Esgoto doméstico tratado aumenta a produtividade da cana em 50%

O reuso da água na agricultura é adotado há décadas na Austrália, Israel e México. No Brasil, os estudos estão apenas começando

Mais estudos são necessários para comprovar a viabilidade do reaproveitamento de água em canaviais (Foto: Assai Souza/Sxc.hu)

O alto rendimento da lavoura de cana é um dos resultados parciais de um estudo feito no programa de pós-graduação em solos e nutrição de plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), localizada em Piracicaba (SP). Durante 16 meses, período correspondente ao primeiro ciclo produtivo, o volume de cana extraído foi, em média, 50% maior.

Na parte experimental da plantação irrigada com águas obtidas pelo tratamento de esgoto doméstico, o rendimento foi de até 247 toneladas por hectare. Já a cana colhida nas áreas-controle, que recebeu manejo com água e adubação tradicional, foram 153 toneladas por hectare.

“A pesquisa mostra que a irrigação com águas residuárias trouxe grande benefício. Além de atender à necessidade de água da planta, oferece nutrientes essenciais ao seu crescimento, especialmente o nitrogênio”, explica o engenheiro agrônomo Rafael Marques Pereira Leal, líder da pesquisa. O trabalho foi publicado na revista brasileira Scentia Agrícola, uma das mais importantes do segmento.

O estudo, cujo objetivo era avaliar a viabilidade técnica, benefícios e riscos do uso de efluentes nos canaviais, foi conduzido em lavoura experimental na cidade de Lins (SP), próxima à estação de tratamento de esgoto da cidade. O efluente bombeado à plantação passou antes por um filtro de areia que reteve algumas partículas em suspensão, que poderiam entupir o sistema de irrigação.

No período de monitoramento, o efluente utilizado continha, além de água, nitrogênio, fósforo e potássio – nutrientes importantes para o desenvolvimento das plantas. Normalmente, esse líquido produzido nas estações de tratamento a partir do esgoto é lançado em cursos d´água, trazendo riscos ao meio ambiente.

Rafael Leal ressalta que a técnica de reuso é comum há décadas em outros países, principalmente aqueles de climas áridos, como Austrália, Israel e México. Segundo ele, ao contrário do efluente de esgoto industrial, o doméstico tem pouca contaminação por metais pesados – daí ser o mais indicado.

Outra conclusão do estudo é que o subproduto do esgoto tratado tem alto teor de sódio, que pode ser danoso ao solo e à planta. “Por isso, a técnica exige atenção detalhada ao balanço entre as quantidades de nutrientes adicionadas por meio da irrigação e as quantidades de nutrientes requeridas pelas plantas. Isso evitaria eventuais prejuízos ao ambiente, por exemplo, por conta da lixiviação de nutrientes e acumulação de sais no solo, garantindo em última análise o aumento sustentável do rendimento da cana”, afirma o agrônomo.

Os experimentos continuam em andamento. Agora, os pesquisadores Tâmara Maria Gomes e Magnus Deon, de Piracicaba, e Julius Blum, de Lins, começam a estudar os efeitos desse tipo de irrigação na composição química da planta.

Embora o estudo tenha apontado para a viabilidade técnica do emprego do efluente no cultivo de cana, são necessárias pesquisas por período mais prolongado, em regiões de diferentes climas e solos e com cultivares diferentes de cana para confirmar os ganhos de produtividade.

Faltam também estudos que avaliem os efeitos dos efluentes nos solos, bem como legislação que discipline o uso da técnica. Além de as pesquisas ainda serem incipientes no país, o emprego da tecnologia depende também da construção de estações de tratamento nas proximidades da plantação.

Apesar de tantos senões, o trabalho tem o mérito de colocar em pauta o reuso da água na agricultura. Em todo o mundo, o setor é responsável por mais de 70% de todo o líquido consumido. O reaproveitamento significa que os recursos hídricos de melhor qualidade poderia ter usos mais nobres, como matar a sede de populações que convivem com a escassez. Ao mesmo tempo, haveria estímulos ao tratamento de esgotos.

Pesquisa do Instituto Trata Brasil mostra que, de 2003 a 2007, embora o país tenha melhorado o alcance dos serviços de coleta e de tratamento de esgoto com a retomada dos investimentos no setor e a criação do Ministério das Cidades, ainda são despejados no ambiente, aproximadamente 5,4 bilhões de litros de esgoto sem tratamento diariamente. Esses volumes contaminam solo, rios, mananciais e praias, e têm impacto direto na saúde da população.