"Terrivelmente evangélico"

Pastor André Mendonça toma posse da cadeira do laico Marco Aurélio Mello no STF

Padrinho do novo ministro, Jair Bolsonaro teve de apresentar teste negativo de covid-19 para entrar no evento, já que não tomou vacina

Reprodução/Youtube
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“Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”, declarou o agora ministro na sabatina do Senado

São Paulo – Em cerimônia protocolar e sem discursos, como de praxe, André Mendonça tomou posse no Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (16). Pastor presbiteriano, o magistrado foi aprovado pelo plenário do Senado por 47 votos a 32 no dia 1° de dezembro. Ele ocupa a vaga deixada por Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho. Estiveram presentes na cerimônia os chefes de outros poderes: os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), assim como o próprio Bolsonaro, que teve de apesentar ao STF um teste RT-PCR negativo para Covid-19 para entrar no evento, já que se recusa a tomar vacina.

O evangélico Mendonça é o segundo ministro indicado por Jair Bolsonaro a uma das 11 cadeiras da Corte. O primeiro, Kassio Nunes Marques – considerado tecnicamente fraco –, tomou posse em novembro. Até o momento, coleciona decisões favoráveis ao presidente e também padrinho.

Entre as ações que mostrarão em breve se André Mendonça vai se pautar pela Bíblia ou pela Constituição está o julgamento sobre o direito de travestis e transexuais escolherem onde cumprirão pena, se em presídio masculino ou feminino. O julgamento está 5 a 5 e caberá ao ministro evangélico desempatar. Na sabatina do Senado, questionado como iria se pautar nos julgamentos, ele declarou: “Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição.”

O novo magistrado – ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União – vai relatar um recurso do Patriota sobre prisão após condenação em segunda instância, já decidida pelo STF em novembro de 2019, quando o tribunal confirmou o que prevê a Constituição e vetou a possibilidade, por 6 a 5. A decisão levou à soltura do ex-presidente Lula. Mendonça ainda vai ser relator de processo que discute se Bolsonaro pode ou não bloquear seguidores em suas redes sociais.

Estado laico?

O recém-empossado André Mendonça contrasta – e bastante – com Marco Aurélio. Considerado garantista, Mello era um dos principais porta-vozes do chamado Estado laico na Corte. Emblemático dessa característica foi, por exemplo, seu relatório e voto a favor da interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54.

No julgamento, em 2012, o ministro rejeitou a argumentação de que a permissão ao aborto de fetos sem cérebro produziria conflito entre os direitos fundamentais da mulher contra o supremo direito à vida. “Não é dado invocar o direito à vida dos anencéfalos. Anencefalia e vida são termos antitéticos”, afirmou o então ministro. “Em rigor, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, justamente porque não há ninguém por vir, não há viabilidade de vida”, continuou.

Damous: se os próprios evangélicos admitem que Mendonça mentiu, tudo o que ele disse está sob suspeita

Prisão em segunda instância

Marco Aurélio Mello também foi o relator das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, sobre a prisão em segunda instância, julgadas em 2019. Dizendo que  “é impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão”, ele votou contra essa prisão. Na sabatina do Senado, Mendonça afirmou que eventual mudança de tal entendimento caberá ao Parlamento.

Em outro julgamento em que contemplou princípios do Estado laico, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, o ministro, que chegou ao cargo indicado por Fernando Collor, votou para autorizar a alteração do registro civil de pessoas transgêneras sem a realização de procedimento cirúrgico de mudança de sexo. Seu voto, de relator, também foi acompanhado pela maioria vencedora.

No ano passado, o ministro agora substituído pelo bolsonarista Mendonça, relatou o importante tema sobre o combate à pandemia de covid-19, na ADI 6341, na qual o Plenário determinou que estados, Distrito Federal, municípios e União são competentes e têm autonomia para adotar medidas no enfrentamento à doença. A decisão é até hoje atacada por Jair Bolsonaro, que acusa o STF de não deixar que ele atue na pandemia, o que é um argumento mentiroso.