Eleição no PT: Sokol pede partido mais à esquerda e independente do governo

Marcus Sokol, da corrente O Trabalho, critica a atual direção nacional do Partido dos Trabalhadores pelo que considera ser uma excessiva proximidade com o Executivo. Ele defende mais autonomia e posições institucionais […]

Marcus Sokol, da corrente O Trabalho, critica a atual direção nacional do Partido dos Trabalhadores pelo que considera ser uma excessiva proximidade com o Executivo. Ele defende mais autonomia e posições institucionais da legenda por questões-chave, como reforma agrária, emprego e soberania nacional – no caso do pré-sal.

Neste domingo (22), o PT realiza primeiro turno do Processo de Eleições Diretas (PED). A Rede Brasil Atual entrevistou cada um dos seis candidatos à presidência nacional do partido com base nas mesmas quatro perguntas.

A quarta edição da votação entre filiados define os presidentes e diretórios nacional, estaduais, regionais, municipais e zonais. A votação de cada chapa estabelece a composição do diretório de cada esfera. No caso do presidente, caso um candidato não obtenha maioria dos votos, há uma segunda votação entre os dois mais bem colocados.

Candidato nas edições anteriores, Sokol encampa um discurso mais à esquerda entre os candidatos e lembra que o cenário em que membros do partido disputavam a direção já com planos de se retirar são coisa do passado.

Entrevista

Marcus Sokol

candidato à presidência nacional do PT

Ele defende, porém, uma posição da legenda que sustenta transformações efetivas em um governo da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Isso porque, apesar de desejar a continuidade do projeto, acredita que as principais mudanças não vieram nos sete anos de governo Lula.

Confira a entrevista:

RBA – O PT sempre se colocou como um partido que acolhe uma ampla diversidade de pontos de vista. Ainda assim, é possível apontar pontos de consenso entre as diferentes tendências?

 

Se for comparar com PEDs anteriores, não vou conseguir encontrar nenhum consenso. O partido tem correntes diferenciadas, propostas diferentes, há evoluções internas dos componentes do partido. O fato de haver uma disputa é a demonstração de que existem posições conflitantes. Evidentemente você vai encontrar consensos, ninguém quer a volta da direita privatista, o PSDB e o DEM. Mas não é para isso que o PED foi convocado. Há um sentimento do partido. Entende?

Se você está procurando entender uma disputa é porque o predominante não é o consenso. Talvez dois PEDs atrás, em 2005, havia uma espécie de crise em que gente disputava na época já com projeto de sair do partido. Não é a situação hoje. Se você quiser é uma segunda diferença, mas é muito pouco como consenso partidário.

RBA – Quais são as principais divergências entre as propostas colocadas? Em outras palavras, o que diferencia sua candidatura das demais?

Vou procurar ser bem didático, destacando cinco pontos. Primeiro, uma direção do partido mais autônoma, que claramente não é a linha da direção atual. As direções têm sido muito mais focados no diálogo com os Executivos – privilegio o Planalto por ser o mais expressivo, mas a situação se repete em estados e municípios – do que na sua razão de ser que seria expressar o sentimento e a vontade da base partidária.

Depois, vem outros três: terra, trabalho e soberania. Uma direção mais autônoma estaria mais focada em questões que afligem o povo ou a parcela da população mais ligada ao partido, que é a classe trabalhadora. Na questão da terra, por exemplo, o PT deveria cobrar do presidente da República a promessa que ele fez ao movimento dos sem terra de atualizar os índices de produtividade da terra. No episódio da Cutrale, dos laranjais, vimos até dirigentes do partido lamentarem a ação do MST, coisa que se pode discutir, mas deveriam em primeiro lugar lamentar o atraso do governo em atualizar o índice de produtividade, o que ampliaria os estoques de terra disponíveis para a reforma agrária, sobretudo no centro-sul. E talvez nem fosse necessária uma ação daquela para reivindicar terra para trabalhar.

O segundo ponto, o trabalho. A maneira como o governo enfrentou a crise pode ter amainado seus efeitos, mas teve um custo de médio prazo altíssimo, com as desonerações fiscais. Isso já provoca uma cascata de problemas, desde a redução das verbas do Fundeb para 2010 – que, se sabe, será 10% menor. Setores do funcionalismo público, por outro lado, já sofrem retenção nas negociações sob argumentação de que caiu a arrecadação. No desemprego, questão chave para um partido de trabalhadores, porque nada é mais importante para uma família de trabalhadores do que o emprego, deveria haver uma política mais ofensiva em defesa do próprio emprego. Com a desoneração, primeiro, o patrão põe no bolso, depois calcula o que vai fazer, se diminui nível de investimento. A proteção do emprego seria pelo outro lado, por meio da proibição de demissões no período em que durar a crise, levantada pelo movimento sindical. Pedimos uma medida provisória com esse caráter.

Depois, tem a campanha que a CUT promove da jornada (máxima de trabalho) de 40 horas semanais. Seria mais efetiva para efeito de combate ao desemprego do que a desoneração fiscal. Estamos assistindo à omissão do partido nesse debate. Alguns parlamentares se manifestam, sindicalistas ligados ao partido estão presentes, mas o partido como instituição não tem uma posição própria pelo emprego.

O terceiro ponto é a soberania, que talvez seja, hoje, o mais importante, pelo petróleo. O governo mandou uma mensagem ao Congresso em que aumenta o controle estatal sobre uma parcela das reservas de petróleo, a do (que está na camada) pré-sal. A questão que colocamos é por que só a do pré-sal? Não deveriam todas as reservas energéticas de gás e petróleo serem exploradas em benefício das condições de vida da população? A Federação dos Petroleiros tem um projeto com esse conteúdo, com a retomada do monopólio da Petrobras, com apoio da CUT, dos movimentos sociais, de deputados que subscreveram ao projeto. No entanto, na reunião do diretório nacional de setembro, quando propusemos que o partido adotasse esse projeto como seu, nenhuma outra corrente quis fazê-lo, razão pela qual trazemos a questão para o PED. Se tivesse assumido, o PT teria um papel muito mais ativo agora no Congresso. Os parlamentares vão votar, mas se a discussão se restringir às quatro paredes do Congresso, é muito difícil adivinhar o que vai acontecer face à pressão dos privatistas do PSDB e do DEM e de boa parte da base aliada. Arrisca ver o projeto do governo, que já é limitado, regredir.

O último ponto, nas eleições de 2010, essas três bandeiras, terra, trabalho e soberania, deveriam estar bem marcadas. A candidata do PT, a Dilma, desde que o diretório nacional decidiu, deveria levantar as bandeiras do que a população mais necessita. Ninguém quer a volta da direita, não devemos nos enganar com o triste papel ao qual a Marina está se prestando nesse cenário. Mas isso não quer dizer que a gente aceite rifar as candidaturas do PT a governos de estado pela campanha presidencial. Seria um erro se engajar na candidatura a reeleição do governador do Ceará, que representou contra o piso salarial nacional dos professores no Supremo Tribunal Federal (STF), um projeto de lei sancionado pelo presidente da República. Como sustentar essa candidatura? Segundo exemplo, o do Paraná, como se engajar na campanha de um homem ligado ao agronegócio, como o senador (Osmar) Dias (PDT), um dos que patrocina a CPI do MST? É contraditório. Como também seria tentar impedir candidatura própria no Rio de Janeiro pela reeleição de (Sérgio) Cabral (PMDB), como também em São Paulo onde se quer impor Ciro Gomes pelo partido “socialista” brasileiro. Entre aspas, porque o PSB em São Paulo é sublegenda do PSDB, vota todos os projetos do PSDB na Assembleia Legislativa, e que incorporou (Gabriel) Chalita, inimigo do professorado paulista. Como também aceitou Paulo Skaf, socialista desde criancinha. Em nome de uma política de alianças nacional com o PMDB seria um absurdo rifar candidaturas próprias. Considerar que somar o PMDB, o maior partido no Congresso, com o PT representa a maioria é aritmética. Mas já inventaram a física. Somar duas forças com vetores diferentes, todo mundo aprende na escola, o resultado pode ser zero ou negativo. E não é um raciocínio retórico.

RBA – O PED deste ano acontece com um pré-acordo já firmado nacionalmente com o PMDB para a eleição de 2010. Em sua avaliação, há aval das bases do partido para essa aliança?

Se consultadas sob a base de um debate real, não tenho dúvidas de que rejeitariam. Rejeitariam Sarney como nossa referência de política nacional, de que no Pará não engoliriam aliança com Jader Barbalho, que em Minas Gerais recusariam a candidatura de Helio Costa, no Rio de Janeiro não titubeariam em apoiar a candidatura de Lindberg Farias, e assim por diante. A direção do partido cria um fato consumado, estabelece um acordo nacional e diz que o programa de governo vai ser desenvolvido entre PT e PMDB. A partir daí faz pressão para pôr goela abaixo para dizer que isso é imprescindível para a vitória e a governabilidade. É argumento muito discutível, porque o PT já ganhou duas vezes sem apoio do PMDB e, para uma política de transformação, é preciso construir outra governabilidade – essa é a questão de fundo. Não podemos continuar a ser governo para manter a governabilidade da forma tal como é feita nas instituições do Brasil no chamado presidencialismo de coalizão, que é um nome bonito para “balcão de negócios”. E não é novidade do Brasil isso, em outros países do continente em que se começou um processo de transformação, as oligarquias locais, a burguesia, as classes dominantes, o capital internacional reagiram e se agarraram ao funcionamento instituições para impedir. Assistimos, nesses países, a processos de assembleias constituintes. Podemos construir uma outra governabilidade, mas não podemos ficar dependendo da chantagem da governabilidade com Judas.

RBA – Qual papel o novo presidente e a nova executiva terão na definição de alianças regionais?

A base vai querer, nos estados, apresentar candidatos próprios, até para dar sustentação a uma candidatura com caráter transformador, que é o que a base aspira. Depois de sete anos de governo Lula, as principais transformações ainda estão por ser feitas. O sentimento que as pessoas têm é de que é preciso aumentar a pressão e a força do partido. É todo o contrário de transformar a composição estadual em uma barganha em nome de uma dita governabilidade. Já se fala até de uma “lógica nacional” que não poderia ser desafiada por uma “lógica estadual”. Por ora, é apenas uma ameaça de intervenção, mas pode se materializar – como já aconteceu.