Belo Monte resgata projeto ‘retrógrado’ de 30 anos

Procurador da República critica projeto criado nos tempos da ditadura militar e diz que hidrelétrica significa perda da biodiversidade e de riqueza para a região Amazônica

Crianças à beira de um braço do Xingu que será encoberto pelas águas de Belo Monte (Foto: ©Lalo de Almeida/Folhapress)

São Paulo – O procurador da República Felício Pontes Júnior, autor de 12 ações contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, afirma que este é um projeto da ditadura militar. “Eles resgataram uma hidrelétrica de 30 anos atrás. Não é possível que com toda a evolução política e de planejamento energético ainda insistam em um projeto ultrapassado como este.” 

Em debate em São Paulo, realizado após a exibição do documentário À margem do Xingu: Vozes não consideradas, o procurador criticou a decisão de se construir a usina. Ele afirma que o setor elétrico no Brasil ainda é dirigido pelas mesmas pessoas que estavam no comando há décadas.

O procurador considera que o Brasil está  na contramão de outros países que, com as mesmas características, investem em energias alternativas. “O governo brasileiro ainda insiste que as hidrelétricas produzem energia limpa e barata. Não é uma coisa nem outra. Não é limpa pelo estrago ambiental que provoca, e tampouco é barata, porque os custos socioambientais não são embutidos na planilha de orçamento”, alerta o procurador.

Segundo a Norte Energia, consórcio responsável pelo empreendimento, o reservatório da usina ocupará uma área a ser totalmente encoberta, de 503 quilômetros quadrados. Porém, de acordo com o procurador, os idealizadores não levam em consideração os impactos causados pelo desvio do rio, que atingirá cerca de 100 quilômetros do Xingu e de 5,3 mil quilômetros quadrados da floresta no espaço da operação. E, consequentemente, ações impactantes para os habitantes da região.

Felício conta que todas as pessoas que vivem na Volta Grande do Xingu e que não são consideradas atingidas “diretamente”, não terão direito a indenizações, nem sequer explicações sobre os impactos da obra. Ele conclui que o “preço baixo” da hidrelétrica é obtido por esse cálculo, “ou pela falta dele.”

“Quanto custa 100 quilômetros da Volta Grande do Xingu destruída? Quanto custa mais de duzentas espécies de peixe desaparecidas? Talvez o tribunal da história nos condene por isso, porque não deixaremos que as próximas gerações possam, ao menos, estudar as espécies vegetais e animais em razão desse projeto ‘dito’ de desenvolvimento”, critica Felício.

A usina de Belo Monte vai gerar uma potência estimada em 11,2 mil megawatts, o que fará dela a terceira maior do mundo, atrás de Itaipu (divisa do Brasil com Paraguai) e Três Gargantas (China).

Em agosto, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, afirmou que Belo Monte será construída diferentemente do projeto inicial visando a redução dos impactos socioambientais. Tolmasquim disse que “com dor no coração”  foi decidido pela diminuição da capacidade total de geração de energia, mesmo a custos considerados altos.

Também em agosto, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou com processo judicial pedindo a paralisação das obras da usina, alegando que os impactos causados violam direitos da natureza garantidos pela Constituição Federal. A legitimidade da morte provocada de parte considerável da biodiversidade de uma região é discutida pela primeira vez pelo Judiciário.