‘Retrocessos’ reacendem luta pelo fim dos manicômios no Brasil

Semana de luta antimanicomial, que termina sexta-feira (18), retoma o debate em defesa da humanização no tratamento do sofrimento psíquico

Atenção com doentes mentais também é papel do Estado e deve ser alvo de políticas públicas – e laicas (Foto: ©Christian Tragni/Folhapress)

São Paulo – Propostas de internação compulsória, como as defendidas pela prefeitura de São Paulo para os usuários de crack, e de fortalecimento das comunidades terapêuticas com forte viés religioso, que poderão vir a receber recursos públicos, preocupam especialistas em saúde mental. “Retrocessos conjunturais como esses mostram que os interesses manicomiais estão recrudescendo”, lamenta o psicólogo Rogério Giannini, presidente do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (Sinpsi).

Para intensificar o debate em torno de medidas para substituir os manicômios por alternativas humanizadas, inclusivas e mais eficientes, a Frente Estadual Antimanicomial, da qual fazem parte o Sinpsi e o Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde) promove a Semana de Luta Antimanicomial, que começou sábado (12) e vai até a próxima sexta-feira (18). 

Estão previstas atividades e manifestações para chamar a atenção da sociedade e dos governantes para a importância do tratamento do sofrimento psíquico sem segregar nem excluir a pessoa doente do convívio social. “Está comprovado que esse método não funciona. Afinal, esconde-se o problema quando se deve enfrentá-lo juntamente com o conjunto de fatores que o desencadeiam”, diz Giannini.

Segundo ele, uma alternativa de tratamento que já apresenta bons resultados foi implementada em 14 municípios brasileiros, entre eles São Bernardo, no ABC Paulista. É o programa Consultório de Rua do SUS, articulado com a rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. Trata-se de uma estratégia de ampliação do acolhimento e acesso para usuários de drogas em situação de vulnerabilidade social, na qual participam profissionais da saúde mental, da saúde básica e pelo menos um assistente social, em atividades e intervenções psicossociais e educativas na rua, junto aos usuários de drogas. A equipe tem à disposição insumos para tratamento de situações clínicas comuns, material para curativos, medicamentos de uso mais frequente e preservativos, além de material educativo.

“O consultório na rua mostra que é possível atender de maneira humanizada, por meio do diálogo, da confiança, da formação de vínculos”, diz Giannini, que defende investimentos em políticas públicas inclusivas e humanizadas, que respeitem a autonomia, o direito à liberdade, as diferenças regionais e individuais.

A Lei n. 10216/2001, que estabelece a Reforma Psiquiátrica, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental para uma rede substitutiva aos manicômios, que em vez de tratá-las de maneira humanizada, aprisiona, exclui do convívio social e mata. 

O objetivo desse atendimento em rede é articular ações de prevenção, tratamento e recuperação, moradia e geração de renda, além de propor investimento na ressocialização do sujeito e na rearticulação familiar. Na sua avaliação, os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), programa do governo federal, constituem alternativa bem-sucedida ao modelo de assistência aos usuários do serviço de saúde mental. “O trabalho acontece por meio de ações dirigidas a familiares, em prol de projetos de inserção social”.

A Semana de Luta Antimanicomial, que conta com o apoio de prefeituras e entidades científicas e sociais envolvidas com o tema, será encerrada com o ato Saúde não se vende, loucura não se prende – quem está doente é o sistema social, no vão livre do MASP, na capital paulista. A mobilização deverá reunir usuários dos serviços de saúde mental e profissionais do setor que defendem a reforma psiquiátrica com o fim dos manicômios. A partir das 14h, os manifestantes caminharão até o prédio da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, ao lado do Hospital das Clínicas, em protesto contra a internação compulsória.

Contramão

Conforme o Sindicato dos Psicólogos de São Paulo, no mês passado a região do ABC caminhou na contramão da humanização do atendimento à saúde mental. A secretaria estadual de Saúde  ampliou para 70 o número de leitos psiquiátricos contratados do hospital Lacan, em São Bernardo. Há três anos, o governo paulista já havia contratado 30 leitos deste mesmo hospital psiquiátrico, descumprindo a lei federal e o Código de Saúde do Estado de São Paulo. Ainda segundo o Sinpsi, a abertura de novos leitos aconteceu sem qualquer pactuação com gestores municipais do SUS da região do Grande ABC no âmbito da Comissão Interfederativa Regional e desrespeita o comando único e a legislação que restringe a ampliação de leitos psiquiátricos no Brasil.

Confira algumas atividades da Semana de Luta Antimanicomial:

Dia 16 de maio

Lançamento do 1º livro do selo: “Em debates” – Álcool e Outras Drogas”
Debate sobre drogas e direitos humanos
Horário: 18h30
Local: Auditório do CRP SP
Rua Arruda Alvim, 89, Jardim América

17 de maio

Todos a Sorocaba – Por uma Sorocaba sem manicômios!
15h – Ato em praça pública – Praça Dr. Ferreira Braga (Largo do Rosário)
Av. Pereira Souza, Centro, Sorocaba.
19h30 – Audiência Pública Antimanicomial na Câmara Municipal
Mais informações: flamasorocaba.wordpress.com.br

18 de maio

“Saúde não se vende, loucura não se prende – quem tá doente é o sistema social”
Manifestação Pública no vão livre do MASP e caminhada até a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo
Mais informações: www.antimanicomialsp.wordpress.com

Vídeo Clube – CRP SP
Documentário: “A margem da imagem”
Direção: Evaldo Mocarzel
Horário: 19h – Auditório do CRP SP
Informação: a partir do Ciclo 2012, a entrada é franca e não é necessário se inscrever para participar.

 

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