melhor, um elemento da classe das coisas que essa figura representa), ele diz: T + I, ti, J + O, jo; L + O, lo. E proclama: BROCO.

Primeiro, soletrou. Em seguida, juntando as letras, produziu sílabas; juntando as sílabas, construiu o nome da coisa representada pela figura. Só que no livro está escrito que aquela figura é um tijolo. Mas para ele aquilo é um bloco. Que ele pronuncia broco. Separação total entre a lição escolar e a enunciação de palavras para falar das coisas.

Paulo Freire diria que o nome dessa coisa deveria ser mesmo bloco e creio que isso não é comunismo…

Um dos riscos é que se venha com o papo furado resumido em “não sabem falar” ou “falam errado”.

Sendo o ministro quem é, pelo menos uma coisa sobre o tema deveria ser clara, já que ele, como acontece com todo mundo, carrega seu sotaque para onde vai.

Aliás, ele não aplica o método fônico nem mesmo quando lê.