“Precisamos de organização metropolitana”

Para o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e da CUT e ex-ministro do governo Lula, trabalhadores e empresários aprenderam a negociar e evoluíram juntamente com a democracia

“O governo Lula criou condições de empresas disputarem novos segmentos industriais na região, coisa impensável alguns anos atrás”, afirma Marinho. Foto: Roberto Parizotti

O ABC está mais maduro, diz o prefeito, que cobra maior presença do Estado na região metropolitana. Quanto à disputa entre a sueca Saab, a francesa Dassault e a americana Boeing pelos caças da FAB, Marinho – que tem em sua mesa réplicas de modelos das três companhias – acredita que a definição sairá em breve.

Já se disse que o sindicalismo do ABC era selvagem e afugentava investimentos. Hoje, empresas disputam para se instalar aqui. Qual foi a mudança?
O Brasil padeceu por um longo período com uma economia que andava de lado. Houve um período longo de guerra fiscal entre estados e municípios. O ABC também padeceu com isso, assistiu a desemprego e violência crescentes, problemas habitacionais, ocupações desordenadas, ausência de planejamento. O Lula cresceu lutando contra tudo isso. O governo Lula criou condições de empresas disputarem novos segmentos industriais na região, coisa impensável alguns anos atrás. Mais uma vez, a imprensa escreveu que o ABC deixaria de ser uma região industrial para ser uma região de serviços, do terceiro setor. Eu defendi que o ABC era uma região que receberia de forma tardia, inclusive, investimentos em serviços e comércio, mas não deixaria de ser industrial pela sua vocação. Nós formamos um mercado consumidor interessante, que não necessariamente se traduz num mercado produtor, do ponto de vista industrial. Mas a nossa localização favorece esse processo. Estamos entre o porto (Santos) e o principal mercado (São Paulo), temos infraestrutura logística, portanto, condições de manter os investimentos industriais. E uma capacidade de mobilização e solução de conflitos que também ajuda nesse processo. É verdade que tivemos ameaças fortes nesse sentido, como com a Ford e a Volkswagen. A cobertura especializada desse setor afirmava que essas duas empresas deixariam a região.

Até os anos 90, não havia uma consciência na região de que era preciso somar esforços para buscar soluções conjuntas?
É uma consciência crescente, que tem seus altos e baixos, por causa da participação de pessoas, que têm maneiras diferentes de ver, de se articular, de trabalhar. O instrumento regional criado tinha suas fragilidades, porque não havia no Brasil uma legislação que desse respaldo a essas organizações. O governo também buscou aperfeiçoar esse instrumento, criando legislação, respaldando essas entidades, dando condições ao consórcio de se tornar público. Estamos exatamente nessa transição, permitindo às sociedades compreender melhor como fazer melhor projetos partilhados, tornando mais efetivas algumas políticas públicas. Agora, temos um problema que o Estado precisa resolver, que é a ausência de organização metropolitana. O Estado precisa coordenar a região pra valer, destinar recursos para isso, fazer projetos que possam ser assimilados pelas cidades, que dêem conta de amenizar o problema do trânsito, da segurança, da saúde. Eu vejo como uma necessidade a integração de tarifas, de linhas, dessa malha viária que nós temos no transporte público. Não será por corredor de ônibus que vamos resolver o problema de transporte. Acho que o corredor tem de ser complementar à malha de metrô e trem, que precisam ser o grande transporte de massa. Para que no futuro as pessoas possam deixar seu carro na garagem, ou num bolsão de estacionamento, de forma a melhorar a qualidade de vida das cidades.

O sr. lembrou do caso da Ford e da Volks. Até antes disso, os empresários reclamavam que os sindicatos iam afugentar as empresas. Depois, houve a fase das negociações. Como foi essa transição, esse aprendizado?

O Brasil passou por um estágio de ausência de relacionamento, que se dava na base do “eu mando, você faz”. A ditadura militar reproduzia o papel das chefias nas empresas, a ponto de muitos militares da reserva ter poder de mando nas empresas. Essa era a regra. Como romper com isso? O opressor não deixa de ser opressor por livre e espontânea vontade. O processo de rompimento da opressão vem por conquista. Passa por conflitos. Eu lembro perfeitamente bem que quando nós iniciamos esse processo, que a direção, a cúpula das empresas aceitou que precisava criar um processo de relacionamento democrático. Eles falavam: olha, vocês têm de ter paciência, porque a chefia acha que o sindicato está tirando poder deles, então eles vão reagir, e nós temos que construir o aprendizado dos dois lados. O aprendizado dos sindicatos, dos trabalhadores, que vão ganhar poder, e o aprendizado das chefias, que vão perder poder. Desse jeito, com essas palavras. Eu brinco que até a nomenclatura da escravatura se reproduzia nos cargos das chefias: era o líder, o feitor, o mestre… Isso levou a uma diminuição de cargos de chefias e a um aumento de responsabilidade do trabalhador para decidir sobre operações que antes ele só obedecia.

Qual a diferença entre as gestões sindicais?

Quando eu fui presidente do sindicato, perguntaram para mim quem estava errado: se eu ou Lula, Vicentinho e Meneguelli (outros ex-presidentes). A questão era sobre quantidade de horas trabalhadas por ano e greves. Eu disse: nenhum deles. O Vicentinho já iniciou um processo de transição, compondo mais. Se o Lula buscasse fazer as composições que eu fazia, ele estaria errando. Da mesma forma, eu erraria se buscasse conduzir a categoria para o conflito o tempo todo. Os conflitos eram exatamente conquistar instrumentos de conversa e de composição. Não era desejo do Lula e dos trabalhadores fazer greve de 41 dias. O objetivo era fazer a menor greve possível. À medida que as greves foram quebrando portas e barreiras, e nós passamos a ter o direito de entrar e sentar numa mesa de negociação e estabelecer uma composição que melhorasse a condição de vida dos trabalhadores, não tem mais a necessidade de se recorrer ao conflito grevista. É disso que se trata.

E os sindicatos hoje?

Eu era ministro do Trabalho, uma revista foi lá e disse que o sindicato era mais fraco, qual era a razão, se eu cooptei as centrais, por isso era mais fraco… Eu disse: quem faz esse diagnóstico não entende nada de relação do trabalho, nada de movimento sindical. Hoje o sindicato é muito mais forte. Quem disse que greve é sinônimo de sindicato organizado, sindicato forte? As greves levaram ao processo de organização e fortalecimento das entidades. Cumpriram o seu papel e fizeram o sindicato mais forte hoje. No passado, o que os governantes ouviam de trabalhadores, qualquer coisa? Hoje, estão presentes nos conselhos, nas conferências… E mais: tem saudade da greve? É muito simples, muito fácil. É só parar de conceder aumento além da inflação. Para de dar aumento real. E olha que lá não se repunha sequer inflação. Teve greve forte que não conseguiu sequer repor 100% da inflação.