direito do consumidor

Projeto obriga fornecedores a informar nos rótulos os agrotóxicos usados nos alimentos

Autora da proposta, a senadora e médica Zenaide Maia (PSD-RN) defende que a população tem de ser informada sobre os riscos para tomar sua decisão consciente. Os agrotóxicos são causadores de diversos tipos de câncer, malformações congênitas e abortos

Wikimedia Commons
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Pela proposta, todos os fornecedores de alimentos terão de informar o consumidor sobre os agrotóxicos utilizados

São Paulo – Além das quantidades de gorduras, açúcar, sódio e outros nutrientes, os fabricantes de alimentos terão de informar também aos consumidores os agrotóxicos utilizados nos alimentos. É o que propõe a senadora Zenaide Maia (PSD-RN), autora do Projeto de Lei (PL) 166/2024, apresentado em fevereiro.

O projeto altera a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) ao disciplinar fornecedores de produtos alimentares de informar ao consumidor a relação de insumos agrotóxicos, defensivos agrícolas, herbicidas, agentes químicos ou seja lá o nome que tiver as demais substâncias químicas usadas para o controle de pragas ou aumento da produtividade usados na cadeia produtiva. Para efeito do CDC, fornecedores são fabricantes e também distribuidores e comercializadores.

“É urgente a necessidade de informamos os consumidores sobre o que de fato estão ingerindo e os potenciais riscos à saúde. Estou apresentando este projeto de lei em consonância com meu posicionamento contra recente afrouxamento de controle governamental sobre uso de pesticidas no chamado PL do Veneno, que foi aprovado com meu voto sendo o único contrário no Senado”, afirma Zenaide.

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Mais de 300 mil toneladas de agrotóxicos por ano

A senadora lembrou que o Brasil consome anualmente mais de 300 mil toneladas de produtos que têm agrotóxicos em suas composições, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste usam 70% desse montante. As culturas que mais usam agrotóxicos são a soja, o milho, frutas cítricas e cana de açúcar, destacou.

A parlamentar, que é medica, defende que a população seja adequadamente informada sobre os riscos relacionados a produtos e serviços comercializados. E assim possa tomar sua decisão de maneira consciente. “A legislação ainda carece de uma solução mais adequada para o tema, de modo a aumentar a transparência no fornecimento de produtos alimentares”, destacou.

O fornecedor de alimentos deverá:

  • Veicular as informações sobre os agrotóxicos de forma ostensiva e adequada nos rótulos dos produtos alimentares oferecidos ao consumidor, inclusive por meio de símbolos;
  • Disponibilizar essas informações, no mínimo, por meio de sítio eletrônico, acessível por meio de Código QR ou mecanismo similar disponibilizado no rótulo do produto, de modo a facilitar a sua consulta. E também por meio de serviço de atendimento ao consumidor, por telefone, informado no rótulo do produto.

Caso não seja possível discriminar com precisão as informações sobre os insumos nocivos à saúde utilizados, o fornecedor deverá indicar as substâncias usualmente utilizadas na cadeia produtiva de produtos alimentares semelhantes. No caso de produtos alimentares não embalados ou vendidos a granel, as informações deverão ser fornecidas ao consumidor por escrito em documento apartado.

A matéria começa a tramitar na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado (CMA). Se aprovada, segue para decisão terminativa da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTF). Na sequência, segue para avaliação na Câmara.

Doenças associadas aos agrotóxicos

Zenaide se baseou em estudos do Instituto Nacional do Câncer (Inca), segundo os quais os agrotóxicos provocam doenças graves e aborto. Utilizados principalmente na agricultura para matar insetos, larvas, fungos e carrapatos, que atacam as plantações, acabam contaminando o solo, a água, o ar e alimentos, causando milhares de intoxicações anualmente.

Ainda segundo o Inca, estudos apontam que a exposição a agrotóxicos pode causar várias doenças, aborto, impotência, depressão, problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, anormalidade de hormônios da tireoide, dos ovários e da próstata, incapacidade de gerar filhos, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças.

“As empresas de alimentos precisam informar a quantidade de agrotóxicos usados nos produtos que o povo brasileiro come diariamente, muitas vezes comprando ‘no escuro’, sem direito de escolha. Minha proposta aperfeiçoa mecanismos de proteção do Código de Defesa do Consumidor (lei 8078/1990) para as empresas divulgarem, de forma clara e visível, informações sobre as substâncias químicas de controle de pragas usadas em todas as etapas de produção dos produtos alimentares comercializados em todo o território nacional”, reitera a senadora.

Conforme o Código de Defesa do Consumidor, “o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”. No entanto, segundo a senadora, é preciso ultrapassar esse termo mais genérico da legislação ao “disciplinar alguns dos direitos mais básicos do consumidor, em especial o direito à informação e à saúde”.

Brasil deixou de arrecadar R$ 1,7 bi devido a subsídios

Segundo a senadora, o projeto de lei reforça sua militância pró-saúde durante a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, aprovada pelo Congresso em 2023. Na ocasião ela apresentou emendas proibindo isenções fiscais a produtos nocivos à saúde, como é o caso de agrotóxicos, bebidas alcoólicas e cigarro.

“Inverteu-se, na Câmara, a lógica que promove a saúde e protege o meio ambiente. Ora, os produtos com tributação seletiva não podem receber qualquer forma de benefício fiscal nem de tratamento diferenciado que os privilegie. A tributação onerosa e pesada precisa existir para que, com o aumento do preço, esses produtos prejudiciais à saúde da população e que contribuem para doenças fiquem mais caros e menos acessíveis ao consumidor final e, portanto, haja redução do consumo. Nem todo alimento destinado ao consumo humano é essencial à vida e há insumos agropecuários extremamente tóxicos à saúde humana e ao meio ambiente”, disse.

Conforme a senadora, estimativa da Receita Federal mostrou que somente em 2019, o Brasil deixou de arrecadar mais de R$ 1,7 bilhão em subsídios para a compra de agrotóxicos. A PEC vinda da Câmara estabelecia a redução de alíquota do IBS e CBS em 60% para insumos agropecuários, o que incluía os produtos agrotóxicos que poderiam acabar sendo favorecidos com os benefícios fiscais. “É preciso que haja previsão expressa de exclusão de agrotóxicos considerados altamente tóxicos no texto”, reforçou Zenaide. As emendas não foram acatadas pelo relator.

Proposta semelhante à da senadora Zenaide tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo. De autoria do deputado Emídio de Souza (PT), o PL 1.073/2019 prevê que o rótulo dos alimentos deverá passar a informar, de maneira clara, se ingredientes tiveram uso de agrotóxicos em sua produção. No caso de alimento in natura, com frutas, verduras e legumes, deverá haver indicação na gôndola do estabelecimento comercial.

Tramitação de PL semelhante parou por pedido de vista

As informações sobre agrotóxicos utilizados no cultivo de cada produto deverá estar disponível também em sites sob responsabilidade dos responsáveis por sua produção, industrialização e venda. Sempre de maneira clara e acessível.

O projeto vai além na garantia do direito à informação. Estabelece que o governo paulista analise produtos vendidos in natura para detectar resíduos de agrotóxicos, e publique os resultados no Diário Oficial do Estado e na internet. Para a execução da lei, o governo paulista deverá criar uma Comissão de Rotulagem, composta por um representante de cada uma das três universidades estaduais paulistas (USPUnicamp e Unesp), três da sociedade civil, um do Ministério Público estadual, um dos estabelecimentos comerciais, um do Poder Executivo, indicado pelo governador e um do Legislativo.

A proposta foi aprovada Comissão de Constituição e Justiça e de Finanças, Orçamento e Planejamento. No entanto parou na comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor, após dois deputados bolsonaristas pedirem vista. O deputado Paulo Fiorilo (PT) então pediu vista conjunta, estratégia que permite abreviar o retorno à pauta – o que já deveria ter acontecido nesta semana, mas a reunião foi cancelada.

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