Disputa pela terra é problema para informais do centro de São Paulo

O trabalho informal e a questão da terra guardam uma estreita correlação para explicar a situação dos trabalhadores informais no centro de São Paulo. Essa é uma das premissas inovadoras […]

O trabalho informal e a questão da terra guardam uma estreita correlação para explicar a situação dos trabalhadores informais no centro de São Paulo. Essa é uma das premissas inovadoras do projeto “Trabalho Informal e Direito à Cidade”, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que desde janeiro de 2011 acompanha ambulantes e subcontratados latinos no ramo da costura na região central de São Paulo.

“Os dois tipos de trabalhadores estão no meio dessa guerra da disputa pela terra na região”, afirma Luciana Itikawa, coordenadora do projeto. “A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fala em trabalho decente, com indicadores como diálogo social e rendimentos, mas não menciona a questão da terra. Queremos introduzir a questão fundiária como um indicador para entender o trabalho informal.”

Esse vínculo se dá em diversas dimensões dos dois problemas. Primeiro, explica Luciana, existe um círculo vicioso entre o trabalho informal e moradia precária. Por exemplo, a irregularidade dos rendimentos dificulta a adequação tanto aos programas habitacionais do governo quanto aos requisitos para se conseguir um financiamento tradicional. “Além do rendimento irregular, eles não têm comprovante de renda, por exemplo. Houve avanços nos programas, que passaram a aceitar extrato de movimentação bancária como comprovante e não holerite, mas mesmo assim é mais difícil.”

Outro ponto é que o próprio espaço urbano se torna um ônus a ser considerado por quem trabalha por conta própria. “Para o trabalhador formal, os riscos e custos do espaço são do empregador. O informal, seja no espaço publico ou privado, está sujeito a disputa pelo espaço”, explica Luciana.

A região central de São Paulo, por exemplo, tem sido intensamente disputada por conta da grande valorização imobiliária. “Os grandes projetos, os shoppings centers, demonstram interesse na área. Esses trabalhadores estão sempre em risco, pois tanto os lojistas quanto o setor imobiliário não querem ver os ambulantes em sua paisagem urbana. O que predomina são esses setores que querem expulsá-los e esses setores estão vencendo a disputa pela cidade”, explica.

O terceiro ponto é a questão objetiva do custo da terra. A maioria destes trabalhadores mora em ocupações ou em cortiços, porque não tem como pagar o aluguel e não consegue ter a casa própria. “O trabalhador boliviano, que trabalha numa oficina no centro e precisa estar próximo aos setores do comércio popular, precisa pagar aluguel no centro, o que é muito caro”, afirma. Em alguns casos, o aluguel chega a mais da metade dos rendimentos do trabalhador informal.

A estratégia para que não seja um ônus tão grande é juntar moradia e trabalho no mesmo espaço, economizando com o aluguel. “Isso gera problemas familiares, conflitos, assedio sexual etc.”, diz Luciana.

As soluções para enfrentar essa condição mista de precariedade de trabalho e moradia são várias, mas dependem de uma mudança de visão do poder público para tratar de forma integra as questões do planejamento urbano e do trabalho – o que geralmente encontra resistências.

Um exemplo dessa postura está nos núcleos habitacionais. “Existe uma resistência por parte de quem pensa os programas de entender que os conjuntos nas áreas centrais precisam ter um espaço para o trabalho no domicílio. Uma oficina no andar térreo, por exemplo. Essa é a realidade desse trabalhador, mas isso não é permitido pelos programas.

Outra alternativa seria a reforma urbana, com a ocupação dos imóveis ociosos no centro – mas não apenas para moradia. “Há prédios que estão abandonados por décadas e podem ser utilizados para moradia. E outros, com vocação mais comercial, poderiam ser shoppings populares, para abrigar ambulantes ou produtores”, explica Luciana.

O primeiro passo é o mesmo: deixar de ver essas situações como questão de polícia e tratá-las como direito ao trabalho e à cidade. “É preciso ter em vista a função social da propriedade para a moradia e o trabalho”, completa.

Ela lembra que as prefeituras de Belo Horizonte e Porto Alegre realizaram um processo de construção de shoppings populares, mas a solução não perdurou. “É preciso ter um consenso de que se trata de um programa de governo e monitorar sempre. Muitas vezes o espaço se torna um empreendimento lucrativo e é abandonado pela prefeitura, mas é preciso acompanhá-lo, lidar com as contradições”, sustenta.