A hora e a vez do Bahrein

(Foto: © Hamad I Mohammed / Reuters) É, mas parece que, se depender da Arábia Saudita e de seus grandes aliados ocidentais, EUA por trás e à frente, o Bahrein […]

(Foto: © Hamad I Mohammed / Reuters)

É, mas parece que, se depender da Arábia Saudita e de seus grandes aliados ocidentais, EUA por trás e à frente, o Bahrein (ou Bahrain, ou ainda Bareine) não terá nem hora, nem vez, nem voz.

Continuando nosso “passeio” pelo mundo árabe, seus governos e suas oposições, visitemos agora esse arquipélago no Golfo Pérsico, ou Persa. São 33 (algumas fontes dizem 35) ilhas em frente à costa saudita, das quais 3 são habitadas, e numa delas está a capital, Manamar.

Segundo diversas fontes, o Bahrein tem uma população “autóctone” de cerce de 570 mil habitantes; mas uma política de atrair a imigração sunita (ou Sunis) por parte do governo (de origem sunita) elevou a população para cerca de 800 mil.

A maioria dos autóctones é xiita (ou Shia). Sunis e Shias não são etnias; são correntes religiosas diferenciadas do islamismo. Algumas dessas diferenças se baseiam em disputas antigas sobre quem (ou “quens”) seria de fato o(s) legítimo(s) sucessor(es) do profeta Maomé. Os Shias são próximos do Irã, e esse é um complicador para os chamados “barenses”.

A oeste, eles são circundados, do sul para o norte, pelos Emirados Árabes, Qatar, Arábia Saudita e Kuwait. A oeste, pelo Irã. O Golfo Pérsico se abre para o Oceano Índico. Contornando-se os Emirados A’rabes, chega-se ao Omã (ou Oman), ao Iêmen e logo depois, ao longo da costa da Arábia Saudita, ao Mar Vermelho, que vai dar no Canal de Suez, vital para os interesses ocidentais.

O Bahrein é uma monarquia absoluta, tendo sido seu território dominado sucessivamente a partir das grandes navegações por portugueses, califas e emires de diferentes procedências, e pelo imperialismo britânico. A “Royal Navy” de Sua Majestade ali estacionava até 1971, quando cedeu espaço e a vez para a Quinta Frota dos Estados Unidos, que “supervisiona” o Golfo, o Mar Vermelho (inclusive o Canal), o Mar Arábico (incluindo, portanto, a costa do Paquistão e da Índia) e o Oceano Índico até a costa do Quênia. Ela tem no Bahrein a sua sede, chamada de “Naval Support Activity Bahrain” (nome mais usado em inglês).

O monarca atual, Hamad bin Isa Al Khalifa, reina desde 2002, sucedendo a seu pai Isa. O primeiro ministro é da mesma família, Khalifa bin Salman Al Khalifa. Grosso modo, essa família domina a política local do arquipélago, em diferentes associações com os poderosos vizinhos e com os britânicos desde o século XVIII.

Os protestos atuais, seguindo a vaga deflagrada pela Tunísia e o Egito, começaram em 14 de fevereiro, impulsionado pelos xiitas e também pelo crescente desemprego entre jovens, como em outros países da região. Inicialmente ninguém falava em derrubar a monarquia e as reivindicações se concentravam no combate à corrupção e em concessões democráticas. Ao mesmo tempo em que o rei remanejava o ministério (sem tocar no primeiro ministro, nesse cargo desde 1971 – isso mesmo, 1971) como concessão, seguiu-se uma brutal repressão, que até o momento deixou 24 mortos (26 segundo outras fontes) sendo que, destes, 5 morreram na prisão, em conseqüência de torturas. Ativistas de direitos humanos foram seqüestrados ou simplesmente desapareceram. Agora a filha de um deles, que teve também o marido e o cunhado sequestrados por “homens encapuzados”, começou uma greve de fome pedindo a libertação dos 3. Diga-se de passagem que o movimento de mulheres tem forte presença no país, sendo que elas conseguiram o voto a partir de 2002.

Com a repressão, o movimento de protesto ganhou força, ocupando a principal praça (chamada Pérola, por um monumento com um formato parecido com o da Catedral de Brasília com uma imitação daquelas jóias no alto) da capital, Manamar, e passando alguns setores a reivindicar o fim da monarquia e a república. O movimento de protesto não se diz religioso, mas nacionalista (“nem Suni, nem Shia, Bahrein”, é um de seus mottos).

A situação se agravou porque a Arábia Saudita, temendo que o espírito de revolta chegasse a suas terras, invadiu, apoiada pelos Emirados Árabes, o pequeno vizinho, através da passagem que liga o continente à ilha onde fica a capital, no dia 14/03. A repressão recrudesceu, destruindo (!), inclusive, o monumento da Praça da Pérola, que tinha se tornado um símbolo do movimento, no dia 18.

As tropas sauditas permanecem no país, mas apesar disso os protestos não cessaram e provavelmente vão continuar. O rei  Hamad continua remanejando seu ministério (sempre sem tocar no primeiro ministro, pelo menos até agora) para ver se consegue conte-los, enquanto prometeu uma soma em dinheiro (cujo montante em alguma moeda conhecida não consegui determinar) para todas as famílias do país: digamos, uma espécie de Bolsa Família universal e ad hoc.

Os Estados Unidos manifestaram “preocupação” (Barack Obama) e pediram “contenção” a todos (Hillary Clinton). E só. Houve protestos contra a invasão saudita no Irã. Do lado do Ocidente, o resto é silêncio.