Economistas pedem que governo Dilma mostre ao mercado quem manda

Mecanismos de controle de capitais seriam uma das formas para barrar o dano provocado por investidores sem interesse no desenvolvimento do país

São Paulo – Desde que o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, há duas semanas, promover o corte de meio ponto percentual na taxa básica de juros da economia brasileira, cresceram as pressões de bancos, corretoras de investimento e da velha mídia para que se adote o caminho contrário. Na visão de uma parcela de economistas, o governo da presidenta Dilma Rousseff tem a oportunidade de reafirmar ao mercado que o Banco Central deve prestar contas ao Estado brasileiro, e não aos investidores.

Analistas próximos do mercado enxergaram na decisão do Copom um atentado à autonomia do BC, que teria sucumbido a pressões do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e da presidenta Dilma Rousseff. Na véspera, ambos sinalizaram que o Executivo, ao adotar controle mais rigoroso de gastos públicos, estaria fazendo a sua parte pela redução do juros – caberia ao Copom fazer a dele.

“A gente tem um potencial muito grande. Falta a coragem política de dizer que pode ser diferente. Agora, que seria a oportunidade de promover mudanças, fica-se com esse receio”, lamentou Paulo Kliass, especialista em políticas públicas e gestão governamental. Durante seminário promovido pela Agência Carta Maior, Kliass defendeu o controle de capitais como um imperativo na condução da política econômica.

Isso significaria, em primeiro lugar, baixar a taxa de juros a níveis que deixem de atrair capital especulativo. Atualmente, esses recursos aportam no país interessados em elevadas remunerações e sem compromisso com o setor produtivo ou com o desenvolvimento do país. Entre os problemas provocados está a valorização do real ante o dólar, o que prejudica a indústria brasileira por favorecer a importação de bens.

O passo seguinte seria criar uma taxa sobre recursos que ingressem nos mercados financeiros sem que permaneçam por um período satisfatório. Só haveria isenção dessa tributação caso o recurso permanecesse no país durante um prazo pré-estabelecido para permitir o financiamento do governo para investimentos de longo prazo. Com isso, a moeda brasileira e os títulos públicos seriam menos interessantes aos especuladores, que querem ganhos em curto prazo.

Kliass entende que houve timidez no governo Lula em promover mudanças nesse sentido. Ele aponta que a necessidade de encontrar saídas para a primeira etapa da crise financeira internacional iniciada em 2008 levou o Ministério da Fazenda a promover mudanças de “fôlego desenvolvimentista”. Entre as ações, estão o incentivo ao mercado interno e ao crédito. Faltou, na visão do economista, avançar no combate à especulação.

Autonomia?

Em agosto, o Ministério da Fazenda anunciou um corte de gastos adicional para garantir um aumento do superávit primário – economia do governo para pagar juros da dívida pública. Antes, em fevereiro, uma redução ainda maior havia sido anunciada. Essas medidas demonstraram um compromisso com as contas públicas – ou seja, economizando, o governo precisa de menos recursos para se financiar e gastar com juros.

Os diretores do Banco Central, que seguem uma cartilha econômica mais conservadora, consideram que controlar os gastos públicos são uma etapa necessária para reduzir juros, por avaliar que dinheiro investido, e caro para ser posto em circulação e estimular o consumo, ajuda a conter a inflação. Ao concordar com a receita, o governo federal abriu espaço para a autoridade monetária cortar a taxa Selic.

Mas a velha mídia e alguns analistas entenderam essa sinalização como um caminho para que o Copom se visse na “obrigação” de reduzir os juros. Por essa visão, haveria uma interferência indevida, já que se advoga a ideia de que, mesmo sendo um órgão que pertence ao Estado brasileiro, o Banco Central não deveria ser suscetível aos interesses do governo.

“Essa ideia de independência do Banco Central é muito recente”, avalia Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). “Não se pode transformar isso em um dogma. A independência do BC quer garantir que não se façam políticas desatinadas em momento de eleição, mas isso não pode se transformar em uma independência absoluta porque o Banco Central acabou capturado pelo mercado.”

Para Belluzzo, Dilma está em meio a um ambiente econômico que não lhe permite a manutenção da atual taxa de juros porque atrai uma quantidade excessiva de dólares. “O Banco Central hoje tem uma visão muito mais clara dessa interdependência entre a política monetária (definir taxa de juros) e a política fiscal (gestão da receita de impostos em relação às despesas públicas)”, avalia. Para o professor, é hora de o governo mostrar ao mercado que vai seguir em uma condução econômica que lhe permita seguir baixando os juros, vendo-se livre do capital especulativo.