Pegando fogo

Carlos Nobre: modelo econômico de floresta em pé tornaria Amazônia mais soberana e competitiva

Para cientista do IPCC, Amazônia ganharia mais com indústria biotecnológica do que com Zona Franca. E país perde respeito por descumprir metas de acordo do clima

Reprodução/TV Cultura
Reprodução/TV Cultura
"Se nós tivermos preocupação com as futuras gerações, temos que reduzir as emissões", afirmou o cientista no Roda Viva

São Paulo – O cientista Carlos Nobre, integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), disse nesta segunda-feira (28), em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que o Brasil conquistou a posição de líder mundial em preservação do meio ambiente, por conta da redução no desmatamento da Amazônia, entre 2005 e 2014. Segundo ele, após em 2015, e sobretudo em 2019, a devastação teve um avanço explosivo. Com isso, o Brasil corre o risco de perder o respeito internacional – um prestígio que havia colaborado, inclusive, para o sucesso do agronegócio no exterior.

“Vamos perder esse prestígio que nos vale muito como imagem e como benefício econômico? Essa pergunta ainda não tem resposta. Seria péssimo para o futuro do país, a curto e longo prazo, se perdêssemos esse protagonismo”, afirma. Com as reduções no desmatamento alcançados naquele período, Nobre disse que o Brasil foi o país em desenvolvimento que mais reduziu suas emissões de gases de efeito estufa que contribuem para o agravamento do aquecimento global. Nobre disse que o atual governo não deve alcançar as metas para 2020, estabelecidas uma década antes.

Entrevista histórica
Em entrevista à Revista do Brasil, em 2013, Carlos Nobre deu uma aula sobre a relação entre mudanças climáticas, aquecimento global e modelos econômicos que têm conduzido o mundo ao aumento da desigualdade.
Parte 1 – “O mundo não tem escolha: precisa se impor metas muito mais ambiciosas contra o aquecimento, com o cuidado solidário de não agravar desigualdades entre ricos e pobres”
Parte 2 – “Países desenvolvidos têm de criar fundos e apoiar os em desenvolvimento na mudança de suas matrizes de emissão sem impactar na possibilidade deles de reduzir a pobreza””
Parte 3 – “Indivíduo sustentável vive com o que precisa, nada mais. O modelo das sociedades ricas levou à crise ambiental. E um novo modelo depende do indivíduo. A expectativa dele é que transforma a sociedade”

Sem esse compromisso, o mundo fica se aproxima do “ponto de não retorno”, quando as mudanças ambientais causadas pela elevação da temperatura média global não seriam mais reversíveis, e o planeta passaria a viver, cada vez mais, períodos extremos, com chuvas e secas excessivas.

“Se tivermos preocupação com as futuras gerações, se respondermos a Greta, que nos cobra uma solução, temos de reduzir as emissões”, afirma, fazendo referência à jovem ativista sueca Greta Thunberg.

Segundo Carlos Nobre, nos últimos 200 anos a temperatura da Terra já se elevou em 1,1 grau Celsius. Se chegar a três graus de elevação, Groenlândia e da Antártica derreteriam, elevando o nível do mar em até 12 metros. “As cidades costeiras praticamente deixarão de existir.”

Teorias de conspiração

O cientista, que começou sua carreira científica no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em 1975, diz que nunca viu ameaça de invasão estrangeira da região. A suposta ameaça à soberania brasileira na região é evocada por Bolsonaro e também por militares, que acusam outros países e ONGs internacionais.

A saída, segundo Nobre, é o desenvolvimento de um modelo econômico, “com a floresta em pé”, de exploração sustentável das riquezas naturais da floresta.

“Será que se nós desenvolvermos uma economia em que a floresta tem um enorme valor econômico, será que isso não assegura muito mais a nossa soberania? Soberania hoje, no século 21, tem muito a ver com o domínio das tecnologias”, afirma Nobre. Para ele, a instalação de um polo industrial de biotecnologia na região tornaria o país mais soberano em relação à proteção e ao aproveitamento de sua biodiversidade e mais competitivo do que com as fábricas de motocicletas, eletrodomésticos e eletrônicos na Zona Franca.

Nobre também afirmou que os impactos do vazamento de petróleo no litoral do Nordeste já atingem a economia local, com a suspensão da atividade pesqueira, bem como a saúde dessas populações costeiras. “Em todas aquelas praias tradicionais de pesca artesanal e das marisqueiras tem de ser suspensa totalmente a pesca – com pagamento de auxílio-defeso às famílias afetadas –, porque as substâncias deste petróleo contaminam a um nível terrível, tanto os alimentos, como o mangue, a vida no mangue, a vida marinha. Mas também a saúde daquelas pessoas.”

Atuante no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Nobre foi um dos autores do Quarto Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que rendeu à equipe envolvida, o Prêmio Nobel da Paz em 2007


Assista à entrevista de Carlos Nobre ao Roda Viva