Alexandre Padilha

Achar que velhice é doença só reforça o estigma e o preconceito

Proposta levada à OMS de incluir o termo “velhice” em classificação internacional coloca o tempo de vida como diagnóstico de doença

MabelAmber / Pixabay
MabelAmber / Pixabay
Para propor que países, governos e profissionais de saúde se esforcem para prover o envelhecimento saudável de sua população não se pode considerar a velhice como doença

Como defensor dos direitos da população idosa, recebi com indignação a proposta sugerida por alguns especialistas da inclusão do termo “velhice” na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa determinação coloca o tempo de vida como diagnóstico de doença. Se a velhice passar a ser um código de doença, pode reforçar o estigma e o preconceito.

Essa resolução é contraditória ao que já determinou a OMS na Assembleia Geral do ano passado, quando estabeleceu o período de 2021 a 2030 como a “Década do Envelhecimento Saudável”. Propor que países, governos e profissionais de saúde se esforcem para prover o envelhecimento saudável de sua população, não pode considerar a velhice como doença.

Quando fui ministro da Saúde, priorizamos e ampliamos os incentivos aos municípios para aplicação de políticas que estimulem o envelhecimento ativo e saudável como com as academias da saúde, melhor acesso aos medicamentos ao Farmácia Popular e a garantia de mais médicos aos atendimentos e acompanhamentos em saúde.

Essa determinação da OMS pode atrapalhar, inclusive, os dados nacionais de saúde. Por exemplo, na certidão de óbito, em vez de investigar melhor qual o motivo da morte, será colocado velhice como causa. Não saber o motivo real do óbito impacta profundamente nas informações de saúde e políticas de prevenção.

Faço parte da Comissão de Direitos da Pessoa Idosa e da Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados. Tivemos audiências sobre o tema, e apresentei uma moção de louvor ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) que manifestou documento direcionado à OMS desaprovando e indicando ações contrárias à inclusão do termo. A moção foi aprovada na Comissão do Idoso.

Em um dos debates, um representante de uma associação de aposentados do estado de São Paulo disse: “Velhice não é uma perda, pelo contrário, é ganho. Ganho de experiência de vida e conhecimento”.

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Infelizmente, neste momento, o Brasil governado por Bolsonaro não possui a legitimidade que tinha anteriormente e não tem condição de reverter essa posição, por isso temos que agir conjuntamente enquanto Congresso Nacional, sociedade civil e defender o posicionamento CNS, que é órgão máximo da saúde no Brasil, para que essa inclusão seja revista. O envelhecimento é uma conquista.


*Alexandre Padilha é médico, professor universitário e deputado federal (PT-SP). Foi ministro da Coordenação Política de Lula, ministro da Saúde de Dilma e secretário de Saúde na gestão Fernando Haddad na cidade de São Paulo