A energia do deserto

Usinas solares são apontadas como alternativas de geração de energia sem emissão de gases causadores de efeito estufa, mas despertam críticas

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Desertec é o nome de uma Fundação (www.desertec.org) cujo propósito imediato é a captação de capitais e de apoio social e político para um projeto de fornecimento de energia elétrica para a Europa a partir de usinas solares construídas no norte da África. O custo estimado do empreendimento é de 400 bilhões de euros (cerca de R$ 1,2 trilhões) e seu potencial é de que 15% da eletricidade consumida na Europa venha dele até 2050.

Já existem usinas solares em operação: uma na Califórnia e duas na Espanha. Há pelo menos um projeto piloto que prevê o transporte de energia solar da Tunísia para a Itália a partir de 2015. Uma usina solar consiste na implantação próxima de centenas de placas de captação interligadas que servem para aquecer água e gerar vapor. O vapor movimenta as turbinas que geram a eletricidade. Essa, por sua vez, é transportada aos locais de consumo por um gigantesco complexo de fiação, que não é muito diferente em relação aos demais sistemas tradicionais.

A Desertec é uma criação da seção alemã do contraditório Clube de Roma e do príncipe jordaniano Hassa bin Talaal. O Clube de Roma é uma ONG criada em 1968 pelo industrial italiano Aurélio Peccei para “pensar o futuro” diante da possível limitação de recursos disponíveis. Ele reúne dezenas de pesquisadores, cientistas, industriais, políticos e ex-políticos, e foi freqüentemente acusado de conservadorismo e de ressuscitar as teses do Reverendo Thomas Malthus, do século XVIII, para quem o crescimento sem limite das classes pobres esgotaria os recursos mundiais e multiplicaria a miséria. Essa crítica foi feita, sobretudo, à primeira publicação do Clube, Os limites do crescimento, de 1972, assinada por Donella e Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens III.

Entretanto alguns dos temas – senão das teses – tradicionais do Clube de Roma voltaram à baila graças à crise dos preços do petróleo, do possível esgotamento da energia fóssil, e da crise dos preços e do abastecimento de alimentos, além da recente crise financeira mundial, ainda que sob nova ótica.

O projeto, que deve começar a ser implantado, provoca muita polêmica. Os seus defensores argumentam que ele economizaria outras formas de produção de energia mais problemáticas, como a nuclear. Além disso, geraria empregos e transferência de tecnologia para os países africanos da região do Sahara. E dizem também que serviria de exemplo para outras partes do globo, inclusive para a América Latina. Quanto às críticas, elas vêm de diferentes visões.

Do lado conservador, há os que argumentam que seria uma loucura colocar a origem de 15% da eletricidade consumida na Europa numa região politicamente instável e potencialmente (senão já em realidade, conforme o país) hostil à Europa. Mais à esquerda e entre ambientalistas também, argumenta-se que o projeto pode servir de pretexto para bloquear outros, de aplicação na própria Europa, que prevêem o financiamento da implantação de placas domésticas de captação de energia solar, que é, ainda, sua principal fonte no mundo inteiro. Também dizem que não fica claro nem garantido que haverá reais vantagens estáveis para os países fornecedores.

O debate vai continuar e vai esquentar mais porque os adeptos do projeto, que conta com 62 membros de 23 países, vão começar a partir de julho a promover reuniões com pesos pesados da indústria e  de governos para convence-los da oportunidade e das suas vantagens econômicas.

No Brasil, a situação é paradoxal. De um lado, em junho o país ganhou um enorme elogio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, sigla em inglês, PNUMA, em português). Segundo o relatório do Programa “Tendências Globais de Investimento em Energias Sustentáveis 2009”, divulgado no site da Rádio da Onu , o Brasil e a China foram os maiores investidores em energia limpa no mundo em 2008. O Brasil foi declarado “campeão” do setor porque 46% de seu consumo de energia é considerado proveniente de “fontes limpas”, isto é, não emissoras de CO2 (dióxido de carbono) para atmosfera. Isso inclui a energia hidroelétrica e o etanol, que são temas polêmicos, além da energia solar – cujo nome técnico quanto à eletricidade é “fotovoltaica” –  e da eólica. Mas a um quase consenso de que a utilização de energia solar e  eólica no Brasil está muito aquém de sua potencialidade. Um dos grandes entraves do uso da energia solar ainda é o custo da aparelhagem, sobretudo no caso de sua instalação doméstica (mais de 25 mil reais). Fica a pergunta no ar: deveria o Brasil investir mais e de imediato em seu potencial solar? Afinal, já o modernista Oswald de Andrade escrevia em seu “Caderno de poesia”, nos idos de 20:

América do Sul

América do Sol

América do Sal

Ainda que ironicamente, no seu poema “Hip Hip Hoover!”…