Face destrutiva do agro

Agronegócio deixa rastro de destruição na ilha de Marajó

Plantação de arroz com uso descontrolado de agrotóxicos no arquipélago paraense leva comunidade local ao caos. Defensoria e ambientalistas cobram ações

Uruá-Tapera
Uruá-Tapera
Além do uso indiscriminado de venenos, pesa sobre a denúncia o desvio do rio Arari, além de aterramento de lagos locais, o que provocou a destruição veloz de grande parte da floresta

São Paulo – Arrozais do agronegócio da família Quartieiro, no Pará, desencadearam um desastre ambiental. A Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Pará vai encaminhar um relatório sobre crimes contra o meio ambiente preservado na região do arquipélago de Marajó. Além da Defensoria, assinam o documento entidades de defesa dos direitos humanos, ambientalistas e parlamentares. O motivo do desastre é o uso descontrolado de agrotóxicos, boa parte deles liberados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Além do uso indiscriminado de venenos, pesa sobre a denúncia o desvio do rio Arari e aterramento de lagos locais, o que provocaram a destruição veloz de grande parte da floresta nativa em ampla região. Além dos efeitos nefastos no ecossistema, sofrem as populações locais, ribeirinhas, entre outras, que dependem da natureza para sobreviver. O cultivo dos arrozais em Cachoeira do Arari (PA) ocupa uma área de 13 mil hectares, correspondendo a 30% do território do município.

Entre a sexta-feira (11) e o sábado (12), a ouvidora-geral da Defensoria, Norma Miranda, e sua equipe realizaram uma visita a Cachoeira do Arari. Lá, eles se encontraram com mais de 500 famílias que estão enfrentando diretamente as consequências da falta de moradia na cidade. Durante esses encontros presenciais, foram ouvidos os depoimentos das famílias, que denunciam que a expansão do cultivo de arroz na zona urbana de Cachoeira resultou na inexistência de áreas disponíveis para a construção de novas residências.

Mobilização

Dessa forma, as famílias tomaram posse de um espaço com dimensões aproximadas de 800 metros por 600 metros, localizado na entrada da cidade, adjacente ao bairro do Choque. Esse espaço é separado das plantações de arroz apenas por uma estrada de barro estreita e é objeto de reivindicação por parte da família Quartiero.

“Estamos aqui clamando, pedindo socorro às autoridades, aos órgãos de defesa dos direitos humanos, de defesa do meio ambiente, de defesa da moradia digna, defesa da vida. A população de Cachoeira não aguenta mais essa situação”, afirma Arlete Vales, uma das líderes do Movimento de Moradores por Moradia e Impactados por Crimes Ambientais em Cachoeira do Arari, ao portal local Uruá-Tapera.

Quem paga a conta?

De acordo com o prefeito da cidade, Bambueta (MDB), o estrago tem grandes proporções. “Para Cachoeira, só fica o veneno”, disse. Ele afirma que essa situação foi imposta ao município em 2013 pelo então governador Simão Jatene (PSDB).

Naquele momento, foram estabelecidas as condições que permitiram à família Quartiero cultivar o arroz em uma área adquirida de uma família de fazendeiros da região. Adicionalmente, o governo estadual daquela época construiu uma estrada completamente pavimentada e devidamente sinalizada, e essa estrada foi cedida à empresa para facilitar o transporte do arroz pelo rio Arari até o porto de Icoaraci. É importante notar que essa via não está aberta para a circulação de moradores; apenas os proprietários e os funcionários do arrozal têm permissão para utilizá-la.

De acordo com Bambueta, a empresa emprega apenas 20 trabalhadores, todos braçais.  “Cachoeira não leva vantagem nenhuma, não há nenhum beneficio, só prejuízo”, relata. Além disso, ele estima que o déficit habitacional de Cachoeira é grande. Segundo o prefeito, a saída seria a desapropriação da área do arrozal da família Quartiero, que compreende mais de 13 mil hectares. “Quando começou a produção de arroz era na área rural, de uns anos pra cá eles têm expandido e agora entraram na área urbana”, completou.

O administrador afirma que optou por não ingressar com ações judiciais para contestar os danos que a plantação de arroz tem causado à comunidade e ao ecossistema de Cachoeira. Essa decisão se deve ao fato de que já existem duas ações legais movidas pelo Ministério Público Federal contra a empresa pertencente à família Quartiero. No entanto, ele ressalta que não mantém mais qualquer relação com Paulo (o pai) ou Renato Quartiero, o filho responsável pela administração da empresa que produz o arroz “acostumado”, cujo beneficiamento ocorre no distrito de Outeiro, em Belém.

Descaso

De acordo com os moradores, apesar da situação alarmante, o que eles enfrentam é um descaso do poder público. Eles expressam descontentamento em relação ao fato de que tanto a Câmara de Vereadores quanto a Prefeitura Municipal, o Ministério Público e o Governo Estadual, todas as instâncias públicas, estão cientes da situação de crise que Cachoeira do Arari está enfrentando, sem ações concretas.

“Tá todo mundo de braços cruzados. Todos os dias jogam veneno na nossa cabeça, nas nossas casas, nossos quintais estão envenenados, nossos animais doentes, nossas hortaliças, frutíferas, tudo está contaminado, não é só a água do rio. Adultos e crianças sofrem com coceira no corpo, o peixe está desaparecendo e nem espaço mais para construir uma casa temos. O que falta pras autoridades enxergarem?”, se queixa um morador do bairro do Choque, na cidade.