tragédias

A batalha de Gaza em números e versões

Não há 'vencedor' em Gaza. E a população civil palestina é a principal perdedora. Sofre com a política provocativa do Hamas e com a política agressiva de Israel, violentamente hostil à criação do Estado palestino

Forças Armadas de Israel (3/8/2014)

Soldados israelenses durante operação terrestre em Gaza

Com trégua em andamento e as partes (Hamas e governo israelense) tentando um cessar-fogo mais duradouro em negociações no Cairo, mediados pelo Egito, faz-se agora o levantamento das vítimas e a controversa contabilidade delas, dos danos materiais e dos ganhos e perdas militares e no campo político para os envolvidos.

Do lado israelense contabilizam-se 64 soldados e 3 civis mortos, com um soldado potencialmente prisioneiro do Hamas. Do lado palestino a cifra de mortos é de 1.865. Israel alega que destes pelo menos 900 seriam “terroristas” do Hamas, enquanto este afirma serem todos eles “mártires” do povo palestino.

As cifras variam, mas há um grande consenso internacional – envolvendo a ONU, organizações humanitárias e governos – sobre ser o número das vítimas civis muito elevado. Incluem-se aí 429 menores de 18 anos e 243 mulheres adultas, além de mais de 70 idosos. O número de feridos passa de 2.500.

Escolas da ONU, usadas para refúgio de civis, mulheres e crianças, foram bombardeadas três vezes pelo fogo israelense, com dezenas de vítimas fatais, inclusive funcionários da organização. Um terço da rede hospitalar da Faixa, onde habitam 1,8 milhão de pessoas, foi destruída, além de 29 ambulâncias e vários ambulatórios. Três mil casas foram destruídas, e um quarto da população foi deslocada de seus lares.

Do ponto de vista militar, Israel afirma ter destruído a parte da rede de túneis do Hamas que avançaria para seu território, além de ter danificado seriamente a capacidade de lançamento de foguetes. Ainda assim, a rede de túneis e abrigos subterrâneos não foi totalmente atingida, nem a capacidade total para o lançamento de foguetes. Mesmo durante a ocupação de parte da Faixa de Gaza pelas tropas terrestres de Israel, o Hamas continuou demonstrando condições para atingir todas as cidades de Israel, inclusive Tel Aviv e Jerusalém.

Politicamente contabiliza-se a favor do Hamas o simples fato de ter sobrevivido enquanto organização. Porém, vários analistas assinalam que será mais difícil para o Hamas justificar-se perante a população, já que sua ação provocativa em relação a Israel periodicamente atrai uma grave destruição das condições de vida na Faixa de Gaza.

Do lado israelense, as dificuldades políticas não são menores. Houve uma ampla condenação internacional da sua ação “desproporcional”, envolvendo em certos momentos até mesmo ferrenhos aliados, como Estados Unidos e Reino Unido. Somaram-se aos protestos contra a ação de Israel o secretário geral da ONU, Ban-Ki-Moon, e parceiros tradicionalmente recalcitrantes em criticar Tel Aviv, como a Alemanha.

No Reino Unido, a ministra de Relações Exteriores, Lady Sayeeda Warsi, primeira muçulmana a ocupar um cargo no governo do país, renunciou, em protesto contra o que considerou uma atitude inaceitável do primeiro-ministro David Cameron ao não condenar aberta e imediatamente o governo de Israel. Nick Clegg, líder do Partido Democrático, que faz parte da coalizão de governo, propôs que o Reino Unido suspenda todas as licenças de venda de armamento para o governo israelense.

Em Israel o apoio da população à ação do governo de Netanyahu em Gaza foi maciço. Mas muitas vozes a condenaram, desde intelectuais  e políticos de esquerda, até, por exemplo, Henry Siegman, ex-presidente do Congresso Judaico dos Estados Unidos. Houve manifestações internacionais de apreensão diante de represálias – que incluíam agressões físicas e perda de emprego – sofridas por quem, dentro do Israel, manifestasse discordância em relação às operações em Gaza.

Diante destas considerações, não há “vencedor” em Gaza. Entretanto é perfeitamente cabível apontar a principal perdedora: a população civil palestina, que continua sofrendo tanto com a política provocativa do Hamas (ainda que este alegue ser ela “defensiva diante da agressão israelense”) quanto com a política de fato agressiva do governo israelense, que permanece hostil à criação de um Estado Palestino soberano, o que parece ser a única solução permanente para se começar a cura das feridas históricas e a abertura de um novo processo de entendimento na região.