Em reduto, Serra adere a críticas dos ‘donos do PIB’

Candidato do PSDB afirma que Dilma Rousseff tem duas caras, vê risco de desindustrialização e tranquiliza empresários

O candidato José Serra em campanha na quarta-feira (25) (Foto: Marcos Brandão/ObritoNews)

São Paulo – Atraso de candidato é normal. São muitos os eventos, exagerados os compromissos, curtas as 24 horas do dia. José Serra (PSDB) está uma hora atrasado. No terceiro andar de um confortável prédio da zona sul da capital paulista, todos se aninham à frente do elevador para o momento da recepção. O painel do elevador marca 1, marca 2, marca 3: a porta vai abrir. Abre. Mãos estendidas, e sai o candidato. Foge em desabalada carreira.

 – Foi direto para o auditório – comenta alguém. Durante oito minutos, algumas das mais ricas mãos do país ficam estendidas à espera de um aperto. Surge o segurança. Parece que vai. Vai, vai sim. José Serra sai do banheiro. Ser candidato tem algumas desvantagens. Uma delas, talvez a principal, é que alguns de seus momentos mais íntimos transformam-se em algo mais público do que se poderia desejar. Ser fotografado à saída do toalete não é para qualquer um.

O candidato do PSDB, por fim, encaminha-se ao auditório, no qual esperam os executivos de algumas das maiores empresas do país, reunidas nas entidades organizadoras do evento: máquinas e equipamentos, eletroeletrônicos, companhias de energia elétrica, equipamentos ferroviários, fundição – como lembrou um dos organizadores, parte importante do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Um deles, logo na abertura, faz uma introdução com fins de encaminhamento do debate. O Brasil, diz, corre risco de desindustrialização. O real “sobrevalorizado” é o alvo das críticas. Carga tributária e mercado muito aberto aos produtos chineses são os comparsas, apontados a seguir, que amedrontam a quem está na sala – uma grande mesa em U, duas fileiras de cadeiras nas laterais e outras quatro ao fundo. “Pelo conhecimento que ele (Serra) tem sobre as preocupações da indústria, falar mais que isso é desnecessário”, conclui Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica. Que fale o candidato, pois.

Voz ao candidato

Serra parece à vontade: são os integrantes do estrato social mais rico da sociedade, o último no qual a adversária Dilma Rousseff (PT) tomou a liderança. Foi apenas nesta quinta-feira (26) que a pesquisa Datafolha deu vantagem de seis pontos para a petista na faixa acima de dez salários mínimos. Entre todo o eleitorado, a vantagem alcança 20 pontos, segundo o Datafolha.

“Já há algum tempo tenho dito que o Brasil tem algo a decidir muito fundamental para seu destino nos próximos anos. Se vamos voltar ao padrão de uma economia primário-exportadora de commodities ou se vamos manter o modelo de desenvolvimento baseado na indústria, fundamentalmente”, resume Serra.

Na sequência, fala que o Brasil terá de criar 20 milhões de empregos até 2020 e pondera que a taxa atual de desemprego, em torno de 7%, ainda é muito elevada. O tucano entende que a importação está muito alta, o câmbio, muito baixo, os juros, exagerados, e acrescenta que o país está indefeso aos produtos chineses.

Um senhor, representante do setor de máquinas agrícolas, pega o microfone nas mãos para dizer que “sua racionalidade nos traz uma serenidade, nos tranquiliza”. Parece que alguns se tranquilizaram demais. Na segunda fila de cadeiras, ao fundo, um dos empresários cochila. Pouco depois e, na fileira seguinte, há outro; à direita mais alguns cedem ao sono e já são cinco os tranquilos demais com a fala sobre economia.

BNDES

Serra joga em casa. Afirma que está na política “por paixão” e, na sequência, ataca Dilma Rousseff. “Candidato não pode ter duas caras. Não se terceiriza comandos. É imaginativo pensar que o Brasil pode ser governado pelo Lula fora do governo. Isso não existe. Não se governa da garupa”, insiste.

“Não sou contra fusão. Se tem fusão, que se funda” – José Serra, sobre o BNDES.

O candidato que, nas últimas semanas, atacou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), agora lembra que foi dele a ideia de colocar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para turbinar a capacidade do banco de fomento. “Você sabe que isso é o que sustentou o investimento no Brasil”, comemora.

Serra admite o bom papel do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), iniciativa do governo federal via BNDES para socorrer as empresas no momento da crise com juros baixos e prazos longos, e afirma que vai manter o PSI se eleito. Basta a promessa para arrancar aplausos da plateia e despertar um dos sonolentos.

Logo o ex-governador volta à carga contra o banco, afirmando que dinheiro do contribuinte foi usado na fusão de empresas. “Não sou contra fusão. Se tem fusão, que se funda”, complementa.

Depois de utilizar toda a escala, consequência inevitável, Serra cita várias vezes os genéricos, argumentando que, como ministro da Saúde, tomou a medida que não apenas aumentou a competição, como a qualidade dos medicamentos.

Dito isto, passa à defesa do ensino técnico, investimentos fundamentais, em sua visão, para o desenvolvimento do país. O oposicionista pondera que tudo precisa estar conectado à pesquisa entre instituições públicas e capital privado. Ao comentar o tema, lembrou-se de um artigo escrito nos Estados Unidos para a campanha eleitoral do adversário de George W. Bush na disputa à reeleição. Tentou recordar o nome do oponente de Bush. Em vão. Tardou um bocadinho até alguém gritar “John Kerry!”. “Você vê que candidato que perde o pessoal não…”, titubeia Serra.

Não precisa completar, candidato, todo mundo entendeu.