na alemanha

A eleição vista de longe

Grande capital arma o bote sobre o pré-sal, os salários, a política de valorização do salário mínimo, a política externa brasileira, enfim, saliva diante da desarticulação do Brasil social

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Com ajuda de Gianetti da Fonseca, Lara Resende e Armínio Fraga, Aécio pode devolver o Brasil à era FHC

No domingo fui votar na embaixada brasileira. Muita gente. Votam em Berlim todos os brasileiros inscritos como eleitores do norte da Alemanha, de cidades como Hamburgo e Bremen, para citar as maiores e com os maiores contingentes de brasileiros, além da capital.

Muita animação. Reencontro de amigos. A embaixadora na porta, saudando os que chegavam, como nós. Para variar, a turma do PT era a mais animada: bandeiras, cantos, fotos, etc.

Nas semanas anteriores, houve debates sobre a eleição. Participei de um deles. Defendi a tese de que o Brasil mudou de perfil e de lugar. Não é mais o país majoritariamente dos pobretões, eternos favelados. Não é mais devedor, mas credor do FMI e da União Europeia. E isto é irreversível.

Se ganharem, Aécio Neves e Armínio Fraga, certamente com a ajuda de Lara Resende e de Giannetti da Fonseca, poderão espernear para devolver o Brasil à era FHC. Não vão conseguir. Mas o custo social deste descompasso será certamente grande, junto com os impasses, os confrontos…

Passada a tempestade, isto é a votação e a apuração (como estamos cinco horas na frente em Berlim, fiquei até as 3h à espera da finalização), constata-se o comedido, mas incontido ao mesmo tempo, entusiasmo do universo financeiro europeu e internacional com a promoção de Aécio Neves para o segundo turno.

Ele sempre foi o preferido da City Londrina e de Wall Street. Marina Silva não foi mais que um acidente de percurso. O essencial, aliás, não é Aécio, propriamente, mas aquele trio potencial, junto com outros: Armínio, Resende, Fonseca. O grande capital arma o bote sobre o pré-sal, os salários, a política de valorização do salário mínimo, a política externa brasileira, contra os Brics, a transferência de renda dos programas sociais, enfim, saliva diante da desarticulação do Brasil social que a eleição de Aécio – se concretizada – irá promover.

Tem a seu favor o antipetismo truculento da extrema-direita que, como em muitos lugares da Europa, saiu fortalecida na eleição brasileira, da parte da classe média tradicional e da “elite” que não suporta ver o que até recentemente considerava seus privilégios transformados em direitos ao alcance dos que considera desprovidos de mérito ou “pedigree” para tanto, e é claro que dos arautos da mídia conservadora brasileira que não deixam de disfarçadamente incentivar o ódio de classe e o desprezo por tudo aquilo que é “público”.

Depois de votar, passei a tarde com amigos, numa agradável conversa e debate sobre o futuro no Brasil. Um destes amigos – estudioso formado em Economia – dizia que não há saída: o próximo presidente ou presidenta terá de fazer ajustes dolorosos, promover o desemprego, o rebaixamento de salários. Eu argumentei que ele estava repetindo o que eu acabara de ler em editorial do Financial Times, o grande defensor, com a The Economist, dos valores da City londrina. Mas ele contra-argumentava que não havia outro jeito. Eu dizia que não, que havia sim, havia a possibilidade de baixar a taxa de juros, diminuir o percentual de juros pagos aos rentistas partidários de Aécio em detrimento da educação, da saúde, das políticas sociais no Brasil.

Ficamos na pendenga, tratada amistosamente. Depois que voltei para casa, lembrei-me de que na Alemanha inteira só há uma única escola de formação econômica – mantida por um pool de sindicatos – que tem um programa de ensino alternativo à ortodoxia herdeira da Escola Austríaca e dos Chicago Boys, além do Consenso de Washington.

Não pude deixar de pensar: é por isso que a Europa está se desmantelando do jeito que está, transformando o Estado do Bem-Estar Social no Estado do Mal-Estar, e é nisto que a nossa oposição aécio-fraga-resende-fonseca (marina, provavelmente) vê como um ideal para nós.