Quanta animação!

Mariana Caltabiano terá três filmes exibidos quase ao mesmo tempo em 2011, entre eles o primeiro longa-metragem nacional feito e exibido em 3D

Com Gui e Estopa, personagens do primeiro longa brasileiro exibido pelo Cartoon Network. Foto: Danilo Ramos

Na coleção de revistas em quadrinhos de Mariana Caltabiano, a da turma da Mônica valia mais que a do Mickey. Depois ela aprendeu a gostar de Mafalda, Snoopy e Calvin e Haroldo. Só não imaginava que, adulta, trabalharia com desenhos animados. Tudo começou com uma mentirinha do pai, quando lhe perguntou sobre a profissão do ídolo Mauricio de Sousa. 
“Eu achei estranho meu pai dizer que o Mauricio era publicitário, mas eu via o elefantinho dele na lata de molho de tomate e cresci com essa ideia. Claro que mais tarde descobri que não era bem isso, mas daí a semente já estava plantada”, ri.

Mariana entrou na agência DM9 aos 19 anos, se formou e foi para a agência Talent e em 1995, durante um curso de cinema em Nova York, quis escrever um livro infantil. Trouxe na mala Jujubalândia, a história de um reino encantado todo feito de comida. Continuou na agência até receber a notícia de que um colega de trabalho havia morrido na queda do Fokker 100 que fazia o voo 402 da TAM, de São Paulo ao Rio de Janeiro, em 31 de outubro de 1996. “Poderia ter sido eu, pegava sempre esse voo. E comecei a pensar: se fosse o último dia da minha vida, era isso que gostaria de estar fazendo…”, lembra Mariana, que passou a se dedicar ao público infanto-juvenil a partir de então.

Montou um livro encapado com resina e doces de verdade (que guarda até hoje no congelador da casa dos pais), e a editora Brinque-Book aceitou publicar. Mas não era suficiente. Mandou o livro com cartas a vários apresentadores de programas televisivos e, para sua surpresa, a produção do programa da Xuxa pediu que Mariana levasse sua turma de bonecos para os baixinhos.

Em 1998, 
Mariana criou, dirigiu e produziu Zuzubalândia no sbt. Foto: divulgaçãoÀs pressas, mandou fazer o figurino dos personagens, encomendou uma trilha para seu professor de música e o resultado foi uma exposição de 10 minutos no programa. “Foi uma surpresa tão grande! Eu não conhecia ninguém na TV e, de repente, eu estava lá. Alguém do SBT viu e gostou. Dirigi e produzi 120 episódios de Zuzubalândia, a primeira produção independente nacional comprada pela emissora”, recorda.

Um ano depois do lançamento de seu livro, voltou à Globo para escrever e dirigir a Turma da Garrafinha, que ficou no ar por três anos. Fez também a novela ecológica Flora Encantada, estrelada pela apresentadora Angélica, e Bigode e Bicudo. Mas produzir e dirigir atores em séries diárias de bonecos lhe consumia muito tempo e energia. “As pessoas não têm ideia do que é dirigir uma pessoa que está com uma fantasia enorme, tem de se mexer, fazer expressões e ainda ler o texto. Fazer Zuzubalândia e Garrafinha foi uma aula! Mas fiquei esgotada.”

Foi quando surgiu o convite para desenvolver o IGuinho, área infantil do portal IG, que dirige desde 2000. Criou os personagens Gui e Estopa, uma dupla de cães com personalidade de meninos que, mais tarde, foi parar no canal infantil Cartoon Network, onde estão até hoje. As Aventuras de Gui e Estopa foi o primeiro longa-metragem de animação brasileiro comprado pelo canal a cabo.

Mariana voltou para o SBT e reformulou a programação infanto-juvenil, lançou mais livros, dirigiu curtas-metragens animados e, em 2005, criou, entre tantos outros, o Super V, jogo que foi a forma que ela encontrou para ensinar os filhos Isabela 
e Felipe (hoje com 10 e 8 anos) a comer. Na brincadeira de Super Vitamina, ela fez os vilões, que são as doenças, e os heróis, combinações de alimentos: o Espijão, feijão com espinafre, enfrenta a anemia; Limorola e 
Cenorola, a gripe. “É um game de combate, mas com informação. Aos 6 anos, meu filho já sabia como combater a anemia.”

Disseminar educação

Muito do que Mariana Caltabiano faz está no site www.marianacaltabiano.com.br. Em seu primeiro longa, não se prendeu a nenhuma distribuidora para ter a liberdade de levar seu filme aonde não há salas de exibição. A parceria com uma rede de cinemas fez com que As Aventuras de Gui e Estopa fosse exibido no Projeto Escola, que leva filmes nacionais e estrangeiros para alunos do ensino fundamental e médio por um valor reduzido. Segundo Mariana, a aceitação foi tão boa que a rede o estendeu ao circuito comercial.

Séries que faz para o canal a cabo também vão para a internet. Esta parece ser sua filosofia de trabalho: “Algumas prefeituras pedem os jogos para por no site delas, e eu libero sem custo. Acho o máximo o cara estar preocupado em ensinar a criança a não jogar lixo na praia, por exemplo”, raciocina. “Eu quero mais é que isso se espalhe. Como temos muita audiência no IGuinho, são 3 milhões de visitas por mês, grandes anunciantes viabilizam isso.”

A cineasta critica a ideia de proibição de comerciais para crianças: “A gente não pode criar a criança dentro de uma bolha. Se proibir, você acaba com os canais infantis. Para mim, cabe aos pais preparar as crianças para o mundo e, inclusive, prepararem para ver TV”.

O mentiroso virou filme

TV aberta na casa de Mariana, só para os adultos. Aliás, foi assistindo ao programa de Amaury Jr. na Rede TV! que a publicitária e empresária despertou para seu primeiro projeto voltado ao público adulto: o livro Vips – Histórias Reais de um Mentiroso. O apresentador contava como havia sido enganado por Marcelo Nascimento da Rocha, que fingiu ser filho do dono da companhia aérea Gol num badalado evento em Recife. Ela foi atrás de Nascimento na prisão e conseguiu que ele contasse sua história, autorizasse a produção do livro e de filmes.

Quando lhe ofereceu cachê e participação na vendagem do livro, Nascimento não quis. Disse que tiraria proveito da história para entender seus atos. Quando ela voltou para começar a entrevista e a filmagem, ele havia mudado de ideia: queria uma participação, e maior do que ela oferecera.

Mesmo depois de ser enganada por ele – e sabendo que o moço já tinha se passado por oficial do Exército, líder do PCC, fiscal da Receita, guitarrista e olheiro da seleção, entre outras coisas, a cineasta acreditou que poderia ajudá-lo. “O livro foi lançado em 2005 e ele realmente ficou na cadeia até 2009 – dizia que só sairia depois de ter cumprido a pena. Mas ele acabou fugindo. Foi preso tentando comprar, com nome falso, um computador. Minha frustração foi enorme. Fui muito ingênua.”

Se serve de consolo, Mariana conseguiu emplacar o livro na lista dos 10 mais vendidos durante cinco semanas, dirigiu um documentário e vendeu os direitos para a produção de um longa de ficção para a produtora O2, de Fernando Meirelles. Os dois filmes devem ser lançados agora em 2011. A ficção, dirigida por Toniko Melo e estrelada por Wagner Moura, recebeu os principais prêmios do Festival do Rio 2010 (melhor longa-metragem de ficção, melhor ator e atriz coadjuvante). “A gente brinca que talvez o grande golpe dele seja esse filme, que é produzido pelo Fernando Meirelles, com Universal Pictures, Wagner Moura… Com esse time de peso, provavelmente ele vai ficar famoso no mundo todo. Se era isso o que ele queria, de certa forma conseguiu”, afirma Mariana.

Foi a Nascimento que Mariana recorreu para tentar entender e superar a perda dos dois irmãos em outro acidente aéreo que marcou sua vida, o do Airbus da TAM em julho de 2007. Ex-piloto de avião, ele tentou decifrar o que podia ter acontecido e, segundo Mariana, ofereceu interpretações que faziam muito sentido. “Marcelo é muito inteligente. Quem fala a verdade, quem fala a mentira, quem deveria estar preso. São várias questões que eu quis levantar no documentário. Não é apenas um filme sobre um cara que dá golpes”, explica.

Até hoje Nascimento paga pelos crimes que cometeu. E Mariana, por sua vez, continua colhendo o sucesso que plantou. Este mês chega aos cinemas Brasil Animado, o primeiro longa brasileiro com captação e exibição em 3D. No filme, que mistura animação e imagens reais, Stress e Relax estão à procura da árvore mais antiga do país, o grande jequitibá-rosa. Trata-se de uma viagem ao que o Brasil tem de melhor e mais bonito.

“Nosso país é tão incrível! Como pode, em um mesmo país, você ter um lugar completamente diferente do outro. Tem a Amazônia, Foz do Iguaçu, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais… É uma loucura. É como se fossem vários países juntos. Quando eu vi tudo isso junto no filme, fiquei surpresa. Caramba, eu sou brasileira e não conhecia isso! Imagina só os gringos vendo que não somos só o lado violento do Rio de Janeiro”, comemora Mariana, que fez o filme com um orçamento de R$ 3 milhões e viajou com uma equipe de apenas sete pessoas.

Os efeitos em três dimensões são um charme a mais para as cores e as histórias dos lugares que o filme apresenta. Quando a coprodutora Globo Filmes sugeriu que o longa tivesse essa plataforma, Mariana ficou preocupada com a inevitável comparação com Avatar. “Daí o Relax me falou: ‘Relaxa, bicho! Não tem nada a ver’, e decidi fazer”, graceja com a voz de seu personagem.

Relax, personagem de Brasil Animado, que chega 
aos cinemas este mês. Foto: Danilo RamosComo Brasil Animado também foi filmado em formato convencional, a cineasta garante que o levará ao público que não tem condições de pagar pelo ingresso do cinema – ainda mais caro nas salas que exibem em 3D. “A gente vai fazer o que fiz no Gui e Estopa: exibições em lugares carentes, aonde o cinema não chega.”
E ela não para: seus próximos trabalhos são o longa-metragem Zuzubalândia, baseado em seu primeiro livro, e os novos episódios de Gui e Estopa para o Cartoon Network, que, além dos desenhos de Mariana, apresenta os de seu mestre, Mauricio de Sousa. Turma da Mônica, sua inspiração desde criança, e sua dupla de cachorros continuam sendo as únicas animações brasileiras no canal infantil americano.