Relator do mensalão, Joaquim Barbosa assume presidência do STF

Ministro é o primeiro negro a comandar a mais alta corte do país; cerimônia de posse reúne duas mil pessoas em Brasília

O banimento do amianto, a validade dos planos econômicos da década de 1990 e temas previdenciários estão na pauta que aguarda Barbosa (Foto: Nelson Jr. STF)

Rio de Janeiro – Em uma cerimônia que contou com a presença da presidenta da República, Dilma Rousseff, e de outras autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, além de artistas e intelectuais, o ministro Joaquim Barbosa assumiu hoje (22) a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Com 2 mil convidados, público que causou engarrafamento na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, a posse de Barbosa foi especialmente concorrida graças à grande visibilidade midiática que o ministro alcançou durante o julgamento da Ação Penal 470, mais conhecida como processo do mensalão, do qual é relator. Além disso, Barbosa, dono de notável trajetória profissional e acadêmica, é o primeiro negro a ocupar a presidência da mais alta corte brasileira, o que tornou o dia histórico no STF.

Em seu discurso de posse, que durou cerca de 15 minutos, Barbosa falou sobre o papel do juiz no Judiciário moderno. “Pertence definitivamente ao passado a figura do juiz que se mantém distante e indiferente – para não dizer inteiramente alheio – aos valores fundamentais e aos anseios da sociedade a qual está inserido. Nada mais ultrapassado e indesejado do que aquele modelo de juiz isolado, fechado, como se estivesse encerrado em uma torre de marfim”, disse.

Em uma declaração que pode ser entendida como uma justificativa da posição assumida no julgamento do mensalão, o novo presidente do STF disse que o juiz deve caminhar ao lado dos anseios da sociedade. “Se é certo que a noção de liberdade comumente aceita entre nós impede que se exija do juiz a adesão cega a todo e qualquer clamor da comunidade a que serve, mais certo ainda é o fato de que, no exercício de sua missão constitucional, o juiz deve, sim, sopesar e ter na devida conta os valores mais caros à sociedade na qual ele opera. O juiz é um produto do seu meio e do seu tempo”, disse.

Barbosa falou sobre a importância da independência dos juízes: “Um juiz deve se afastar, desde o ingresso na carreira, das múltiplas e nocivas influências que podem paulatinamente minar-lhe a independência. Essas más influências podem se manifestar tanto a partir da própria hierarquia interna a que o jovem juiz se vê submetido quanto a partir dos laços políticos dos quais ele pode às vezes tornar-se tributário na natural e humana busca por ascensão institucional e profissional”, disse.

O ministro recebeu demorados aplausos ao criticar as indicações políticas no Judiciário. “Nada justifica a pouco edificante busca de apoio para uma singela promoção do primeiro ao segundo grau de jurisdição. Um juiz deve saber de antemão quais são as suas reais perspectivas de progressão, e não buscar obtê-la por meio da aproximação ao poder político dominante no momento”. Barbosa definiu os objetivos de sua presidência no STF: “O Judiciário que aspiramos a ter é um Judiciário sem firulas, sem floreios, sem rapapés. O que buscamos é um Judiciário célere, efetivo e justo.”

Desafios

Além de concluir o julgamento do mensalão na presidência do STF, Joaquim Barbosa terá outros desafios nos dois anos em que ocupará o posto. Entre os 791 processos aptos a serem incluídos imediatamente na pauta da suprema corte estão casos que poderão ter um grande impacto na vida dos brasileiros, como, por exemplo, o que trata da correção monetária das cadernetas de poupança em razão dos planos econômicos Cruzado, Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2. Outros julgamentos importantes que deverão ter a presidência de Barbosa são os que tratam do banimento do amianto e da possibilidade de conversão da aposentadoria proporcional em aposentadoria integral.

Dois julgamentos que deverão ser presididos por Barbosa são especialmente aguardados nos meios político e jurídico. Um deles é o que analisará a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que trata da legalização de terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. Outro é o julgamento do mensalão do PSDB, processo onde o principal réu é o senador Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais, e que também tem o novo presidente do STF como relator.

Cerimônia

A chegada de Barbosa à presidência do STF foi saudada pelo ministro Luiz Fux, pelo procurador geral da República, Roberto Gurgel, e pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. Falando em nome dos demais ministros do Supremo, Fux qualificou Barbosa como “um paradigma de cultura, coragem e honradez” e ressaltou “sua contribuição para a construção de uma suprema corte de vanguarda e comprometida, sobretudo, com a promoção e a concretização dos direitos humanos fundamentais e com a consolidação das instituições democráticas”.

Ao final da cerimônia, Barbosa foi cumprimentado com um abraço e um beijo pela presidenta Dilma Rousseff, que não falou durante a posse. Em seguida, recebeu os cumprimentos dos demais convidados no Salão Branco do STF, onde conversou com diversos representantes do movimento negro e com artistas como Martinho da Vila, Djavan e Lázaro Ramos, entre outros.