Ao ‘mascarar desmatamento’, mudança no Código Florestal ignora aquecimento global, diz analista

Ruralistas negam intenção de ampliar área de cultivo e rechaçam papel da agricultura nas mudanças climáticas

Região Amazônica é uma das mais afetadas com a expansão de novas áreas agrícolas (Foto: Ministério do Meio Ambiente)

São Paulo –  Mudanças climáticas são muito mais determinantes no preço dos produtos agrícolas que a falta de áreas produtivas, segundo André Lima, consultor jurídico do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Por isso, ele acredita que a discussão sobre o Código Florestal precisa levar em conta os riscos de aquecimento global. Para representantes da bancada ruralista, o clima é secundário no debate.

A discussão a respeito da legislação ambiental no Congresso encaminha-se para permitir, entre outras alterações, a abertura de novas áreas para produção, o que poderia mascarar desmatamentos, segundo André Lima. Para ele, a argumentação do relator da matéria, deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), de que o atual Código Florestal impede o crescimento da produção de alimentos no Brasil é “desonesto e enganoso”. A proposta é apoiada pela bancada ruralista, que pressiona inclusive por anistia a proprietários rurais que não se adequaram à legislação no que diz respeito a áreas de preservação permanente (APPs).

O consultor jurídico argumenta que a comida do brasileiro tem muito pouco a ver com as commodities. Ele explica que as mudanças climáticas têm muito mais relação, pois mexem com as safras, com a sazonalidade e com o regime de chuvas. “O relatório leva a entender de que isso tudo é uma conspiração do mundo desenvolvido contra os países de agricultura tropical”, lamenta Lima. Ele lembra ainda que, a cada ano, o país bate novo recorde de produção de grãos, usando até menos área para o plantio. Isso ocorre porque a produtividade aumenta.

O deputado Moreira Mendes (PPS-RO) sustenta que a proposta de alteração do Código Florestal não se preocupa com o aquecimento global por não se preocupar com o aumento da área de cultivo. “Ninguém está falando em aumentar área de produção”, enfatiza o deputado.

“Essa história de que o clima está modificando por conta da agricultura é conversa mole pra boi dormir. O mundo sempre foi desse jeito. Isso é discurso sem fundamentação para inviabilizar a agricultura e a pecuária brasileira”, defende o deputado em entrevista à Rede Brasil Atual.

Produção contra preservação

O geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, destaca que o atual modelo de código florestal tem normas suficientes para conciliar produção e preservação. Falta o cumprimento de tais leis.

Umbelino acredita que os empresários do agronegócio querem modificar as leis porque eles próprios nunca as cumpriram. E exemplifica: “O setor de cana-de-açúcar em São Paulo é o que mais vai perder área agrícola se tiver de cumprir a lei”.

Moreira Mendes, mesmo de opinião contrária à do professor sobre o Código Florestal, concorda com o dano ao setor sucro-alcooleiro. “O proprietário (paulista) vai viver permanentemente atormentado pela fiscalização. Isso, na prática, significa redução de 17% da área agricultável em São Paulo”, pontua.

“Eles (empresários do agronegócio) só querem avançar. E para avançar precisa desmatar”, afirma Raul Krauser, coordenador da Via Campesina e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). André Lima explica que nos últimos 15 anos a área desmatada chegou a 20 milhões de hectares e que cerca de metade desta área foi desmatada por grandes e médios produtores para expandir áreas agrícolas. Inclusive sobre a Amazônia e o Cerrado.