Os desafios da aproximação entre empresas e universidades no Grande ABC
Experiência no Grande ABC tenta aproximar universidade com o chamado “mercado” e apresentar soluções para demandas empresariais
Publicado 27/02/2022 - 10h21
A inovação e o desenvolvimento tecnológico são, para instituições internacionais, estudiosos, empresários, gestores públicos e outros atores sociais, elemento central da competitividade. Isso porque guardam relação com o apoio ao empreendedorismo e às pesquisas básica e aplicada desenvolvidas nas universidades. Além disso, é consensual que a alavancagem da inovação e do desenvolvimento tecnológico depende de como empresas e universidades de uma localidade “dialogam” e cooperam entre si. Pois são elevados os custos das inovações tanto para as empresas, quanto para as universidades. Daí a importância da “inovação aberta”, na qual universidades, empresas, startups, governos e outros agentes ajudam a promover e compartilhar inovação.
Os desafios para o país são grandes nesta área. Tomemos, como exemplo, o caso do Grande ABC, na Grande São Paulo. A região foi palco da industrialização fordista entre 1950 e 1990. Aglutinou empresas, elevada produção em massa, empregos. Com o fim do processo de substituição de importações a partir de 1990, a abertura econômica e o início da reestruturação produtiva, da implementação de mudanças organizacionais e da guerra fiscal, a região perde praticamente metade dos seus postos de trabalho industrial entre 1990 e 1999.
Esse quadro dramático sofre certa interrupção e reversão entre 2005 e 1014. Desse modo, é impulsionado pelo forte crescimento nacional, que na região representou a expansão da produção e retomada do emprego industrial. Neste período, o emprego na indústria da região salta de 192.724 para 264.827 postos formais. Os dados são da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
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O quadro volta a ser crescentemente crítico de 2015 até o presente momento. O PIB dos sete municípios do Grande ABC, que era de R$ 164,5 bilhões em 2011, caiu seguidamente até atingir R$ 130 bilhões em 2019. Além disso, com a pandemia, o PIB deve ter caído ainda mais entre 2020 e 2022 (estudos sobre este período ainda não serão formulados).
Isso porque a indústria (que possui elevada participação na região) foi um dos setores mais afetados pela crise sanitária. Como um dos resultados de todo este processo, o nível de emprego na indústria regional caiu de 363,3 mil empregados em 1989 para 182,2 mil em 2017.
Neste contexto, a retomada da competitividade e do desenvolvimento por meio da pesquisa, desenvolvimento e inovação é chave para o sucesso de qualquer política econômica regional no Grande ABC.
Ademais, registre-se desde logo que, institucionalmente, a região tem sido bastante inovadora. Foi nesta região o surgimento, por exemplo, das lutas pela redemocratização do Brasil. E junto com elas, do “novo sindicalismo”, do Fórum da Cidadania, do Consórcio Intermunicipal Grande ABC e da própria Agência, entre outras iniciativas.
Entretanto, por ter sido palco da industrialização fordista, a região padece da caraterística da inovação e do desenvolvimento tecnológico verticalizados. Ou seja, a grande empresa ditando “de cima para baixo” as inovações para as demais empresas e organizações da cadeia produtiva.
Em outras palavras, muitas vezes as inovações se davam de maneira fechada no interior da própria grande empresa multinacional (as matrizes ditando as mudanças e desenvolvimentos para as subsidiárias.) Assim, no Grande ABC, na segunda metade do século 20, as conexões entre as empresas, e entre estas e as demais instituições locais (universidades, médias e pequenas empresas, usuários etc.), não estiveram à altura do porte de nossa industrialização.
Desafios dos novos empreendedores ante a crise e a pandemia
A inovação e o desenvolvimento de processos e serviços na gestão pública se deram em escala ainda mais reduzida que a do setor privado. Contudo, nas últimas décadas, premida pelo conjunto intenso de mudanças de funcionamento e exigências da sociedade, a inovação e o desenvolvimento dos processos e serviços públicos também vêm sendo objeto de atenção por parte dos governos, usuários e sociedade em geral.
É preciso que o país promova uma série de iniciativas para “quebrar” estes circuitos verticalizados e fechados da inovação e desenvolvimento tecnológico. Neste sentido, ganha também relevância a participação de outros atores nos processos de inovação.
No Grande ABC, a USCS (Universidade de São Caetano do Sul), por exemplo, constitui neste momento, em parceria com atores privados, um hub de Inovação que visa a intensificar a aproximação da universidade com o chamado “mercado”, apresentar soluções para as demandas empresariais e ofertar novas possibilidades para as empresas. O Parque Tecnológico de Santo André é outra iniciativa importante em andamento na região. Iniciativas da Agência de Inovação da UFABC (Universidade Federal do ABC) e de outras instituições também são bastante relevantes.
Cabe ao Grande ABC, a nosso ver:
a) Apoiar os espaços de inovação como o Hub da USCS e o Parque Tecnológico de Santo André, por meio da conexão destes espaços com as empresas da região;
b) Atualizar o inventário de ofertas e demandas tecnológicas realizado há alguns anos pela própria agência;
c) Estimular o (re)surgimento e fortalecimento de Arranjos Produtivos Locais (APLs) na região, organizados por cadeia produtiva, com foco, entre outros pontos, na resolução de desafios tecnológicos e estruturais na região por cadeia produtiva;
d) Divulgar e envolver pesquisadores, universidades e empresas a conhecerem e se cadastrarem no “Portal do Pesquisador”, que busca facilitar a aproximação entre os desafios das empresas e os projetos dos pesquisadores. A divulgação deste portal faz parte da parceria entre a Agência de Desenvolvimento, a Universitas (que detém a propriedade do portal), a USCS e outras universidades locais;
e) No âmbito do marco regulatório nacional das startups, estruturar um “sandbox” regional, que facilite que soluções promovidas pelas startups ajudem a resolver problemas das gestões públicas;
f) Realizar uma Feira de Inovação Regional em espaços simbólicos como antigas fábricas;
g) Constituir canais de comunicação ágeis e modernos, como lives, revistas, blogs para facilitar o diálogo entre empresários e pesquisadores.
h) Incentivar a Formalização de Conselho de Reitores em prol do Desenvolvimento Regional do Grande ABC
Maria do Carmo Romeiro é pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Uscs).
Jefferson José da Conceição e Ricardo Trefiglio são coordenadores do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Uscs (Conjuscs).
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