No extremo da Amazônia, demora em construir hospital transtorna população

Sem opção de atendimento público estadual, moradores têm de apelar aos serviços do Exército

Fachada do hospital de Tabatinga, administrado pelo Exército, uma das poucas instituições do Estado notadas na cidade amazônica (T. Willian)

Tabatinga (AM) – Em Tabatinga, cidade do Amazonas próxima às divisas com Colômbia e Peru, está longe de poder ser considerado real o artigo 196 da Constituição brasileira, que define ser saúde um direito de todos e dever do Estado, competindo a este garantir, por meio de políticas sociais, a redução do risco de doenças e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

“A capacidade do governo estadual em atender às demandas da região é insuficiente. Muitas vezes não há nenhuma presença do Estado brasileiro. As pessoas não têm escola, não têm saúde, não têm como registrar um nascimento, tirar um título de eleitor ou uma carteira de identidade; elas não têm como se deslocar ou fazer uma viagem, vivem em um completo isolamento”, afirma o comandante do Comando Militar da Amazônia (CMA), o general Eduardo Villas Bôas, neste pedaço da maior floresta tropical do mundo, que corta nove países da América do Sul.

Vive-se atualmente um colapso na prestação de serviços à saúde. Com 20 milhões de habitantes, conforme dados do IBGE, e área equivalente a 42% do país, a Amazônia brasileira pena devido à ausência de ações estaduais. A presença dos representantes do Exército acaba sendo na maioria das vezes a única salvação para a população local. “Um dos problemas que tem mais nos afligido nos últimos tempos é a indefinição sobre a data de início das atividades da estrutura de atendimento de urgência/emergência e de maternidade (Unidade de Pronto Atendimento e Maternidade), prevista inicialmente para novembro de 2009”, diz o diretor do Hospital de Guarnição de Tabatinga, o tenente-coronel Orlando Carlos Fleith Sobrinho.

Criado com o objetivo de atender 15 mil famílias militares, o hospital, no interior do Amazonas, é hoje a única salvação aos 190 mil moradores do Alto Solimões (Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamim Constant, Fonte Boa, Jutaí, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Tonantins e Tabatinga) – além de receber pacientes da Colômbia e do Peru, que cruzam a fronteira em busca de assistência. Mas a Unidade de Pronto Atendimento e Maternidade acumula três anos de atraso, atribuído pelo governo estadual à necessidade de adequar o projeto às exigências do Ministério da Saúde a respeito da atenção a crianças.

Para o hospital funcionar, além dos R$ 850 mil enviados pelo Exército para remuneração dos funcionários, o Amazonas fornece R$ 250 mil mensais para custear as outras despesas. Os repasses estaduais chegaram a atrasar cerca de 30 dias nos três primeiros meses desse ano. “Fizemos um processo no ano passado para ter seis meses de sobrevida. Sem isso, o hospital fecharia em fevereiro”, explica o diretor.  

A insuficiência de ações e serviços básicos de saúde complementares, como análises clínicas, exames de imagem, fisioterapia, odontologia, psicologia, dentre outros, reflete na superlotação da unidade. “Muitos desses serviços que seriam de atribuição municipal, na saúde básica, não há, e buscam aqui. Por isso que também apresentamos boa parte do atendimento nessas áreas. Fora de nossa atribuição colocada inicialmente entre entes públicos”, observa o tenente-coronel. “Temos o papel de atendimento à população civil por conta de um termo de cooperação assinado entre o Comando Militar da Amazônia e a Secretaria Estadual da Saúde.”

Outras demandas locais preocupam o responsável pela unidade. Segundo ele, os pacientes chegam ao hospital sem nenhum atendimento prévio pela falta de um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “Além disso, não temos aqui estruturas médico-legais e nem um local adequado para a destinação dos resíduos de serviços de saúde.” 

O que o caso do hospital de Tabatinga traz à tona é um quadro geral da saúde pública na Amazônia brasileira. Pesquisa elaborada recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) confirmou um dos maiores entraves enfrentados na região: a carência de médicos. Enquanto a média nacional é de 3,33 profissionais a cada mil moradores, o levantamento mostrou que na região a taxa é 1,86 médico para cada mil habitantes. 

No fim de julho, os procuradores regionais dos Direitos do Cidadão no Amapá, Maranhão, Pará, Rondônia e Tocantins questionaram o secretário de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Júnior, sobre quais medidas vêm sendo adotadas para redução do déficit de médicos na região. Para o MPF, é necessária a tomada de providências urgentes, sobretudo para atendimento à população do interior, e para isso devem ser levadas em consideração “as peculiaridades locais, como o espaço geográfico e a acessibilidade às regiões na Amazônia Legal, fiscalizando a realização da política pública de manutenção de profissionais da medicina nos estados e municípios”. 

A resposta deve ser emitida pelo Ministério da Saúde no prazo de 30 dias a partir de notificação de que o documento foi entregue ao destinatário. Segundo a assessoria do MPF, essa notificação ainda não chegou. 

Questionada, a Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas informou que os atrasos nos recursos repassados ao Hospital de Tabatinga, se deram devido a problemas na documentação da própria unidade. 

Leia também

Últimas notícias