entrevista

Crescer, necessário como a vida

Para Marina Silva, o desafio do Brasil é tornar-se marca mundial de produtos que promovem preservação ambiental e inclusão social

augusto coelho

Quando Marina Silva nasceu, há 49 anos, o Aquiri, ou Acre, ainda era território, não estado. O status só mudou em 1962 e o presidente era João Goulart. Marina tinha 4 anos e, até o auge de sua adolescência, viveu numa colocação (pedaço de seringal destinado à família para exploração) a 70 quilômetros de Rio Branco, para onde se mudou com 16 anos. Trabalhou como empregada doméstica, alfabetizou-se, cursou supletivos e formou-se, aos 26 anos, em História, pela Universidade Federal do estado. No meio do caminho, participou de comunidades, movimentos sociais e fundou a CUT local, ao lado de Chico Mendes.

Aos 30 anos, foi campeã de votos para a Câmara dos Vereadores em Rio Branco. Dois anos depois, foi a deputada estadual mais votada. Em 1994, liderou a votação para se tornar a mais jovem senadora do país, com 36 anos, votação essa que dobrou em 2002, ao se reeleger. A essa altura, o mundo já havia aprendido a entender e respeitar essa brasileira, premiada pela ONU e já com duas biografias publicadas – uma pela coleção Fé e Política, da editora Salesiana, outra pela Editora The Feminist Press, da Universidade de Nova York. Em 2003, assumiu o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em meio à correria – e a retrospectiva acima dá sinais de sua explosiva relação com o tempo –, Marina recebeu a Revista do Brasil em seu gabinete no último dia 20 de março.

Entre pausas para uma entrada ao vivo numa emissora de rádio e para conversar com o ministro argentino do Meio Ambiente, Marina falou sobre os desafios do Brasil de se consolidar como marca mundial de sustentabilidade. Quanto ao risco de questões ambientais se imporem às obras de infra-estrutura previstas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), ou frustrarem seu ritmo, Marina não tergiversa: tem de haver frustração também com a destruição. “O PAC necessariamente terá de contemplar crescimento e proteção.”

A senhora era militante do movimento social, ambientalista, sabe bem como é o combate de quem defende a floresta, o direito ao trabalho. E agora, como são encarados aqueles desafios todos na posição de ministra de Estado?
É importante ter uma trajetória de envolvimento com uma causa e assumir uma função pública. Porque a vinculação com a causa e o compromisso não mudam à frente da função pública. Aliás, a função pública é uma forma de viabilizar aquilo em que acredito. Foi assim que entrei para a política. O Estado não acolhia a idéia das reservas extrativistas, do acesso aos recursos genéticos com ajuste na partilha de seus benefícios, da escola para o seringueiro, do crédito para comunidades tradicionais. Diante de tanta falta de acolhimento, uma das saídas é procurar participação nessa estrutura. Para alterar o modus operandi das instituições e elas passarem a acolher demandas socialmente justas, ambientalmente necessárias e economicamente viáveis que, politicamente, não eram priorizadas. Com essa visão e esse sentimento, fui vereadora, deputada estadual, senadora e hoje ministra.

A estrutura do ministério dá conta do que ele tem a desempenhar do ponto de vista de fiscalização e de formulação de políticas de curto, médio e longo prazo?
O MMA é jovem, existe há apenas 13 anos e foi uma demanda da sociedade brasileira a partir do aumento da consciência ambiental, principalmente a partir da década de 80, em todo o mundo. A estrutura vai se montando concomitantemente ao estabelecimento da lei. Você cria a lei, tem de criar estrutura. O MMA tem muita interface com vários outros setores de governo. Por exemplo, na parte de resíduos sólidos, você tem uma forte interface com o Ministério das Cidades; na parte de saneamento básico, com o da Saúde; na parte de comunidades, com os ministérios do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário, com a Secretaria de Combate à Desigualdade Racial. É importante que haja uma política integrada.

E no que diz respeito às atribuições do MMA?
Nos últimos quatro anos, tivemos aqui um avanço significativo da estrutura, o que não significa que seja a ideal. Mas o quadro de pessoal do MMA até 2002, quando chegamos, era de 976 servidores, e hoje são de 1.127. Mais de 900 eram contratos temporários e de cooperação internacional. Fizemos um concurso emergencial, que internalizou 652 servidores, depois outro concurso, já permanente, para mais 150 servidores e agora estamos chamando mais 82 servidores, também para a estrutura definitiva do ministério. No Ibama, saímos de cerca de 7 mil servidores para cerca de 8 mil, mesmo contando que tivemos um grande número de aposentadorias. Houve aumentos, no caso do Ibama, de 105% a 150%. Houve aumento também das diárias. A situação nunca vai ser ideal, sou servidora pública e sei que é da natureza do movimento sindical sempre colocar suas demandas, mas tivemos melhorias significativas.

Parece que alguns nunca estarão satisfeitos. Recentemente uma operação determinou o afastamento de alguns por suspeita de envolvimento em corrupção, não é isso?
Aí não é questão de salário. É de caráter. Eu posso ganhar absolutamente nada, zero, como já ganhei, e nem por isso se justifica qualquer envolvimento com atividade ilícita. Há pessoas que ganham menos ou igual e não fazem isso. Mas a melhoria é significativa. É um processo cumulativo. Temos hoje um trabalho que é muito potencializado pela parceria com a Polícia Federal, que criou 27 delegacias especializadas de combate a crimes ambientais, nas 27 unidades da Federação. O plano de combate ao desmatamento é um exemplo desse trabalho integrado em que o Ibama tem o seu papel. Nós saímos de uma média de 29 grandes operações por ano na Amazônia até 2002, isso sem falar nas operações de rotina, para 140 grandes operações por ano, refletindo já um pouco essa mudança de abordagem.

Não é possível ampliar ações envolvendo as Forças Armadas, por exemplo, já que a questão do meio ambiente também é de segurança nacional?
Isso já vem sendo feito, o Exército nos dá cobertura, temos um termo de cooperação com o Ministério da Defesa que acolhe trabalhos feitos pelo Exército, Marinha e Aeronáutica no apoio às nossas operações. Agora mesmo estamos fazendo uma operação de combate à pesca predatória da lagosta e quem dá suporte é a Polícia Federal, junto com a Marinha, para as operações do Ibama. Então, esse trabalho também já foi uma inovação dos últimos quatros anos. Às vezes você tem apreensão de grande quantidade de madeira ou de grande quantidade de equipamentos pesados. Em muitos casos o Exército nos dá apoio logístico. Em 2003, 1.500 homens estiveram na linha de fogo no grande incêndio em Roraima.

E, do ponto de vista da política, como está a relação do Estado com as populações tradicionais?
Temos de ver esse caso como um processo cumulativo de conquistas das populações tradicionais do Brasil – seringueiros, índios, quilombolas, quebradeiras de coco, pescadores, caiçaras. E conquistas graças à sua capacidade de organização e resistência ao longo de muitos séculos de marginalização, e alguns até mesmo de extermínio, como o caso dos índios. Tínhamos 5 milhões de índios e hoje temos de 400 mil a 500 mil. A eliminação de cerca de 1 milhão de índios a cada século é um genocídio, feito pela nossa trajetória histórica. Então, fruto da capacidade de resistência e organização, políticas públicas começaram a ser pensadas para esses segmentos.

Por decreto do presidente Lula, foi criada a Comissão Coordenadora Nacional para os Povos Tradicionais, cuja função é viabilizar a implementação de políticas da saúde, educação, de inclusão produtiva, enfim, as mais diferentes frentes dentro das estruturas do governo. Não dá para o Ministério da Justiça ter um ministeriozinho do meio ambiente para cuidar da questão indígena, assim como não dá para o Ministério do Meio Ambiente ter o seu ministeriozinho da educação, da saúde para cuidar das comunidades tradicionais. Cada segmento tem de pensar políticas dentro das próprias estruturas. O Ministério do Desenvolvimento Agrário teve de reformular sua visão de reforma agrária considerando a realidade Amazônica. O Ministério do Desenvolvimento Social teve de reformular a forma de lidar com comunidades tradicionais que, mesmo em situação de penúria, não precisam de uma cesta básica, de Bolsa Família.

Do que elas precisam?
De apoio para seus projetos. Então, as quebradeiras de coco precisam de um galpão para quebrar o coco, processar, ter como vender. As pessoas que fazem a exploração do óleo da copaíba precisam de projeto para o manejo da copaíba em bases sustentáveis, inserir o produto no mercado, fazer com que sua atividade produtiva seja vetor de preservação do meio ambiente e de melhoria das condições sociais, que nós chamamos de inclusão produtiva. Isso tudo foi remodelado no Ministério do Desenvolvimento Social. Além disso, aqui no MMA, para você ter uma idéia, até 2002 o orçamento do Ibama para as populações tradicionais era de 800 mil reais; para 2007 é de 9 milhões. Antes era centro de apoio às populações tradicionais; hoje foi criada a diretoria socioambiental no âmbito do Ibama para cuidar das populações tradicionais. Saímos de 13 reservas extrativistas até 2002 para 53 em 2006. Eram 5 milhões de hectares de reservas, hoje são 10 milhões. E tivemos a felicidade de criar as primeiras reservas extrativistas no cerrado.

Há uma demanda forte por investimentos em infra-estrutura para o país crescer de maneira sustentável. E muitas vezes projetos encontram restrições ambientais e o governo tem de brecar o governo. Como é essa relação com a área de infra-estrutura?
Eu não posso dizer que é boa nem má. É uma relação institucional. O MMA cada vez mais tem se posicionado para evitarmos os erros históricos dos quais nem tínhamos consciência, no passado, de que estavam afetando negativamente o meio ambiente. Tem-se colocado para evitar erros e ilegalidades e viabilizar a forma correta de fazer, o que aumenta, e muito, a nossa responsabilidade porque temos de trabalhar com a idéia de planejamento ambiental, e o que isso significa? Significa exatamente essa idéia da transversalidade, de fazer com que os outros setores incorporem o critério da sustentabilidade no planejamento de suas ações. Quando isso é feito, a tendência é que você tenha uma redução de conflito ou uma redução da potência do dano ambiental, mas isso não significa eliminação.

De que forma o ministério participou da elaboração do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)?
Participamos naquilo que era nossa competência. Do conjunto de medidas (relacionadas ao PAC) enviadas para o Congresso, apenas uma diz respeito ao MMA, que é a regulamentação do artigo 23 da Constituição de 1988, que sucessivos governos foram adiando, porque de fato é muito complexa (o artigo 23 trata das competências da União, estados e municípios em relação a uma série de obrigações, incluindo as de proteção ambiental, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar social). Em 2003 identificamos essa lacuna e começamos um processo de discussão envolvendo todos os setores da sociedade para pactuar como seria essa regulamentação.

Trabalhamos com o Congresso, pois havia um projeto de lei do deputado Sarney Filho sobre essa regulamentação. Conversamos com ele e mandamos a proposta de regulamentação do artigo, que agora integra o conjunto do PAC, mas já era um processo em curso. Em relação a outros aspectos, nós fazemos o acompanhamento. As obras do PAC, tanto quanto qualquer obra neste país, vão ter de obedecer aos aspectos estabelecidos no sistema nacional.

Questões ambientais podem influenciar no ritmo do PAC, frustrar expectativas?
Depende da forma como você vê isso. A sociedade pode se sentir frustrada se uma obra significar a destruição de um rio. A frustração tem de ser também em relação à destruição. O PAC necessariamente terá de contemplar as duas coisas. Produzir energia para o país crescer, se desenvolver, gerar emprego é necessário, é fundamental. E proteger recursos naturais, recursos hídricos, espécies da biodiversidade é necessário, é fundamental. Quando os projetos já buscam soluções ambientalmente corretas, como fizemos no caso da BR-163, isso ajuda sobremaneira no processo de licenciamento ambiental, porque diminuiu os conflitos. Quando a questão é de natureza complexa, a solução não pode ser uma via de mão única, só exigência pelo empreendimento. A sociedade não aceita que se deva simplificar a legislação ambiental ou flexibilizar o processo de licenciamento.

O próprio exemplo da BR-163 (Cuiabá-MT a Santarém-PA) envolve a facilitação de acessos a áreas que estão praticamente intocadas.
Essa estrada já existe. A Cuiabá–Santarém, em um determinado período do ano, tem trafegabilidade. A estrada, em 2002, estava sendo licitada para um consórcio privado fazer o asfaltamento. Os movimentos sociais de índios, comunidade acadêmica eram contra. Quando nós chegamos aqui e identificamos esse problema, de fato dissemos que naquele formato a licença não seria dada. Sugerimos aos ministérios da Integração e dos Transportes que se suspendesse o processo e se fizesse um planejamento socioambiental antes do asfaltamento – o que seria o plano de desenvolvimento sustentável da BR-163.

A proposta na formação de parques, para funcionar como se fossem paredões protetores?
É isso e muito mais. O programa da BR-163 sustentável prevê a criação de unidades de conservação na área de abrangência da BR. Foram criados até agora cerca de 15 milhões de hectares de unidades de conservação. Prevê demarcação da terra dos índios, cerca de 10 milhões de hectares. Zoneamento ecológico e econômico, com a identificação de quais áreas devem ser efetivamente preservadas e quais podem ser consolidadas para a prática agrícola. Esse planejamento envolveu 22 ministérios, a sociedade civil e 20% da Amazônia, exatamente para que a estrada possa acontecer sem os malefícios históricos, sem promover uma grande devastação. A licença está dada para 800 quilômetros. Um consórcio socioambiental com representantes de comunidades, da academia, prefeitos acompanha o empreendimento. Hoje cerca de 65% da população pobre dos municípios da área de abrangência da estrada já é atendida pelo Bolsa Família.

Então não vai ocorrer o que aconteceu com a Belém-Brasília?
Isso. O planejamento é para que a estrada seja construída numa situação de governança ambiental, sem o que, como vinha acontecendo historicamente, o impacto vinha sendo avassalador. Numa situação de governança, e essa da BR-163 é o primeiro esforço no Brasil, como isso se daria? Posso dar um exemplo: quando o governo anterior assinou o asfaltamento da BR com um consórcio privado, só o anúncio deslocou uma massa enorme de pessoas para a região, sobretudo através da grilagem de terras, e isso levou a um aumento de 500% do desmatamento naquela região. Quando a gente verificou que tinha de frear aquele processo, o presidente Lula assinou um Medida Provisória estabelecendo a limitação administrativa provisória.

Isso permite interromper um projeto?
Se você tem uma área de alta importância para a conservação da biodiversidade sendo afetada, o presidente pode paralisar todas as atividades da região até que se concluam estudos para a correta destinação da área. Em 2005 houve redução do desmatamento de 91% na mesma região (da BR-163). Antes as unidades de conservação eram criadas sempre em áreas remotas da Amazônia, onde não tinha conflito pela terra. Hoje a lógica dos 20 milhões de hectares que foram criados nos últimos quatro anos é totalmente diferente. As unidades estão sendo criadas na frente da expansão predatória, e isso faz parte da estratégia de ordenamento territorial e fundiário.

Projetos das megausinas como Santo Antônio e Jirau (Rio Madeira) e Belo Monte (Xingu) são antigos e não andaram por causa do impacto ambiental envolvido, mas estão no PAC.
São processos bem diferentes. Belo Monte é um investimento complexo, muito delicado, do ponto de vista ambiental, social, político, tudo o que você puder imaginar de tensionamento tem. Exatamente pela forma como foi iniciado anos atrás. Quando fizemos a avaliação desses empreendimentos concluímos que era preciso suspender todo o processo e o Ministério das Minas e Energia fazer novos estudos. Belo Monte está nessa fase. Não há ainda pedido de licença para Belo Monte nem sequer um termo de referência para os estudos de impacto ambiental, que é o que precede qualquer processo. Inclusive tem processos na Justiça, mas Belo Monte está em suspenso.

E no Rio Madeira?
Está em processo de licenciamento. Foram feitas audiências públicas e o Ibama está fechando o relatório final. Também é um empreendimento complexo. Alguns reposicionamentos foram feitos nessa visão de política ambiental integrada e de incorporar sustentabilidade ao planejamento das ações. Houve mudanças do ponto de vista de solução tecnológica – fazer com uma tecnologia de fio d’água, que não requer um grande barramento, levou à diminuição da área alagada em oito vezes em relação ao projeto original, que previa ainda três empreendimentos e agora ficaram dois, Santo Antônio e Jirau. Houve reposicionamento em relação às turbinas. O projeto anterior previa também eclusas, para perenização do rio. Como iria possibilitar navegação e acesso a uma área altamente preservada do Alto Madeira, então a opção do governo foi não fazer eclusas, exatamente para evitar esse acesso. Foram feitas audiências públicas, o Ministério Público realizou uma avaliação do estudo de impacto ambiental, estão sendo avaliadas as contribuições e os resultados pelos técnicos do Ibama. O ministério defende o manejo sustentável, embora parte do meio acadêmico seja crítica.

A maior parte das pessoas, ONGs e movimentos sociais que lidam com essa agenda é favorável à lei de gestão de florestas públicas e ao manejo florestal em bases sustentáveis. Historicamente, o que se teve na Amazônia, e na Mata Atlântica, e no Cerrado, e na Caatinga foi converter floresta para agricultura. E o que existia de exploração florestal era a partir da apropriação de particulares, inclusive de áreas públicas que as pessoas ocupavam e depois conseguiam a titularidade, e portanto as terras se tornavam privadas, posteriormente, para as pessoas que exploravam. Pela primeira vez, em 300 anos de exploração florestal neste país, se tem uma lei para que as florestas públicas continuem como florestas públicas e para que se tenha uma valorização da floresta em pé, a partir de regras e técnicas que permitam à floresta se regenerar. O manejo florestal é para cerca de 3% da Amazônia, no máximo. Uma das grandes formas de viabilizar econômica e socialmente a Amazônia é lançando mão de outras práticas que não seja converter floresta em agricultura ou em pastagem. E para isso você precisa valorizar, sim, o uso da floresta. Não com a exploração de rapina que é feita. O corte seletivo, a garimpagem seletiva das espécies nobres, o manejo prevê uma escala que possibilita perfeitamente, segundo os técnicos, num círculo de 30 anos, a floresta se regenerar. Então, no lugar da prática que acaba com a floresta, vai haver uma atividade duradoura, para pai, filho, neto, bisneto, só que isso exige a verificação da capacidade florestal e a busca de alternativas – no turismo, na biodiversidade, na exploração de produtos não-madeireiros, de óleos, resinas –, além de consolidar as áreas que já foram degradadas.

Como o Estado consegue conciliar o interesse dos negócios agrícolas com a necessidade dos cuidados ambientais, especialmente na região do cerrado?
Eu nem gosto do termo “conciliar”. É como fazer com que as atividades econômicas viabilizem a conservação, e como fazer com que a prática da conservação viabilize também o desenvolvimento econômico. Criamos um espaço no MMA para o desenvolvimento de políticas voltadas para o cerrado, que antes não se tinha. Hoje já temos o plano de políticas para o cerrado, o programa de conservação e foi aprovada a emenda constitucional que torna o cerrado patrimônio nacional, como a Amazônia. Criamos o Parque Nacional da Chapada das Mesas, com 60 mil hectares, ampliamos o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, enfim, fizemos várias ações que ajudam nessa política de preservação do cerrado, que é um bioma ameaçado, tanto quanto a caatinga, o pampa, o Pantanal, a Amazônia. Há uma série de questionamentos em relação ao resultado, que alguns classificam de otimista, mas ainda há cerca de 61% de área preservada. É em cima desse espaço que a gente tem de fazer nossa política de preservação, e nas áreas convertidas há essa proposta da Embrapa de que se faça uma espécie de integração lavoura e pecuária exatamente para que não seja mais necessário expandir sobre áreas florestais.

Como fica o Brasil nesse cenário de pânico em relação ao aquecimento global, o futuro? Como lidar com esse problema no plano internacional e internamente?
Temos uma série de realizações que os países em desenvolvimento, mesmo alguns países desenvolvidos, não têm. Nenhum país do mundo possui a base energética que o Brasil tem: 45% da matriz energética é limpa e 81% da matriz elétrica, renovável. O Brasil conta com essas credenciais para ter inserção política e fazer um constrangimento ético para que os países que dispõem de mais recursos, tecnologia e poluíram e poluem mais do que nós façam sua parte. Outra coisa: o Brasil pode promover a disseminação de tecnologia sobre todos os biocombustíveis para as várias regiões do mundo. Não queremos que nossas soluções tecnológicas sejam vistas apenas pelo viés econômico. É também. Mas o que deve nos mover é a busca para que os biocombustíveis possam se tornar alternativa ambiental, social e econômica viável na África, em alguns países da Ásia, da América do Sul, no Caribe.

E aqui dentro?
Uma terceira frente é seu trabalho interno. O Brasil tem um plano nacional de combate ao desmatamento, que é um dos maiores vetores de emissão. Nos últimos anos conseguimos uma redução de mais de 50%, que evitou lançar na atmosfera cerca de 430 milhões de toneladas de CO2. Então essa é mais contribuição do Brasil. O uso do etano e dos biocombustíveis promove uma redução de cerca de 25 milhões de toneladas de CO2 por ano. Enfim, o Brasil tem um papel interno de contribuição, mas também um papel político. O pior dos mundos é ficar fazendo guerra entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, de quem já fez mais danos e quem ainda não fez. Nós não teremos o direito de fazer o que foi feito por americanos e europeus ao longo dos séculos. Queremos tecnologia, recursos e meios para que não destruamos nossas florestas como eles destruíram as deles. Então o Brasil tem de ser muito proativo. Produzir etanol tem de ser sinônimo de conservação de nascentes, de mata auxiliar, de geração de emprego digno e correto.

De qualidade de vida para os cortadores de cana…
E de qualidade de vida para os cortadores de cana. Tem de ser sinônimo de tudo isso até para que não soframos barreiras não-tarifárias. Muitos advogam isso por uma visão de mundo, uma visão civilizatória. Mas os que não se mobilizam pelo coração terão de se mobilizar pela razão. É uma grande oportunidade. Os países ricos têm as suas marcas – Nike, Nokia, Microsoft, Toshiba. São marcas produzidas em qualquer parte do mundo, mas são eles que ganham com essas marcas. Os países em desenvolvimento não conseguem ter essas marcas. Agora, o que está posto hoje para a humanidade pode nos fazer ter a marca que todos vão querer: os biocombustíveis do Brasil. Por quê? Porque promovem preservação ambiental e inclusão social. As pessoas têm de querer comprar a madeira do Brasil, interna e externamente, porque ela é feita em bases sustentáveis, protege a biodiversidade e protege as florestas. Têm de buscar os nossos produtos agrícolas porque eles foram feitos utilizando as áreas que já foram convertidas sem precisar destruir florestas e nascentes. Este é o nosso desafio: a marca da sustentabilidade ambiental.