Pastor Ariovaldo Ramos: do coração procede o mal
Quando todo dia tem uma cena de racismo explícito, sempre violento e, por vezes, assassino, a fala de Jesus ganha o cenário
Publicado 09/08/2020 - 11h28
Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.
Mt 12.34
Essa fala de Jesus Cristo é reveladora.
Propõe que os lábios não conseguem manter em silêncio o que está a transbordar do coração, isto é, não dá para deixar de manifestar o que a pessoa sente, ou pensa, ou deseja quando isso já tomou todo o seu jeito de ser, e aumenta a pressão sobre a consciência, obrigando a verbalização.
Quando se percebe a multiplicação das falas e atos racistas, quando todo dia tem uma cena de racismo explícito, sempre violento e, por vezes, assassino, essa fala de Jesus ganha o cenário.
Os protagonistas são os mais diversos, representando uma ampla gama da sociedade brasileira: membros do judiciário, agentes policiais, cidadãos comuns, donas de casa, empresários. Todos tendo como identificação comum a sua branquitude.
Alguns perguntam onde tudo isso estava? Jesus responde: no coração. E mais: categoriza como maldade. Portanto, uma maldade quase atávica, quase biológica.
No caso do racismo praticado no Brasil, poderia se dizer tratar-se de um comportamento residente no que é chamado de branquitude. Comportamento que, inclusive, se manifesta de forma sistêmica, uma vez que é estruturante na sociedade, que explica a letalidade policial para com os pretos e pretas, como entendo dizer o professor Silvio Almeida em seu texto, Racismo Estrutural.
Em mais uma destas repetidas cenas de racismo, um dos agressores mostrou ao agredido a cor de sua pele, dizendo que este queria ter essa cor, que tinha inveja. Pois o agressor nasceu branco, nasceu na cor “invejada” pelo agredido. Aliás, em cena semelhante, num estádio de futebol, outro agressor dirigiu-se ao agredido de então, que exercia a autoridade para dissuadir uma briga de torcidas, dizendo: “Olha a sua cor!”
Nessas falas, os agressores sintetizaram o coração da branquitude: a cor lhe confere mérito, o que o destina a ser senhor, enquanto que aos pretos e pretas está destinada a servidão. Logo, é uma relação de castas.
É disso que se trata: uma relação de castas. Isto constrói a forma como se vê e se é visto. Nada dilui isto. Nem a educação nem a ascensão econômica.
A casta fala de destino, é um pressuposto: a casta inferior existe para servir a superior. É o resultado de quatro séculos de escravização.
Não há como construir nação se isso não for tratado na profundidade que merece. Isso passa por conscientização, por ações afirmativas, por revisão e correção da história, passa por um grande movimento de arrependimento e por intenso processo pedagógico.
Lembremo-nos: enquanto houver racismo não haverá democracia!