Longevidade

Histórico da Fifa dá razão a Valcke: democracia ‘dá muito trabalho’

Em 110 anos de existência, entidade máxima do futebol mundial teve apenas oito presidentes. Quatro deles ficaram quase 80% do tempo

Arquivo Público da Holanda/Wikimedia Commons-CC-BY-SA 3.0-nl

Joseph Blatter e João Havelange com a bola da Copa da Espanha, de 1982; eram, respectivamente, o então secretário-geral e presidente da Fifa. Hoje o suíço é o manda-chuva da entidade

Há pouco mais de um ano, quando não se imaginavam nem as manifestações que para alguns poriam em dúvida a realização da Copa no Brasil, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, enxergava outro empecilho para a organização do torneio: a democracia. Às vezes, explicitou, é melhor ter menos democracia. “Quando você tem um chefe de Estado forte, que pode decidir, assim como Putin poderá ser em 2018, é mais fácil para nós organizadores do que um país como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentes níveis”, comparou o cartola global, que – além de citar o presidente Vladimir Putin, da Rússia, sede da próxima Copa – também reclamou do Brasil e sua estrutura política dividida em níveis federal, estaduais e municipais.

O histórico da Fifa demonstra que, de fato, isso não é o forte da entidade-mor do futebol mundial. Em 110 anos de existência, completados neste 2014, a Fifa teve apenas oito presidentes. Quatro deles ficaram 86 anos no comando – mais de 20 anos cada um, em média.

E a média vai aumentar. Na véspera da Copa, a Fifa realizou em São Paulo o seu congresso, que é a instância máxima da entidade, e rejeitou propostas sobre limitações de idade (neste caso, alegando discriminação) e de mandatos para os cartolas. Com isso, Joseph Blatter, de 78 anos e desde 1998 na presidência, poderá tentar a sua quinta reeleição, em maio do ano que vem. Como o cenário mais provável é de vitória de Blatter, ele ficaria no total 21 anos à frente de entidade máxima do futebol mundial. Talvez aí “cumpra a sua missão”, como diz.

Mesmo conseguindo a proeza, o suíço será apenas o terceiro mais longevo da Fifa, perdendo de forma apertada para o seu antecessor, o brasileiro João Havelange (24 anos) e de goleada para o francês Jules Rimet, que permaneceu 33 anos no comando, virou presidente de honra e deu nome à taça conquistada de forma definitiva pelo Brasil em 1970 e derretida no Rio de Janeiro em 1983.

Comercialização

Articulador da primeira Copa, disputada em 1930 no Uruguai, Jules Rimet foi presidente da Fifa de 1921 a 1954. Em sua gestão, o número de associados aumentou de 20 para 85 – hoje, são 209. Havelange, o primeiro (e até agora único) não europeu a dirigir a Fifa, chegou lá em 1974, superando Stanley Rous, o inglês que ficou 13 anos no poder. A vitória foi por apenas 16 votos.

Havelange ampliou a participação de países da Ásia e da África, que haviam constituído a sua base de apoio na vitória considerada improvável sobre sir Stanley Rous. O número de seleções na Copa dobrou, de 16 para 32. Ele também iniciou o processo – irreversível, pelo que se vê – de comercialização aguda do futebol. Ali, em 1974, Havelange já anunciava que chegava para vender um produto chamado futebol.

Em 2013, a Fifa teve receita de US$ 1,386 bilhão, sendo US$ 630 milhões de vendas de direitos para a TV (US$ 601 milhões relativos à Copa) e US$ 404 milhões vindos do marketing. Fechou o ano com lucro de US$ 72 milhões. O número de funcionários cresceu de 412, em 2012, para 452.

Trata-se de uma entidade de poucas instâncias de poder: presidência (com um escritório executivo, chefiado por Christine Maria Botta), oito vices (sendo uma sênior, hoje ocupada pelo argentino Julio Grondona), secretaria geral (responsável pelas áreas de finanças, relações institucionais e competições, incluindo a Copa). Logo abaixo vêm três diretorias: Segurança (do alemão Ralf Mutschke, um ex-diretor da Interpol), Comunicação e Relações Públicas (do jornalista Walter De Gregorio, de cidadanias suíça e italiana) e Assuntos Legais (do suíço Marco Villiger).

Depois, mais quatro diretorias, uma das mais importantes é a de Finanças e Administração, comandada por Markus Kattner, ex-secretário-geral interino, que no recente congresso da Fifa informou que as reservas da entidade somam US$ 1,43 bilhão, crescimento de 20 vezes em duas décadas. No congresso, a entidade anunciou ainda que cada uma das 209 federações filiadas receberá US$ 750 mil referente a uma espécie de participação nos lucros.

O dinheiro é muito e o jogo é bruto. Recentemente, o jornal britânico Sunday Times publicou denúncias sobre subornos para garantir a realização da Copa de 2022 no Catar. O ex-dirigente  Mohammed bin Hammam, catariano, ex-presidente da Confederação Asiática de Futebol, é citado no escândalo. Em 2011, ele ameaçou lançar candidatura à presidência da Fifa. No ano passado, foi banido do Comitê Executivo da entidade. O caso ainda está sendo investigado. Na semana passada, o ex-jogador Franz Beckenbauer, ex-membro do Comitê Executivo da Fifa, ídolo e capitão da seleção da Alemanha campeã em 1974, foi suspenso por 90 dias por supostamente recusar-se a colaborar com as investigações.