Campanha contra sacolinhas foi ‘desastre completo’, diz especialista

Para Ricardo Pastore, da ESPM, APAS errou ao impor a campanha sem levar em consideração a opinião dos consumidores e demais representantes da sociedade

Consumidores exigiram a volta da distribuição de sacolas plásticas – Foto: Joel Silva/Folhapess

São Paulo – Seis meses após o anúncio do fim da distribuição das sacolas nos supermercados paulistas, o que era para ser uma medida em defesa do meio ambiente – segundo justificativa da Associação Paulista dos Supermercados (APAS), com aval do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) – transformou-se numa contenda judicial. 

Na última terça-feira (31), o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo decidiu manter a liminar concedida pela juíza Cynthia Torres Cristófaro, da 1ª Vara Central de São Paulo (capital), que obriga os supermercados a distribuírem, sem custo adicional para o consumidor, sacolas de boa qualidade e biodegradáveis para a acomodação e transporte das compras. 

No começo da semana passada, quando acabou o prazo dado pela Justiça para a volta da distribuição, muitos supermercados ainda não estavam cumprindo a determinação. Nesta entrevista, o professor Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios do Varejo da ESPM, de São Paulo, avalia os desacertos dos supermercadistas. 

Apesar do apelo ambientalista, a Justiça levou em consideração o desrespeito da campanha aos direitos do consumidor. Os supermercados deram um tiro no pé?

Deram sim e não foi por falta de aviso. Os consumidores não foram levados em consideração, nem os fornecedores, especialistas, universidades e demais representantes da sociedade. Houve uma avaliação subestimada do assunto que envolve muito mais que a questão ambiental, que é legítima, e de redução de custos dos supermercadistas, que também é legítima. Os consumidores são conscientes quanto ao efeito que as sacolinhas provocam no meio-ambiente mas deram um basta quando viram que, mais uma vez, a conta seria paga só por eles. São sinais do tempo que apontam  uma sociedade mais antenada e que obriga as empresas a se atualizarem e entenderem a dinâmica das organizações sob outros paradigmas e não apenas àqueles que eram suficientes para tratar dos problemas cotidianos. 

Até que ponto a resistência do consumidor e as decisões da Justiça arranham a imagem do setor?

É lamentável que a Justiça tenha que intervir em questões nas quais as relações de mercado bastariam para tratá-las, mas já que os agentes sociais – empresas, consumidores, fornecedores, políticos e ambientalistas – não conseguiram chegar a um termo comum, o poder público agiu bem. A imagem do setor foi sem dúvida comprometida; os consumidores perderem parte da confiança que tinham e estão com o pé atrás esperando pela próxima “pegadinha”. Nos últimos anos, os supermercados construíram um setor forte, atualizado, melhoraram muito o atendimento, passaram a oferecer lojas modernas e confortáveis e, por um instante, comprometem todo esse trabalho por pura falta de habilidade e correta avaliação no trato do problema que, repito, em outros tempo teria dado certo, mas os dias atuais mostram que as coisas estão mudando.

Além do aspecto institucional, que prejuízos o setor tem na prática?

O prejuízo ocorre pela perda da oportunidade em reduzir uma despesa importante que é a despesa com embalagens, equivalente a algo em torno de 0,3% a 0,5% das vendas dos supermercados.

Desastre completo

O que seria preciso para o setor reabilitar sua imagem?

Adotar um tratamento anticrise, com medidas de curto, médio e longo prazos visando à recuperação da imagem e possível retomada do projeto de eliminação das sacolinhas ou substituição por outra alternativa. A questão é que esse é um problema que não encontrou resposta. Que levasse mais tempo – um, dois anos talvez – mas uma solução deveria ter sido construída e avaliada até a chegada do momento de sua implantação. Não bastou avaliar pesquisas com consumidores pois estes reagiram somente depois que se viram com as compras na mão. Portanto, o método foi inadequado. Também não foi suficiente analisar medidas semelhantes em outras praças porque São Paulo tem um consumidor diferenciado que não aceita certas imposições. A comunicação da campanha na mídia não convenceu e foi tirada do ar pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e a lei municipal foi caçada pelo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, um desastre completo.

O senhor acredita que a APAS, que pouco se pronuncia a respeito, deverá insistir nessa estratégia ou, aos poucos, deverá abandoná-la?

O pior de tudo é insistir no erro. Acho que o setor deve defender seus interesses, como é legítimo, porém deve fazê-lo de forma diferente. O ponto é saber como. Certas respostas que os gestores conhecem não valem mais para os dias de hoje e essas mudanças são rápidas e difíceis de resolver. Portanto é necessário trabalhar mais e mais para se descobrir as novas respostas que o mercado exige e isso tem fundamento nas mudanças sociais, psicológicas, antropológicas e não apenas naquele raciocínio digamos, cartesiano, presente no pensamento das teorias organizacionais dos anos 80 e 90, por exemplo.

Que lição o setor deve tirar desses tropeços todos?

Estamos diante de novos tempos e temos todos que desenvolver novos conhecimentos para lidar com questões típicas do cotidiano, pois ficou claro que o mercado mudou as perguntas. Portanto precisamos de novas respostas.