outra vez

A imprensa partidária, a Bancoop e o jogo dos 593 erros

No vale-tudo para atingir integrantes do PT, mídia usa até falha de procurador que transforma pagamento regular de R$ 38 mil em 'desvio de R$ 38 milhões'

cc / F. Machado / arquivo pessoal

Cooperativa tem mais de 6 mil unidades entregues, 508 em construção e 168 pendências

De tempos em tempos, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) volta a ocupar páginas de jornais, geralmente quando se pretende lançar holofotes para atingir o PT e alguns de seus integrantes. A mais recente onda de espetáculo foi apresentada pelo jornal das Organizações Globo, tendo como personagens apartamentos legalmente adquiridos por lideranças como o tesoureiro do partido, João Vaccari, e o ex-presidente Lula.

Reportagens como essas vira e mexe procuram um “gancho” novo para requentar denúncias velhas e fajutas, originadas de um processo aberto ainda na década passada para apurar irregularidades na cooperativa. Peças baseadas em ação desenvolvida pelo promotor José Carlos Blat, do Ministério Público de São Paulo, são reapresentadas há várias eleições – e como no caso de 2014 a oposição e seu órgãos oficias tentam perpetuar o tal “terceiro turno”, o escarcéu de pleitos anteriores em torno da cooperativa volta ao palco.

Já em 2010, entre o primeiro e o segundo turno das eleições, Blat apresentou uma denúncia, devidamente repercutida com estardalhaço nos jornais, mas com erros tão grosseiros que acabou por invalidá-la. Entre as grosserias cometidas, foi apresentado como “prova” um cheque normalmente emitido pela Bancoop e compensado, no valor de R$ 38.804,66 (trinta e oito mil, oitocentos e quatro reais e sessenta e seis centavos). Na denúncia de Blat, o mesmo cheque é relacionado com o valor de R$ 38.804.366,00 (trinta e oito milhões, oitocentos e quatro mil, trezentos e sessenta e seis reais). Ou seja, um pagamento real e regularmente documentado de R$ 38 mil virou “desvio” inexistente de R$ 38 milhões. Erro de digitação? Convenhamos: uma denúncia criminal de milhões, ainda mais com conotação política, deveria ser checada direitinho com o documento original antes de ser apresentada.

Segundo a defesa da Bancoop, esse é apenas um de um total de 593 erros encontrados após análise comparativa entre os documentos reais e a denúncia do promotor Blat apontou para “embasar” a denúncia.

A Bancoop passou por problemas e ainda tem contenciosos, mas a realidade é bem diferentes daquelas que são contadas pela mídia. Foi criada em junho de 1996, por trabalhadores bancários, numa época em que o crédito imobiliário era escasso e caro, em pleno governo FHC. Teve pleno êxito no início, com centenas de cooperados conquistando um imóvel próprio de qualidade, a preço e prazos muito inferiores aos do mercado. Porém, com o crescimento de associados e tendo lançado vários empreendimentos ao mesmo tempo, alguns com orçamentos mal estudados e mal dimensionados, as coisas começaram a desandar.

O ex-presidente da cooperativa, Luiz Malheiro, se atrapalhou na governança, na primeira metade da década passada, ao tentar unificar o caixa da associação e criar uma empresa própria que produzisse e fornecesse materiais mais baratos para os empreendimentos. Mas as medidas para ganhar escala e reduzir custos não foram suficientes para evitar atrasos e paralisação de obras por necessidade de reforço de caixa, causando insatisfação em muitos cooperados, que interromperam pagamentos e entraram em litígio com a cooperativa, questionando juridicamente o aumentos nos custos.

Após a morte do ex-presidente Malheiro, num acidente de carro em novembro de 2004, a diretoria da cooperativa passou por profunda reformulação. João Vaccari Neto deixou a presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo e assumiu a direção da cooperativa com a tarefa de promover uma ampla auditoria nas contas e pôr em ordem documentações e procedimentos para começar a resolver pendências com os cooperados, que começavam a se avolumar desde o início da década. Por sua posição de destaque na CUT, no PT e no sindicalismo bancário, Vaccari – que assumiu o comanado com objetivo de tirar os empreendimentos da crise – passou a ser o alvo predileto do noticiário como se fosse o responsável por ela.

Vaccari deixou a diretoria da Bancoop em 2010. No mesmo ano, assumiu a Secretaria de Finanças do PT, o que parece ter feito escorrer veneno pelo canto da boca da oposição tanto partidária como midiática. A Assembleia Legislativa de São Paulo – de maioria tucana e que engavetou dezenas de CPIs que deveriam apurar denúncias de irregularidades praticadas em sucessivos governos do PSDB –, resolveu fazer uma CPI da Bancoop em pleno período eleitoral.

Se não houvesse responsabilidade social com os cooperados, teria sido mais cômoda a liquidação da Bancoop, com o leilão de prédios em construção e terrenos já adquiridos como forma de recuperar ao menos parte dos recursos de cooperados. Mas isso não era a solução desejada pela maioria, que defendia a conclusão das obras.

Nesse contexto, coube a Vaccari reestruturar e corrigir os problemas de governança da gestão passada, apresentar caminhos e soluções para concluir as obras, além de ser o porta-voz da notícia desagradável de revisão de custos, negociar acordos e termos de ajuste com o Ministério Público, homologar acordos judiciais, transferir a administração das obras diretamente para construtoras etc.

Onde há polêmica é bom e necessário haver investigação, mas é preciso seriedade e rigor com as provas e, sobretudo, responsabilidade sobre as denúncias que se faz. Nem Ministério Público, nem Judiciário, e muito menos a imprensa, podem entrar no circo denuncista da mídia e dos partidos políticos, sejam eles quais forem. Basta notar que em todos esses anos de noticiário criminalizando dirigentes, os desejos partidários dos donos dos jornais sempre estiveram acima dos interesses dos cooperados.

Apesar dos lamentáveis atrasos e de sucessivos reforços exigidos de cooperados para a conclusão de empreendimentos, até dezembro de 2014 há 5.697 moradias entregues diretamente pela Bancoop e outras 644 concluídas e entregues por outras construtoras. O preço de mercado hoje é ainda hoje bem superior ao que os cooperados pagaram, mesmo com as suplementações. Outras 508 unidades estão em construção. As pendências de acordo foram reduzidas de 949 em 2007 para 168 em agosto último. É uma realidade bem diferente da divulgada no noticiário oposicionista.