Desenvolvimento em foco

Entenda como a crise de semicondutores afetou a cadeia produtiva de automóveis

Setor automotivo se mobilizou em busca de soluções para garantir o fornecimento de semicondutores às linhas de produção

Bru-nO / Pixabay
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Atualmente a dependência dos componentes elétricos nos veículos é muito grande: gerenciamento do motor, transmissões, freios, iluminação, itens de entretenimento

Em nota técnica na 26ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), tratamos da crise dos semicondutores na cadeia de produção automotiva. A íntegra da nota pode ser acessada em https://www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.

Aqui, uma síntese da nota:

A pandemia do COVID-19 afetou o mundo de diversas maneiras. O mundo teve uma mudança drástica na rotina, uma vez que, confinados, muitos passaram a trabalhar em home office, e, por não saírem de casa, o método de consumo das famílias mudou.

No meio industrial, a pandemia causou inúmeros danos na cadeia de suprimentos das empresas. A forma com que as entregas de suprimentos aconteciam mudou radicalmente, afetando a maioria das empresas e o consumidor final. Semicondutores são peças fundamentais em praticamente todos os aparelhos tecnológicos fabricados no mundo e, sem eles, grande parte das produções parou. Gigantes produtoras de semicondutores fecharam as portas durante a crise do COVID-19 e pararam de fornecer os produtos para empresas de todos os ramos, inclusive a indústria automobilística.

Em meio à pandemia, a indústria automobilística praticamente parou devido à dificuldade de encontrar peças. Linhas de montagem foram suspensas e pessoas demitidas. A crise dos semicondutores afetou diretamente as linhas de montagem das montadoras que tiveram que suspender a produção de veículos por falta de peças e, até hoje, sofrem com a falta do produto, tendo que muitas vezes gastar fortunas com importações de peças e de componentes para que a linha não pare novamente, ou até mesmo, vendendo carros “incompletos”, além do aumento considerável de preços dos produtos.

Semicondutores são materiais (chips) que possuem a capacidade de conduzir correntes elétricas. Entre suas principais atribuições estão a sua utilização em aparelhos eletrônicos das mais diversas utilidades, como, por exemplo, smartphones, videogames, computadores, televisores e componentes eletrônicos automotivos.

Apesar de sua extrema importância, a produção dos chips semicondutores não é uma tarefa simples, podendo ser considerado um dos processos mais complexos existentes e exige um grande aporte de capital e tecnologia. Geralmente, a produção de um único chip necessita de mais de 1.000 processos na cadeia produtiva e nem sempre em um único país (KHAN; MANN; PETERSON, 2021).

Os semicondutores possuem diversas maneiras de serem negociados. No modelo conhecido como “Fabricante de dispositivo integrado”, uma única empresa, conhecida como IDM, executa todas as três etapas de produção. Empresas IDM são responsáveis por produzirem chips de memórias, chips analógicos e optoeletrônicos (KHAN; MANN; PETERSON, 2021).

Produção em três processos

A produção de chips semicondutores é dividida em três processos. O primeiro processo se define nos desenvolvimentos do layout do chip utilizando-se softwares específicos. A segunda etapa consiste na fabricação do circuito. Este processo envolve muitas máquinas de alto valor financeiro. Além disso, nesta etapa ocorre um processo de purificação do silício e o polimento dele. Neste processo também há a exposição do produto à luz. No último processo, ocorrem os testes e empacotamento do chip, no qual ele é encapsulado e testado (CHU,2013) (MAY; SPANOS,2006).

Os países mais desenvolvidos do mundo – como Estados Unidos, China, Coréia do Sul e Taiwan – são as principais potências na produção de semicondutores. Em 2019, a venda de semicondutores representou, aproximadamente, U$S 412 bilhões. A maior empresa produtora de semicondutores do mundo fica em Taiwan e chama-se Taiwan Semiconductos Manufacturing Company (TSMC). Esta empresa presta serviços para gigantes da tecnologia como a Apple. Para uma dimensão do tamanho do mercado de semicondutores, a Taiwan Semiconductos Industry Association (TSIA) mostrou que durante o terceiro semestre de 2020 a receita das indústrias de semicondutores do país totalizou U$S 28 bilhões, sendo U$S 15,6 bilhões somente em fabricação do produto (DENG; DENG, 2022).

Com a volta gradativa das atividades de produção das fabricas automobilísticas, foi possível detectar um problema ocorrido pela paralisação das atividades dos fornecedores: a falta de matéria prima. Com a retomada das fábricas, a maioria dos componentes foram comprados e produzidos em larga escala e logo foram normalizados seu fornecimento. Entretanto, algumas matérias primas essenciais para a fabricação dos veículos ficaram escassas no mercado, como, por exemplo, os semicondutores. Os semicondutores são a matéria prima para a fabricação dos chips e módulos dos veículos. São eles que fazem o funcionamento dos dados eletrônicos para mandar ordens para os sistemas de freios ABS, setas, controle de tração e estabilidade, entre outros (KROLIKOWSKI; NAGGERT, 2021).

Segundo Milad Kalume Neto, diretor de desenvolvimento de negócios da JATO Dynamics, a falta de semicondutores em escala global fez a indústria automotiva registrar uma crise na produção, e consequentemente, um aumento considerável nos preços. “Tudo dentro do veículo e na vida leva um semicondutor. Ele está presente em todos os computadores, microprocessadores, enfim, em todos os elementos de sua vida”, disse (CNN, 2021).

Atrasos nas fábricas

O surgimento de novas variantes do coronavírus aumentou ainda mais os atrasos nas produções nas fábricas que cortam e embalam o produto. Desta maneira, as empresas automobilísticas começaram a cancelar seus pedidos de semicondutores devido à baixa demanda de veículos. Contudo, com a volta à normalidade, a demanda de veículos voltando a se elevar, a concorrência pelos chips semicondutores começou a aumentar. Hoje, as empresas enfrentam uma “guerra” por semicondutores (Ben-Meir; LeMay; McMahon, 2022).

Com uma cadeia de fornecedores muito grande, uma das maiores dificuldade das empresas, no início da crise, foi o mapeamento de todos os fornecedores de subcomponentes. Isto porque, os módulos eletrônicos utilizam dezenas de semicondutores de diferentes empresas e países. É preciso levar em consideração os fornecedores dos seus fornecedores, já que na grande maioria das vezes o problema está nos tiers 2 e 3, por conta da disputa de capacidade de produção dos chips de automóveis contra a de aparelhos eletrônicos. Diante disso, foi necessário adequar a produção para tentar atender a demanda de clientes, já que as peças chegavam conforme a disponibilidade do mercado. Isto sem contar o aumento de custo de materiais e fretes no fluxo de fornecimento de peças.

Atualmente a dependência dos componentes elétricos nos veículos é muito grande: gerenciamento do motor, transmissões, freios, iluminação, itens de entretenimento. Durante a crise, o foco foi minimizar o impacto para os clientes, mantendo os chips essenciais. O restante era acrescentado depois, no pátio ou na concessionária.

Busca de soluções

Diante desse panorama, as indústrias automobilísticas buscaram soluções para, de alguma forma, minimizar os problemas: a priorização das peças de segurança dos veículos; a compra de grandes quantidades de chips para atender a demanda de alguns anos; a criação de equipes com diferentes setores para uma análise de mercado e busca de novos fornecedores; além de ações ligadas a restrições na fabricação e limitações de dias trabalhados.

Apesar disso, a indústria automobilística conseguiu sair da crise dos semicondutores. Hoje, elas procuram soluções para diminuir sua dependência. O incentivo à produção nacional e a diversificação da distribuição da produção de semicondutores seriam saídas para o país e para as indústrias, já que elas conseguiriam obter os chips dentro do país, sem a necessidade de importação. Igualmente, uma alternativa é a utilização/criação de chips semicondutores que servem em diversos dispositivos eletrônicos, como computadores, celulares, e itens dos próprios veículos. Com isto, as indústrias comprariam os mesmos semicondutores que as empresas de tecnologia, uma vez que esses chips são produzidos em maiores escalas.


* Ricardo Pereira Trefiglio. Professor há mais de 17 anos na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Experiência de mais de 20 anos na indústria automotiva e autopeças. Alunos da Universidade: Henrique Alves Moreira, Livia Nicolli de Lima, Mateus Abdias Banov, Ygor Falzarano