Rio de Janeiro

Retirada de lixo da Baía de Guanabara para Olimpíada causa confusão

Thomaz Silva / Fotos Públicas / abril de 2014 Regatas pontuais tentam recolher lixo acumulado na baía. Confusão e desorganização comprometedoras Rio de Janeiro – “A Baía de Guanabara é […]

Thomaz Silva / Fotos Públicas / abril de 2014

Regatas pontuais tentam recolher lixo acumulado na baía. Confusão e desorganização comprometedoras

Rio de Janeiro – “A Baía de Guanabara é um lixo, literalmente.” A declaração, feita em um tom entre a indignação e o desânimo, é do cinco vezes medalhista olímpico Torben Grael, técnico da equipe brasileira de vela que disputará a Olimpíada do ano que vem no Rio de Janeiro. Ditas na quarta-feira (8), logo após uma caixa de isopor ter feito adernar uma embarcação que treinava na Baía, as palavras do herói olímpico brasileiro refletem o fracasso e a aparente falta de comando no projeto de reduzir em 80% o lixo flutuante do cartão postal carioca antes que ele sirva de raia para o encontro esportivo mundial.

Não há consenso entre as autoridades sobre como melhor utilizar os dois principais instrumentos para evitar que os resíduos sólidos poluam as águas da Guanabara: as redes de contenção instaladas nos pontos críticos de desemboque de sujeira na Baía e as barcas contratadas para recolher o lixo flutuante acumulado no espelho d’água. A confusão em torno do tema envolve o governo estadual, uma ONG (gerida pela família Grael), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), empresas privadas e até um instituto holandês.

Graças aos problemas de conservação e manutenção, apenas três de um total de 14 redes de contenção de lixo, conhecidas como ecobarreiras, estão atualmente funcionando na Baía de Guanabara. Na tentativa de corrigir o problema, o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, decidiu contratar em regime emergencial – ao custo de R$ 20 milhões e sem licitação – a ONG Instituto Rumo Náutico, que pertence à família Grael, para reinstalar outras quatro ecobarreiras que foram consertadas pelo governo e estão prontas para uso.

O vice-prefeito de Niterói, Axel Grael, irmão de Torben e do também medalhista olímpico Lars, é aliado de Corrêa desde que atuaram juntos na Secretaria de Meio Ambiente do então governador Anthony Garotinho. Essa proximidade provocou críticas à decisão do secretário, mas antes que ele reagisse o Instituto Rumo Náutico anunciou sua recusa em assumir a tarefa proposta. O motivo alegado pela ONG, que chegou a realizar todos os estudos técnicos para assumir a reinstalação das ecobarreiras, foi o temor de que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) cancelasse o projeto. Em nota à imprensa, Lars Grael afirmou que “gerir a coleta de lixo flutuante não é a principal vocação do Instituto”.

Após a recusa oficial da ONG, Corrêa decidiu fazer uma licitação de R$ 31 milhões para a construção e instalação de 15 novas ecobarreiras. O contrato, segundo ele, incluirá também o recolhimento do lixo retido nas redes, a separação do material reciclável e seu transporte por caminhões até as estações de tratamento. Tudo será feito em um prazo máximo de 18 meses, o que coincide com a realização da Olimpíada, mas prejudica o evento teste para as provas de iatismo, marcado para agosto deste ano: “Até lá, o que poderemos fazer é reinstalar essas quatro ecobarreiras. Ainda assim, não será da maneira adequada”, diz o secretário.

Paralisação

Já as dez barcas que recolhem o lixo flutuante na Baía, chamadas de ecobarcos, estão paradas desde fevereiro, deixando de coletar 45 toneladas de resíduos sólidos por mês. A paralisação aconteceu depois que o governo deixou de repassar o pagamento às empresas Ecoboat e Brissoneau, que prestam o serviço. O atraso já seria de quatro meses, dizem as empresas. Segundo André Corrêa, ainda não há previsão para o restabelecimento da coleta de lixo flutuante.

Além da paralisação, o serviço prestado pelos ecobarcos é objeto de uma curiosa polêmica desde que Corrêa anunciou que um inovador programa de computador desenvolvido pelo Instituto Deltares, da Holanda, iria auxiliar no recolhimento do lixo flutuante da Baía. O programa holandês se baseia em informações sobre correntes, ventos e temperatura da água para monitorar o deslocamento do lixo e projetar onde se concentrará. Graças a ele, disse o secretário, “as informações sobre a concentração do lixo chegarão com quatro dias de antecedência e ficarão disponíveis em um site que será consultado pelos comandantes dos ecobarcos antes de decidirem seus trajetos”.

Logo que Corrêa anunciou a “novidade”, no entanto, cientistas e técnicos do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mais conhecido como Coppe-UFRJ, criticaram a decisão do governo de utilizar um programa de computador desenvolvido por uma instituição estrangeira quando a própria Coppe já tem um programa pronto com o mesmo objetivo desde o ano 2000, o que dispensaria a importação: “Fiquei espantado. A Coppe, a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e as empresas de oceanografia do Rio são capazes de prever os pontos com mais lixo. Nenhuma ciência mágica foi apresentada”, disse o professor Luiz Landau, coordenador do Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia da Coppe.

Segundo Landau, o governo poderia dispor dessas informações imediatamente, se houvesse solicitado: “Posso passar essas informações agora, em tempo real. Para quem conhece o assunto, chega a ser ofensivo dizer que o problema vai ser resolvido com um programa da Holanda. Temos sensores instalados na Baía e várias estações meteorológicas”, disse. Em nota divulgada após a crítica da UFRJ, a Secretaria Estadual do Ambiente afirmou que o programa foi doado ao governo do Rio pelo instituto holandês e que sua utilização não “exclui nenhuma cooperação com qualquer centro de pesquisa nacional ou internacional”.

Comissão

O deputado estadual Flavio Serafini (Psol) protocolou na Mesa Diretora da Assembleia Legislativa um requerimento pedindo a criação na casa de uma Comissão Especial da Baía de Guanabara. As motivações alegadas pelo deputado são “identificar as causas da ineficiência do Plano de Despoluição da Baía de Guanabara”, que foi iniciado em 1994, e “colaborar na construção de uma visão integrada das atividades realizadas, promovendo práticas de justiça socioambiental e a revalorização deste território vital para o Rio de Janeiro”.

“É preciso dar visibilidade a tudo que está acontecendo na Baía, por conta do seu valor estratégico para o escoamento de bens e serviços, e por ser o vetor de uma gama de conflitos envolvendo, de um lado, direitos coletivos ao meio ambiente e à fruição do espaço público e, de outro, interesses privados de grandes empreendimentos e corporações”, diz Serafini.