Bancoop: futuro incerto para 399 cooperados

Decisão do Ministério Público de São Paulo foi tomada com base apenas nas reclamações de um grupo de cooperados, o que pode prejudicar muita gente

Passado um mês da decisão do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) sobre a Bancoop, cooperativa de habitação dos bancários, prevalecem dúvidas entre os associados quanto ao futuro.

Em 30 de agosto, o MP-SP determinou à Promotoria do Consumidor que ingresse com Ação Civil Pública pleiteando a substituição da diretoria da Bancoop, seguida de eleição de uma nova diretoria para que conduza a dissolução da entidade. Embora ação da promotoria não tenha sido apresentada, é grande o temor entre os que esperam seus imóveis.

A decisão inverte um acordo de 2008 no Tribunal de Justiça entre o MP-SP e a Bancoop, no qual foi acertado que a Justiça monitoraria todas as decisões da diretoria da entidade, o que facilitou a retomada de obras com acordos direto entre cooperados e construtoras. Além disso, foi lançado um mutirão de conciliação entre a cooperativa e aqueles que ingressaram com ações contra a cobrança do rateio final do custo da obra.

Há três situações mais frequentes de cooperados, que permite reunir os associados em três grandes grupos, conforme a situação dos empreendimentos aos quais se associaram.

De um lado, cerca de 30% não tiveram necessidade de aportes extras no rateio final de custo e, por isso, estão tranquilos com o encaminhamento. Eles receberam seus imóveis com escrituras e, por causa da valorização imobiliária, alcançaram até um lucro importante com o bem. Sobre a decisão do Minitério Público, um cooperado de Osasco, que pediu anonimato, disse: “A Bancoop nunca fez parte das minhas preocupações”.

Um segundo grupo é formado por aqueles que receberam seus imóveis, quitaram os boletos bancários, tomaram posse dos imóveis e receberam uma cobrança extra, a título de rateio final do empreendimento. É nesse grupo que se concentram as críticas mais duras e mobilizações com maior visibilidade na mídia.

A história teve início em 2005 e ainda está longe do fim. Após a morte, em acidente de carro, do então presidente Luiz Malheiros, a nova diretoria que assumiu, tendo à frente o bancário João Vaccari Neto, solicitou uma auditoria na entidade e descobriu um déficit considerável nas finanças da cooperativa. A causa dessas dívidas está ligada a erros em orçamentos de empreendimentos lançados.

Descobriu-se que não havia dinheiro suficiente para finalizar os obras nem para erguer as que encontravam-se à espera. Em muitos empreendimentos entregues foram localizadas diferenças entre o que foi pago pelos cooperados e o que se gastou na obra. A nova diretoria iniciou a cobrança dessas diferenças para completar os aportes do preço de custo, conforme previsto na legislação das cooperativas – rateio final de eventual déficit ou distribuição de superávit, quando ocorrer.

Para quem já havia recebido seus imóveis quitando em dia todos os boletos, a notícia foi explosiva. Eles acreditam que, por ter pago tudo o que havia sido pedido, não devem mais nada. Na prática, tratam a Bancoop como se fosse uma incorporadora convencional. Enquanto nessas empresas trabalha-se com preço fechado, em uma cooperativa, preço final é sempre o que foi gasto.

Foram constituídas associações que recorreram à Justiça em mais de mil ações. Em redes sociais e fóruns de discussão, fica clara a fúria que o debate desperta. Nas vésperas das eleições presidenciais de 2010 o assunto foi requentado na Assembleia Legislativa paulista em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e o conflito partidarizou-se como instrumento para atacar membros do PT.

O protesto desse grupo, que se autointitula como “vítima” na história, representou ao Ministério Público, ganhou espaço na Assembleia Legislativa paulista, bateu na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde senadores e deputados não deram continuidade às denúncias depois de ouvirem, no depoimento de Vaccari, que a Bancoop já havia entregue 5.697 unidades. Até o Gaeco, grupo de promotores com poderes especiais, concluiu suas investigações apontando que não havia crime organizado. Mas a reação das “vítimas” foi pedir a intervenção do MP-SP.

Quando questionados, os membros dessas associações sobre a expectativa do desenlace da intervenção do Ministério Público acham que a dissolução poderá lhes poupar do tal pagamento adicional. Uma bancária aposentada – que possui dois imóveis – desdenha os perigos da intervenção: “O problema está na cláusula 16, se a Bancoop for considerada incorporadora, sairemos ganhando; se continuar como cooperativa haverá uma conciliação entre o ativo e o passivo, e aí será o azar dos cooperados”.

Eterna espera

Mas a ideia de que se o barco virar eliminará as dívidas começa a fazer água. Um grupo dissidente, de 11 associações de cooperados, acha que a intervenção poderá ser desastrosa. É este o terceiro grupo de cooperados, composto por 399, que está à espera dos imóveis. Eles também fazem duras críticas à Bancoop mas acham que a decisão do Ministério Público arrastará por mais alguns anos a conclusão das obras, com riscos de que as unidades jamais sejam entregues.

Pesa nesse pessimismo a suspensão de acordos de transferências das obras para construtoras que, nos dois últimos anos, permitiu o reinício de atividades em canteiros de 852 imóveis, em seis empreendimentos. As escolhas e negociações eram conduzidas em assembleias dos empreendimentos e homologadas pela Justiça, conforme o acordo entre o MP-SP e a Bancoop.

Um jornalista, também associado à cooperativa, critica a mudança de decisão do MP. “Fizemos a assembleia, decidimos pelo acordo com a construtora, o que foi enviado para homologação da Justiça. Temo que o MP estrague tudo”, diz.

Essa disputa entre os grupos produz situações injustas. Há casos de cooperado que está de posse do imóvel sem ter pago sequer o principal da dívida, ou de gente que mantém apartamento de alto padrão em Moema, bairro nobre da zona sul da capital paulista, que se recusa a pagar os R$ 10 mil de rateio final. Ao mesmo tempo, cooperados no bairro da Penha, na zona leste, ainda esperam por seus empreendimentos.

A notícia da intervenção fez com que as construtoras “deixassem o assunto decantar”, como relatou uma fonte. Esse medo também chegou àquelas que já haviam encampado os empreendimentos, como relatam outros dois cooperados. “Fizemos os acordos, estávamos felizes com a solução, fizemos até uma festa junina para comemorar, mas percebemos uma redução no ritmo da obra, e o único fato que explica isso é a preocupação com a decisão do MP”.

Disputa política

Advogados consideram estranha a decisão do MP-SP de abandonar o acordo anterior e pedir a intervenção. A explicação pode estar associada à movimentação dos deputados que comandaram o trabalho da CPI, em 2010. Eles alegam que a CPI teria fornecido informações adicionais aos promotores, produzindo a reversão da decisão. Parlamentares petistas enxergam uma articulação política.

Outro fato que se choca com o MP-SP é o programa ConciliandoSP, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), com encontros entre cooperados para sessões de conciliação. A medida é vista como um bom passo para resolver pendências financeiras e permitir a continuidade das obras.

Passadas as três semanas, a decisão do MP-SP é um vespeiro e para os que pedem a intervenção, um veterano bancário que já vivenciou outras intervenções recomenda: “Passem na Bancoop e peguem logo suas escrituras”. Ele defende a realização de acordos pontuais e vaticina que uma eventual intervenção seria o pior cenário para todos.

A recomendação dele para os que esperam seus imóveis é que façam barulho, porque o MP-SP decidiu apenas com base na visão do grupo das “vítimas”, sem considerar os demais interessados.