Desconfiguração

Servidores rejeitam projeto que regulamenta policiais militares no Meio Ambiente

Servidores federais são favoráveis ao trabalho em conjunto, mas destacam necessidade de formação técnica e especializada que as polícias não têm

Governo de SP
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Autor do projeto é um coronel da PM paulista, que se inspirou em proposta do então deputado Jair Bolsonaro

São Paulo – Servidores da área ambiental federal rejeitam projeto de lei que regulamenta a inclusão de policiais militares nos quadros do sistema de Meio Ambiente da União, estados, municípios e do Distrito Federal. De autoria do deputado Coronel Tadeu (PLS-SP), o PL 6.289/2019 é como uma reedição de uma proposta do então deputado Jair Bolsonaro.

Na pauta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) desta semana, a matéria não foi votada devido a pedido de vista dos deputados Daniel Coelho (Cidadania-PE), Leonardo Monteiro (PT-MG) e Ricardo Izar (PP-SP). Mas pode voltar à pauta a qualquer momento.

Pela proposta, o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) poderá passar a ter políciais militares de todos os Estados e do Distrito Federal, inclusive bombeiros militares, atuando em órgãos de preservação e fiscalização de todo o país. É o caso do Ibama, do ICMBio e de órgãos semelhantes nos estados e municípios.

Para o legislador, a lei é que já existe uma “situação fática”, da atuação das polícias militares na área ambiental. O que na verdade existe são acordos de cooperação institucional estabelecidos em algumas unidades federativas.

De acordo com a Associação Nacional dos Especialistas em Meio Ambiente que atuam nos órgãos federais e no próprio Ministério, os policiais militares atuam no preenchimento de termos de constatação ou outros documentos similares, que posteriormente são referendados por agentes de fiscalização ambientais.

Militares “contra corrupção”

À imprensa, o deputado Coronel Tadeu tem afirmado também que a “entrada das polícias militares irá combater a corrupção no Ibama e no ICMBio”. Um falso argumento que, segundo os servidores do Sisnama, desqualifica injustificadamente servidores públicos e nem merece ser considerada, posto que as PMs também são compostas por pessoas como os demais servidores dos órgãos ambientais.

“Não há nenhuma evidência de que haja menos problemas éticos nas instituições militares do que no Sisnama”, diz trecho de carta aberta à população brasileira assinada pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional).

A direção da Ascema não minimiza a importância das PMs ambientais, das delegacias especializadas das polícias civis e da Polícia Federal e das ações conjuntas em operações de fiscalização.

No entanto, “a inclusão das PMs e bombeiros militares no Sisnama, ao contrário do que possa parecer, só prejudicará a implementação da política ambiental.

Isso porque o Sisnama prevê a gestão compartilhada entre os entes federativos, que tem sido aprimorada com leis e normas que permitiram delimitar áreas de atuação e direcionar esforços, evitando sobreposições de ações.

Disputas no meio ambiente

Para os servidores, incluir uma corporação com foco na segurança pública neste sistema tem grande potencial desestabilizador. No caso de inclusão de polícias militares no Sisnama, como fica o espaço de cada entre federativo? Concorrerão com os órgãos estaduais de meio ambiente?

Como será a atuação para a emissão do ato administrativo de emissão de auto de infração? Criação de estrutura própria e concorrente para o julgamento dos autos? Poderão fiscalizar o que não licenciam ou licenciaram também? No caso de um PM autuar uma empresa assim como o órgão ambiental, qual auto valerá? Afinal, as competências da União, Estados e Municípios já estão estabelecidas na Constituição Federal e na legislação e a proposta parece caminhar para a duplicidade e sobreposição de ações governamentais.

Outro risco, segundo eles, é que se consolide uma leitura que para resolver os graves problemas ambientais bastam agentes de segurança pública.

A fiscalização, como lembram, não é só uma etapa da gestão dos ativos ambientais do país, e não se limita a presença do agente. Para que a lavratura de autos ou outros documentos em campo são levados em conta os danos causados, as áreas sensíveis, espécies ameaçadas, condicionantes de licenciamento ambiental, numa avaliação técnica e especializada, não sendo só a ação pontual da repressão policial depois que os animais já estão mortos ou as árvores sendo transportadas.

Militares na área ambiental

Qual seria o real interesse pela entrada dos Policiais Militares no sistema Nacional de Meio Ambiente? Terem mais trabalho? Montar uma estrutura administrativa paralela? Quem julgará os autos de infração ou emitirá licenças e autorizações? Qualquer soldado? Com qual formação técnica? De onde viriam os recursos para adequação das tropas para mais essa nova atividade? E como seria o sistema de cobranças e destino desses recursos arrecadados? Iriam para um fundo ambiental? Custeariam projetos ambientais? Os sistemas de cobrança dos autos de infração no Sisnama tem particularidades em cada ente federado.

No entanto, todos têm regulamentações nacionais e locais. Apesar da complexidade dos julgamentos dos processos derivados das autuações ambientais, uma porcentagem pequena das multas são efetivamente pagas em período curto e os processos se arrastam por anos e instâncias de recursos. Como as polícias pretendem tratar essa dificuldade que ainda assombra os órgãos ambientais? Os policiais que realizam a autuação terão que ter disponibilidade para acompanhar esses processos como o fazem as estruturas de fiscalização do Sisnama.

“Seremos sempre favoráveis ao trabalho em conjunto dos agentes públicos, mas de forma articulada e racional, sem sobreposições ou omissões’, concluem os servidores.


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