Análise

Crise brasileira se agrava sem as mudanças das reformas estruturais

Ao jogar a governabilidade nos braços do mercado financeiro e do Congresso, em vez de investir na agenda de reformas, como a tributária e a política, governo tenta colher frutos onde não semeou

Lula Marques/Fotos Públicas

Manifestações: crise econômica pode se aprofundar e crise política só deve ser superada em 2018, com novas eleições

Vamos abordar o tema que todos comentam, nos lares, nas ruas, nos locais de trabalho: a crise brasileira.

Na noite de domingo, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a presidente Dilma, em rede nacional de mídia, anunciou, para deixar bem claro e não haver dúvidas, que a crise brasileira é grave. Nosso país não apresenta perspectivas de crescimento em 2015.

A inflação aumenta, quem vai ao supermercado já sente. E o dólar aumenta, a cada dia. Não há perspectiva de investimentos à vista, e os direitos sociais, como o seguro-desemprego e a pensão por morte, estão sendo cortados. Os juros voltam a subir e a corrupção na maior empresa brasileira, a Petrobras, administrada pelo governo, está deixando o próprio governo e o PT acuados, aprofundando a crise política.

Mas até aqui, o país viveu 11 anos, de 2003 a 2014, de bonança: crescimento econômico, investimentos estrangeiros, inflação e câmbio sob controle, crédito facilitado, aumento real do salário minimo, desemprego baixo etc.

Graças aos programas sociais, 36 milhões de brasileiros saíram da miséria. As ruas continuam entupidas de veículos novos. E muitas casas simples estão ocupadas com TV, geladeira, fogão e máquina de lavar, tudo isso graças à desoneração da linha branca, que também acabou, além de telefones celulares.

Dilma, na campanha de 2014, prometeu que nada disso mudaria. No entanto, agora, tudo muda. O novo lema do governo, Brasil, Pátria educadora, foi anunciado em um dia e, no dia seguinte, R$ 14 bilhões foram cortados do orçamento da educação.

Onde o governo errou? Errou ao adotar um populismo cosmético. Se você tem renda suficiente para apenas pagar aluguel e sustentar sua família, você não pode oferecer aos seus filhos motocicleta, carro e férias no exterior, porque a conta não fecha. Um dia a casa cai e o rombo terá de ser coberto, ainda que a família perca quase todos os bens. O ditado ensina que “quem não semeia, não colhe”, e o governo quis colher aonde não semeou. Em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma de estrutura, nem agrária, nem tributária, nem política.

Isso me lembra o velho Araújo, de Belo Horizonte. Quando Getúlio Vargas era presidente, todos os anos, no dia 21 de abril (Tiradentes), ele mudava, simbolicamente, a capital do Brasil para Ouro Preto. Seu Araújo, que residia em uma casa muito maior que a sua conta bancária, decidiu oferecer ao presidente, em passagem por Belo Horizonte, um banquete. De fato, na mesa havia tudo do bom e do melhor. O que não havia em Minas, para abrilhantar a festa, Seu Araújo mandou vir do Rio e de São Paulo. Desse banquete memorável, a família guarda duas recordações: uma feliz, a comilança regada a champanhe francês, e outra triste, a falência do velho Araújo.

Havia alternativas para o PT? Sim. Se ele não houvesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado financeiro e do Congresso. Se tivesse promovido a reforma agraria, de modo a tornar o país menos dependente da exportação de commodities, e mais favorecido pelo mercado interno. Se ousasse fazer a reforma tributária, recomendada pelo economista francês Thomas Piketty, priorizando a produção, e não a especulação. Se houvesse, enfim, assegurado a governabilidade, prioritariamente, pelo apoio dos movimentos sociais, como fez Evo Morales, na Bolívia – ele não tinha apoio nem do Congresso, nem do mercado, mas se apoiou nos movimentos sociais, que logo conseguiram eleger as suas lideranças para o Congresso. Hoje, tem total apoio, tanto do Congresso quanto dos movimentos sociais organizados.

Sabemos que a crise econômica tende a se aprofundar. Já a crise política, presumo que vai se arrastar até 2018, ano das próximas eleições presidenciais. Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem, que são os movimentos sociais e as propostas originárias do PT, não duvido que as forças conservadoras voltem a ocupar o planalto. Que Deus nos livre desse mal e nos abençoe.

* Frei Betto é assessor de movimentos sociais e autor de diversos livros, dentre eles, o romance policial ‘Hotel Brasil’, da editora Rocco.