Lula: ‘Não fomos nós que elegemos candidato que tem ojeriza à democracia’
Ex-presidente e políticos de esquerda rebatem o ministro Paulo Guedes, que disse para os brasileiros "não se assustarem se alguém pedir o AI-5"
Publicado 26/11/2019 - 12h37
São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu nesta terça-feira (26) as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que fez ameaças veladas sobre a decretação de um novo AI-5 caso ocorram protestos contra medidas econômicas do governo, como vem ocorrendo em diversos países da América Latina. Pelo Twitter, Lula afirmou que o PT é o partido mais identificado com a democracia no Brasil.
Vamos deixar uma coisa clara: se existe um partido identificado com a democracia no Brasil é o Partido dos Trabalhadores. O PT nasceu lutando pela liberdade e governou democraticamente. Não fomos nós que elegemos um candidato que tem ojeriza à democracia.
— Lula (@LulaOficial) November 26, 2019
Durante entrevista coletiva em Washington, nos Estados Unidos, Guedes disse que “era uma insanidade” Lula pedir ao povo para sair às ruas, em referência ao discurso, realizado em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, um dia depois de sair da prisão, em que o ex-presidente convoca a população a se mobilizar para enfrentar os ataques do governo Bolsonaro contra direitos sociais e trabalhistas. O ministro cobrou “responsabilidade” com a democracia, mas terminou endossando ameaça que já havia sido feita pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
“Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com 10 meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática”, afirmou o ministro, na capital dos Estados Unidos.
Editado em 13 de dezembro de 1968, pelo presidente militar Artur da Costa e Silva, o Ato Institucional 5, que marca o início da fase mais sombria da ditadura civil-militar (1964-1985), resultou no fechamento do Congresso, na cassação de mandatos de parlamentares, suspensão das liberdades individuais e censura aos meios de comunicação e às artes.
Reações
Além de Lula, as declarações de Guedes produziram reações de diversos políticos da esquerda. A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que, para o governo, “o povo tem que sofrer calado”. Também alertou que esse tipo de ameaça “prepara o uso da violência contra movimentos sociais ao dar declarações desse tipo”. Para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato do PT à presidência nas últimas eleições, trata-se de “um governo covarde, sob todos os aspectos”. Segundo o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), as ameaças de um novo AI-5 “não são bravatas”. Ele citou projeto enviado ao Congresso Nacional que estabelece excludente de ilicitude para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que, segundo o próprio presidente Bolsonaro, serviria para inibir protestos. “O governo está com medo e apela à violência e ataques à democracia”, disse Freixo, também pelo Twitter.
Congelamento do salário mínimo, taxação dos desempregados, corte nos salários dos servidores, trabalho aos domingos, desmonte dos serviços públicos… E se você reclamar, ganha um AI-5. Não é só a economia da ditadura Pinochet que inspira Paulo Guedes. A violência também.
— Marcelo Freixo (@MarceloFreixo) November 26, 2019
Ex-presidenciável do Psol, o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) Guilherme Boulos lembrou a reação de Guedes com economistas liberais chilenos que atuaram no governo durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). A deputada federal Jandira Feghali disse que Guedes “desconhece o valor da democracia”. Já o deputado Zeca Dirceu propôs a criação de uma “frente parlamentar democrática contra o AI-5”.
Paulo Guedes disse para não se assustar se pedirem o AI-5. Quem trabalhou para Pinochet e virou homem de confiança da família Bolsonaro com certeza não se assusta com ditadura. Liberalismo com tortura nos outros é refresco!
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) November 26, 2019
Paulo Guedes desconhece o valor da Democracia ao aceitar que alguém peça AI-5 em pleno 2019. É irresponsável ou, antes de tudo, um ignorante da História. Pobre Brasil nas mãos dessa gente! Saiba Guedes que o PCdoB jamais aceitará passivamente ideias como essa.
— Jandira Feghali (@jandira_feghali) November 26, 2019
Estou propondo no congresso a criação imediata de FRENTE PARLAMENTAR DEMOCRÁTICA CONTRA O AI5, vamos unir direita e esquerda contra estas ameaças autoritárias e anti-democraticas. #ditaduranuncamais #ai5jamais #povonasruasSIM
— Zeca Dirceu (@zeca_dirceu) November 26, 2019
Quando o seu filho fez a defesa desse instrumento, no mês passado, o presidente afirmou que quem falasse em AI-5 estaria “sonhando”. No entanto, no passado, ele saudou a medida. Em 2008, quando era deputado, ele “louvou” o AI-5 por ter colocado “freios naqueles da esquerda”. Agora, Eduardo Bolsonaro vai responder no Conselho de Ética da Câmara pelas declarações antidemocráticas e poderá ser punido com advertência, suspensão ou até a cassação do mandato.