Só pressão social leva a cumprimento de sentença internacional, diz ativista

Organizações buscam caminho para cumprimento de sentença contra Brasil pelos crimes da ditadura, e entidade sediada em Genebra aponta que é preciso força popular para pressionar governos

São Paulo – Aproxima-se rapidamente o primeiro aniversário da sentença internacional aplicada contra o Brasil por não investigar e punir os crimes cometidos pela ditadura, e organizações de direitos humanos não escondem a angústia com o cumprimento lento daquilo que foi previsto em dezembro de 2010 pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

O Centro para os Direitos Civis e Políticos (CCPR, na sigla em inglês), uma organização sediada em Genebra, na Suíça, não tem as respostas para o caso brasileiro, mas sabe como se pressiona pelo cumprimento de uma determinação imposta pelos organismos supranacionais. Patrick Mutzenberg, diretor da entidade que aproxima organizações não governamentais ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, explica que o fundamental é a sociedade acompanhar o cumprimento das determinações. “Há ONGs que fazem grandes trabalhos, fazem relatórios alternativos fabulosos. Uma palavra-chave é que é necessário guardar forças para o acompanhamento. É importante insistir com um Estado para que cumpra as recomendações”, afirmou durante encontro promovido em São Paulo pela organização Conectas, que trabalha com as questões de direitos humanos.

A decisão da Corte Interamericana foi entendida por entidades da sociedade civil brasileira como a última chance de punir os repressores envolvidos na ditadura. Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dizer que a Lei de Anistia garantia a guarida a torturadores, também em 2010, toda esperança de se rever este entendimento depositou-se sobre a instituição da OEA. Em dezembro, entre outras coisas, a sentença deixou claro que a anistia não poderia servir de pretexto à não punição de crimes que violam os direitos básicos da humanidade.

Os ministros do STF, no entanto, entendem que a decisão nacional é soberana sobre a jurisprudência internacional e, até agora, permanecem fechados todos os casos de punição penal contra os agentes do regime autoritário. O governo de Dilma Rousseff, por seu turno, definiu que caberá ao Judiciário orientar essa questão, não havendo nada que o Executivo possa fazer, uma postura criticada por organizações da sociedade. 

A discussão fica em torno de quais instrumentos poderiam ser utilizados pela OEA para punir o país. Como se trata de uma decisão inédita, há dúvidas sobre as possibilidades de aplicação, que vão da suspensão em organismos supranacionais ao simples constrangimento internacional do país. “Frequentemente temos perguntas sobre quais podem ser as sanções em caso de descumprimento. Não há sanções”, avalia Mutzenberg, ao falar sobre as recomendações dadas pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU. “Não quer dizer que não podemos fazer nada, mas é preciso ter uma estratégia de pressão para que possamos chegar aos nossos fins.”

Para o diretor do CCPR, é importante garantir que a sociedade seja amplamente informada sobre as considerações finais de cada caso, além de assegurar que se estabeleçam comunicados menos “coloridos” que os emitidos pelos governos. No Brasil, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, cumpriu a determinação de publicar a sentença relativa à condenação pelo episódio da Guerrilha do Araguaia, mas fez um preâmbulo sobre a Comissão da Verdade, que não é uma exigência da Corte, fato que irritou uma das peticionárias da ação.

Outra questão importante é fazer chegar aos juízes a determinação – ou a recomendação – internacional. “Quando se pede que levem isso em consideração em uma decisão, não há a menor chance porque não a conhecem”, aponta o ativista, que indica ainda que a sociedade civil deve trabalhar no sentido de guiar a ação do Estado nacional de modo a evitar postergações ou o cumprimento incompleto das ações que podem resolver o problema. “O objetivo definitivo da sentença cabe ao Estado, ou seja, nós, na melhor das hipóteses, podemos apoiá-lo nessas iniciativas.”

Além disso, a realização de debates nos quais integrantes do governo sejam pressionados a explicar como estão sendo cumpridos os mecanismos, comprometendo-se com ações de longo prazo, são vistas como fatores importantes, somados ao mapeamento dos ministérios envolvidos em cada assunto e a reuniões bilaterais com os representantes de órgãos que não se sintam à vontade ao serem expostos ao crivo social.

A Corte Interamericana vai cobrar em dezembro que o Brasil apresente um relatório sobre o cumprimento da sentença. No ano passado, o órgão havia determinado que fossem feitos esforços para a localização dos corpos de vítimas das Forças Armadas no caso do Araguaia, que fosse construído um memorial em homenagem aos mortos pela repressão e que fossem construídos instrumentos para a reparação financeira e moral dos parentes, além de que fossem promovidas as alterações necessárias na legislação para punir os agentes da repressão. Até agora, esses pontos não avançaram.

 

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