Pagamento Ambiental

Incipiente, sistema de REDD ainda precisa se firmar no Brasil e no mundo

Mecanismo de incentivo à preservação ambiental imaginado pela ONU suscita dúvidas e divergências dentro e fora do governo, que criou Grupo de Trabalho sobre o tema

arquivo/abr

Despoluição de rios e tratamento de esgotos estão entre os compromissos dos países

Rio de Janeiro – Criado na tentativa de formar um mercado de compensação de bons serviços ambientais, o REDD, também conhecido como REDD+, virou um sistema complexo e ambicioso, mas que ainda não se consolidou em nenhum país. Segundo a definição da Convenção sobre Mudança do Clima da ONU, o sistema “compreende políticas e incentivos voltados à redução das emissões de gases de efeito estufa advindas do desmatamento e da degradação florestal, complementadas por ações voltadas para a conservação de florestas, o manejo florestal sustentável e o incremento dos estoques de carbono florestal nos países em desenvolvimento”. No Brasil, apesar dos esforços do governo, que criou um Grupo de Trabalho Interministerial sobre REDD+, sua implementação ainda suscita dúvidas e divergências – dentro e fora do governo.

O GT sobre REDD foi criado no âmbito dos fóruns de articulação da Política Nacional sobre Mudança do Clima e apresentou em fevereiro o relatório com a conclusão dos seus trabalhos. Participam do Grupo a Casa Civil da Presidência da República e os Ministérios do Meio Ambiente (MMA), da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e das Relações Exteriores, além da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A gerente de Mudança do Clima e Florestas do MMA, Natalie Unterstell, afirma que, em relação ao REDD, o Brasil buscará seguir o que determinam as negociações internacionais. “A aplicação do REDD é definida no âmbito da Convenção sobre Mudança do Clima como fruto das abordagens de países em desenvolvimento, em escala nacional, para mitigação no setor de mudança no uso da terra”, diz. Ela reconhece, no entanto, a complexidade dessa aplicação: “Há uma disputa grande em torno de conceitos. Se o REDD implica um mercado de carbono, se vai ter mesmo crédito de carbono. Nada disso está resolvido e não é resolvível por um país só, em uma única frente.”

Natalie, no entanto, diz que o país está no caminho certo: “Para nós, o que importa é que o Brasil já tem resultados consistentes na queda do desmatamento. Agora, a gente precisa ir além em termos de tratamento do setor. Trabalhar com a degradação florestal, trabalhar com a recuperação de áreas que foram desflorestadas ou degradadas, tudo isso faz parte do REDD. É esse conjunto de atividades que a gente quer ver crescer no país por meio da implementação do Código Florestal e desses novos incentivos à preservação ambiental”, diz.

Economia verde?

No movimento socioambientalista, a aplicação do REDD também provoca polêmica. Durante a Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 e organizado por entidades e movimentos sociais de todo o mundo, o sistema foi tratado como parte do pacote da “economia verde” execrado pelos ambientalistas. “O mercado de REDD é uma opção polêmica, principalmente para a sociedade civil brasileira, que ainda se bate enormemente sobre esse tema”, diz Marcelo Cardoso, coordenador-executivo do Instituto Vitae Civilis, entidade que coordena a rede internacional Climate Action Network (CAN).

Cardoso ainda espera que o tema seja mais bem debatido. “Por ser muito incipiente, não tem no Brasil nenhuma experiência com REDD que você possa dizer que é bem-sucedida e tem efeitos e resultados positivos. Então, é algo delicado. Primeiro, tem algumas questões conceituais que precisam ser resolvidas pela sociedade civil para que se possa pensar em uma coisa que seja mais efetiva. Enquanto estiver depositada essa polêmica tão grande no REDD, não vai avançar”, diz.

Para Rubens Gomes, coordenador do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede que engloba mais de 600 organizações da região e debate o REDD há alguns anos, o sistema pode dar certo. “Se houver uma estratégia nacional de REDD+ que reconheça créditos gerados a partir da redução de emissões por desmatamento, tais ações de combate ao desmatamento teriam chances de ser significantemente ampliadas. Além disso, criar a possibilidade de pagamentos para a redução de emissões se apresenta como mais uma oportunidade de promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia brasileira, reconciliando a conservação e o manejo das nossas florestas tropicais, o que possibilitaria a melhora na qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais.”

Rubão, como é conhecido, lembra que o sucesso da implementação de um sistema de REDD no Brasil depende também da mobilização dos movimentos sociais. “A pressão política dos movimentos socioambientais possibilitou a criação, pelo governo, de 240 mil quilômetros quadrados de áreas protegidas na Amazônia, exatamente nas regiões onde o desmatamento era mais intenso. Como consequência, se efetivamente forem protegidas, estas áreas poderão evitar na próxima década a liberação de aproximadamente 600 milhões de toneladas de carbono para a atmosfera. O Brasil tem condições de atacar suas emissões domésticas combatendo o desmatamento de suas florestas tropicais”, diz.

Diálogo bilateral

O REDD certamente será um dos temas presentes no seminário sobre Pagamentos por Serviços Ambientais, programado para terça-feira (28) pelo MMA em Brasília. O evento faz parte do projeto Diálogos Setoriais União Europeia-Brasil. “Esses diálogos ocorrem sobre vários temas, é uma cooperação ampla entre países. Já fizemos duas rodadas de diálogo sobre o tema PSA, porque eles lá também enfrentam os mesmos desafios quanto a prover incentivos positivos para a conservação não só de florestas, como também de outros tipos de ecossistema. A questão dessas rodadas de diálogo é encontrar soluções comuns, e o sistema de REDD certamente pode fazer parte disso”, diz Natalie Unterstell.

A próxima rodada de conversas com os europeus terá como novidade um terceiro convidado: o México. “Fomos buscar soluções em um terceiro país. Falaremos sobre mecanismos como os Fundos Concorrentes, que o México aplicou e que permitem uma aliança entre o poder público e o setor privado na base de cada dólar investido pelo setor privado ser acompanhado por outro dólar investido pelo poder público. Com isso, se criaram uma série de instrumentos tanto para a transferência de recursos quanto para a alavancagem de recursos novos. São experiências absolutamente relevantes e que podem ser replicadas tanto aqui no Brasil quanto na União Europeia”, diz a gerente de Mudança do Clima do MMA.