Desenvolvimento em foco

O ‘layoff’ em Portugal e os meios de proteger empregos em tempos de pandemia

O layoff simplificado em Portugal salvou empregos formais e qualificados, porém não foi capaz de fazer o mesmo com os empregos temporários

Paulo Donizetii de Souza
Paulo Donizetii de Souza

O layoff significa a suspensão temporária de contratos ou a diminuição da carga horária de trabalho, com igual redução na remuneração. A prática do layoff surgiu nos Estados Unidos durante a crise dos anos 1970, mas desde então se popularizou em diversos outros países, como Portugal e Brasil. É uma das opções disponíveis para empresas para passar por momentos de crise econômica, pois corta despesas sem acarretar em desligamentos imediatos de funcionários.

Este artigo apresenta um resumo do que é a política de layoff implementada por Portugal durante a pandemia, os princípios que a baseiam, seus resultados e limitações. É adaptado de publicação na 16ª Carta do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade de São Caetano do Sul (Conjuscs).

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Cada país possui suas próprias regras para situações de layoff. Em Portugal, a legislação antes da pandemia definia, por exemplo, que os empregadores deveriam negociar com os sindicatos antes de implementar layoff e que a medida só poderia durar por até seis meses.

Para implementar essa política, a administração pública portuguesa precisou redesenhar também os seus processos internos, já que o volume de trabalho aumentou de maneira colossal. Durante todo o ano de 2019, o Instituto de Segurança Social de Portugal processou 154 pedidos de layoffs. Já em apenas seis meses em 2020 foram 297.076 processos. Para dar conta desses altos números, a saída encontrada foi a desburocratização de processos. Bastava a empresa preencher um formulário online e estar dentro dos requisitos oficiais, para entrar dentro do programa. A fiscalização foi deixada para depois.

Essa legislação foi redesenhada por conta da pandemia de covid-19. Oito dias após o início do primeiro lockdown em Portugal, em março de 2020, o governo lusitano publicou um decreto instituindo que todas as empresas do setor privado que implementassem layoff e tivessem quebras de no mínimo 40% nos rendimentos iriam receber um apoio financeiro do Estado. O governo de Portugal se comprometeria a pagar 70% dos salários dos funcionários em layoff, ou seja, que tivessem seus contratos suspensos ou sua carga horária de trabalho reduzida. Porém, é importante salientar que havia um limite de € 1.333,50 no valor mensal pago pelo Estado a cada funcionário (cerca de $ 9 mil, na cotação atual).

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Essa opção política não foi isenta de críticas. O Tribunal de Contas português emitiu um relatório apontando que, nos três primeiros meses da medida, apenas 4% dos postos de trabalho protegidos pelo programa foram fiscalizados. Seja como for, a falta de controles prévios permitiu acelerar a implementação. Por conta dessa desburocratização envolvida, a política foi chamada de layoff simplificado.

O gigantismo dessa política se confirma pelos dados. Cerca de 1/5da força de trabalho portuguesa (820.739 trabalhadores) estava sob o regime de layoff ao final dos primeiros 3 meses da medida. O apoio financeiro total desta política representava, naquela data, metade de todos os gastos com políticas de combate à pandemia.

Intervencionismo e economia comportamental

A política de layoff é uma política econômica de caráter keynesiano, ou seja, intervencionista. Essa corrente econômica pressupõe que o livre-mercado não consegue resguardar a economia de crises, e, por isso, o Estado deve ter um papel protagonista, estabelecendo medidas que protejam os empregos, garantam os níveis de investimentos e reduzam as falhas de mercado. A influência dessa corrente econômica ganhou força após a Crise de 1929, e foi implementada na prática com o New Deal, o programa de reconstrução da economia americana durante a década de 1930. Durante esses anos o governo americano interviu fortemente na economia por meio do controle dos bancos, criação de agências estatais, construção de obras de infraestrutura para gerar empregos, criação da Previdência Social,do Salário Minímo, entre outros.

O intervencionismo implementado na resposta à pandemia parte do mesmo pressuposto utilizado há quase 1 século: a atuação espontânea do livre mercado não é capaz de solucionar problemas de altos índices de desemprego e de renda insuficiente. A União Europeia e os Estados Unidos decidiram implementar programas keynesianos para enfrentar a crise. O primeiroé conhecido como “bazuca europeia” e injetará na economia do velho continente 1,8 trilhão de euros (em torno de 12 trilhões de reais, ou em outras palavras, quase 2 PIBs brasileiros), nos próximos 6 anos.

Além do intervencionismo, o layoff simplificado também é um exemplo de política econômica baseada em princípios comportamentais. De forma resumida, essa área econômica estuda como os incentivos – financeiros ou não – alteram os comportamentos das pessoas e organizações.

Resultados e limitações

Em uma situação de crise, com diminuição das receitas, as empresas tendem a demitir funcionários para cortar custos. Porém, quando o Estado propõe financiar em 70% o custo dos salários no curto prazo, esse cálculo se altera. Passa a ser mais vantajoso para as empresas aderirem ao programa do que demitir. Em resumo, é uma política intervencionista que busca alterar o comportamento das empresas, fazendo com que elas não demitam.

O principal resultado da política de layoff em Portugal foi a proteção do emprego maisformal. No auge dos apoios, 820.739 trabalhadores estavam cobertospela política. A título de comparação, em 2009, em meio a crise financeira mundial, o máximo de trabalhadores que entraram simultaneamente em layoff no país fora 20.000.

Com base nos dados oficiais é possível traçar o perfil dos trabalhadores apoiados pela medida. São em sua maioria (51%) dos grandes centros urbanos (Lisboa e Porto), trabalham em indústrias transformadoras (22%), no comércio e reparação de veículos (18%) ou no setor de hospedagem, bares e restaurantes (17%).

O desemprego no país fechou o ano de 2020 em 6,8%, 0,3% a mais do que em 2019. No entanto, ainda que todos os setores tenham sido afetados, o aumento não foi igual em todos eles. A área de hospedagem e alimentação, embora represente 6,9% do total de empregos, representou 20% do aumento dos desempregados. Outra área desigualmente afetada foram as atividades imobiliárias e serviços de apoio.

Aprendizados

Esses setores são os que mais apresentam trabalhadores temporários (os chamados “precariados”). Os contratos precários chegam a representar ¼ de todos os empregos nessas áreas. O que os dados mostram, portanto, é que o desemprego em Portugal cresceu puxado pelos trabalhadores mais informais. Foram eles os mais afetados pela atual crise. Importante lembrar que o retrato dessa classe, em Portugal, são de pessoas imigrantes, jovens e mulheres.

É aí que reside a principal limitação do layoff simplificado. Ao não abranger os contratos temporários, a medida pode ter salvado os empregos formais e mais qualificados, porém não foi capaz de fazer o mesmo com os empregos temporários.

Políticas semelhantes ao layoff simplificado português foram implementadas por diversos países. O Brasil não é exceção, já que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que beneficiou 12 milhões de pessoas em 2020.

Um dos principais aprendizados da experiência portuguesa para as demais talvez seja a simplificação, que leva em seu nome. Enquanto o programa brasileiro, por exemplo, estabelece a necessidade prévia da empresa celebrar acordos coletivos ou individuais e comunicar oficialmente o sindicato e o Ministério da Economia num prazo até 10 dias após o acordo, o programa português se pauta pela desburocratização e basta a empresa preencher um formulário online para se cadastrar no programa.


Afonso Manuel Catado Filipe, João Victor Escórcio de Oliveira e Marcelo Vegi da Conceição são mestrandos em Economia  e Políticas Públicas no Instituto Universitário de Lisboa