18 Buracos

Campo de Golfe Olímpico: tacada torta de Eduardo Paes

Região sofre com falta de água, enquanto gasta-se 1,8 milhão de litros diários em empreendimento, que deve render, segundo movimento Golfe Para Quem?, R$ 1 bilhão à especulação imobiliária

Divulgação/Greenleaf

Em empreendimento “olímpico”, não falta nem água, nem denúncias, nem suspeitas

Rio de Janeiro – Ao sair do último compromisso de sua agenda oficial de uma semana no Rio de Janeiro, que incluiu reuniões com autoridades locais e visitas de inspeção às obras preparatórias para a Olimpíada, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, foi cercado no sábado (28) por um grupo de cerca de 50 manifestantes. Aos gritos de “COI go home” e portando uma faixa onde se lia “Holocausto Ambiental”, os manifestantes entregaram ao alemão uma lista de queixas contra a organização dos jogos que trazia como primeiro item o Campo de Golfe Olímpico, que está sendo construído pela empreiteira RJZ Cyrela na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade: “Parece que esse campo de golfe é agora a grande polêmica”, resumiu Bach aos jornalistas.

Motivos não faltam. O Rio de Janeiro já possui dois conceituados, e vastos, campos de golfe: o Gávea Golf Club, que tem 18 buracos (número utilizado nas competições do COI), e o Itanhangá Golf Club, com 27 buracos e presente em todos os rankings de melhores campos de golfe do mundo. Ainda assim, a prefeitura optou pela construção de um terceiro campo para a Olimpíada, em um terreno de 970 mil metros quadrados localizado em plena Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi. O custo estimado em R$ 60 milhões é integralmente bancado pela iniciativa privada. Em contrapartida, os investidores privados receberam da prefeitura a permissão para a construção de 23 novos prédios residenciais de até 22 andares na região da Barra, na zona oeste do Rio, e do bairro vizinho, o Recreio.

Logo no início das obras, a prefeitura conseguiu, por meio de lei complementar (PLC 113/2012) aprovada na Câmara Municipal, excluir uma área de 58 mil metros quadrados de Mata Atlântica dentro do Parque Natural Municipal de Marapendi para integrá-la ao projeto do Campo de Golfe Olímpico, além de alterar o gabarito da área edificável na região, que era de somente seis andares. Na ocasião, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) argumentou que uma compensação ambiental para o desmatamento havia sido acertada com os empresários. Estes iriam ajudar a instalar em uma área de 846 mil metros quadrados o Parque Natural Municipal Nelson Mandela, que tornaria Área de Proteção Ambiental toda a parte de vegetação de restinga voltada à Praia da Reserva, trecho ainda preservado e hoje ameaçado pela especulação imobiliária.

O problema é que a mata já foi suprimida para a construção do campo de golfe, que tem inclusive a topografia de seus 18 buracos já concluída, mas até o momento o novo parque municipal não deu o menor sinal de que será instalado. Paralelamente, os empreendimentos imobiliários no entorno já começaram, e a mesma construtora RJZ Cyrela até montou stands para vender na planta os apartamentos do futuro condomínio Riserva Golfe – Vista Mare Residenziale.

Crime ambiental

O Ministério Público Estadual, por intermédio de seu Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente, deu entrada em uma ação civil pública que pede o embargo do projeto de construção do Campo de Golfe Olímpico, sob a alegação de prática de crime ambiental e violação da Lei da Mata Atlântica. Já a Procuradoria-Geral do Município diz que os terrenos da Praia da Reserva, que se estendem da Barra da Tijuca até o Recreio, ainda não foram sequer desapropriados pela prefeitura, o que coloca o acerto público-privado sob suspeição e ainda pode inviabilizar o plano de compensação ambiental bolado por Paes.

Além da supressão de Mata Atlântica, os ambientalistas criticam o impacto que a construção do Campo de Golfe Olímpico está causando sobre a fauna da APA de Marapendi. A principal preocupação é com uma espécie endêmica ameaçada de extinção, o lagarto Liolaemus lutzae, conhecido popularmente como lagartinho da praia ou lagartixa da areia, que vive bem próximo ao mar, nas dunas e vegetação de restinga.

As queixas não param por aí. Enquanto os novos espigões não são erguidos, quem já mora na região diz que sente o impacto da falta de água desde que as obras começaram. Segundo o movimento “Golfe Para Quem?”, os problemas de abastecimento coincidiram com o início da irrigação 24 horas do terreno do futuro campo de golfe, que é garantida pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Um cálculo feito pelo movimento, baseado no consumo de água declarado por campos de golfe em todo o mundo, aponta que cerca de 1,8 milhão de litros estão sendo gastos diariamente no empreendimento carioca.

Lucro e concessão

Outro cálculo feito pelo Golfe Para Quem?, desta vez baseado no preço praticado atualmente para venda do metro quadrado de terreno na região, aponta que a expectativa de retorno da RJZ Cyrela com os 23 prédios a serem construídos é de R$ 1 bilhão. Essa percepção motivou uma segunda ação do Ministério Público para embargar o projeto do Campo de Golfe Olímpico. A ação, que aponta ilegalidades em todo o processo – decretos e leis complementares – levado a cabo pela prefeitura, afirma que “o benefício concedido a particular é excessivo se comparado à contrapartida exigida pelo município, o que configura dano ao erário”.

Advogado do movimento, Jean Carlos Novaes encaminhou representação contra o projeto à Promotoria de Defesa da Cidadania e ao Ministério Público Federal e Estadual: “Fizemos essa representação para que se apurem as irregularidades, provavelmente de tráfico de influência, e de favorecimento a empresas e pessoas envolvidas nesse projeto do Campo de Golfe Olímpico. É evidente que existe uma desproporção imensa entre a vantagem que o particular está levando em detrimento do patrimônio público e da sociedade do Rio de Janeiro”, diz.

Após a Olímpiada – será usado para as competições oficiais por apenas oito dias –, o campo de golfe olímpico, por contrato, se tornará público por um período de dez anos, prorrogáveis por mais dez. A gestão do espaço será terceirizada, por intermédio de concessão à iniciativa privada.

Eduardo Paes já afirmou que o processo de concorrência pública para a escolha dos futuros operadores do espaço será realizado antes dos jogos, de modo que a nova gestão tenha início em setembro de 2016. Falta, no entanto, definir o conceito de utilização de um campo de golfe público. A ideia, segundo o prefeito, é que o clube tenha entrada permitida a todos mediante a cobrança de uma taxa de utilização, e que reserve um espaço para a realização de projetos sociais da prefeitura, ainda não especificados.

Batata quente

Após dois anos de defesa veemente do projeto, quando repetia que o Campo de Golfe Olímpico se transformaria em um “ponto de turismo sofisticado” e que iria “colocar o Rio no circuito internacional de golfe”, Eduardo Paes parece ter decidido tirar do colo da prefeitura a batata quente em que se transformou a crescente polêmica provocada pelo empreendimento: “Eu odeio ter sido obrigado a fazer esse campo de golfe. Por mim, não teria feito nunca. Mas, infelizmente, todos os pareceres do COI disseram que nem o campo da Gávea, nem o de Itanhangá serviriam. Por isso fiz o projeto de parceria público-privada. Se eu tivesse de colocar dinheiro público nisso, não colocaria nunca”, disse o prefeito, na saída de um dos eventos da visita oficial do COI.

Confrontado por jornalistas à afirmação de Paes, o presidente da entidade deu uma resposta que só coloca mais lenha na fogueira dos que apontam irregularidades no projeto: “Fico um pouco surpreso com isso, porque o prefeito estava realmente nos pressionando para a construção desse campo de golfe. Tenho certeza de que ele pensou muito sobre isso antes de construí-lo”, disse Thomas Bach.

Sobre os vetos aos campos da Gávea e do Itanhangá, as autoridades olímpicas limitam-se a dizer que ocorreram após estudos técnicos, sem especificar quais critérios foram observados. No entanto, em carta enviada à Câmara dos Vereadores e mais tarde tornada pública, o presidente do Itanhangá Golf Club, Alberto Fajerman, afirma que jamais foi “sondado por qualquer órgão envolvido na organização dos Jogos Olímpicos de 2016”. O empresário acrescenta que, “caso tivesse sido procurado, aceitaria sim sediar a modalidade de golfe nos Jogos Olímpicos de 2016”.

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