entrevista

‘Há um golpe em marcha’, diz Adriano Diogo, em balanço de mandato

Deputado do PT encerra legislatura no Parlamento paulista e analisa a relação entre ideia de impeachment de Dilma, crise política e cerco ao governo brasileiro com interesses internacionais

Yara Lopes/Alesp

“Tem cabimento prender todo o empresariado da construção civil no Brasil?”, questiona parlamentar petista

São Paulo – Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Comissão Estadual da Verdade e da CPI das Universidades na 17ª legislatura da Assembleia Legislativa de São Paulo, o agora ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT) encerra o mandato e fica sem cargo eletivo. Ele concorreu a uma vaga na Câmara Federal e não conseguiu se eleger.

A CPI das universidades, instalada em dezembro no parlamento paulista, trouxe à luz uma discussão que mexeu com as instituições de ensino no estado e revelações sobre o comportamento de parte dos alunos se tornaram públicos – como a prática recorrente de estupro em festas de recepção de calouros.

Diogo conduziu também a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, que apresentou na quinta-feira (12) seu relatório final, resultado do trabalho de três anos e 157 audiências públicas, propondo desmilitarização da polícia, reforma do Judiciário e punição de torturadores.

Em dezembro, ao comentar a 17ª legislatura, encerrada domingo (15), o líder do PT, João Paulo Rillo, afirmou que “a Comissão da Verdade é um trabalho memorável que vai ficar para a história da Assembleia. Adriano Diogo e a equipe dele foram nas entranhas dos fatos. A CV não ficou só nos que militaram de maneira organizada, em grupos que foram perseguidos pela ditadura e estão na história. Foi muito além: nos familiares, nos jovens, nas crianças, nos índios, nos negros e mostra uma face ampla da repressão”, afirmou Rillo.

Nascido na Mooca, Diogo se diz “mais juventino do que palmeirense”. É filho de uma professora e de um pequeno comerciante. Começou a militar aos 13 anos. Na juventude, teve forte influência das comunidades de base da ala progressista da igreja católica. Adriano Diogo participou da Aliança de Libertação Nacional (ALN). Foi preso e esteve na mesma prisão onde morreu Alexandre Vannuchi Leme, primo de Paulo Vannuchi, comentarista da RBA.

Em entrevista, ele também falou sobre a atual crise política no país. “Está em marcha. Um golpe não acontece da noite pro dia. É um processo. O golpe começou na Copa do Mundo.”

O que o sr. destaca de sua atuação nesta legislatura, como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Comissão Estadual da Verdade e da CPI das Universidades?

Eu destaco o meu próprio amadurecimento. Sou um cara antigo. Já tive vários mandatos, participei de muitos movimentos. Sou experiente, e um cara experiente que fica numa Assembleia, numa Câmara Municipal, naturalmente se sobressai. Gosto do que faço e acho que poderia dar uma contribuição na Câmara Federal.

Acho que a Câmara está precisando de pessoas mais experientes, da minha geração. Não é todo mundo da minha geração que aguentou ficar na política. A política é uma máquina terrível de moer carne. Mas o mandato (na Assembleia) foi bom. Sou ex-preso político, mas eu nunca tinha elaborado isso. É como se eu tivesse feito uma volta ao passado.

Primeiro visitei meus amigos, meus companheiros, mesmo os mortos, aí fui revisitando outras histórias. Porque quando você está na ditadura tem coisas que você não quer saber. Eu entrei na universidade em 1969, fui preso em março de 1973. Nunca fui para a ilegalidade, nunca fui clandestino, fui “normal”, dando aula e estudando. Mas sou militante antigo, comecei com 13 anos, moleque. Você acorda e vai dormir fazendo aquilo. É como eu sou deputado agora. Eu adoro o que eu faço, não sei fazer diferente.

O sr. não gosta de falar das experiências na ditadura, da prisão?

É uma coisa difícil, né? Eu era da ALN. Você não tem ideia do que é uma cadeia. O Paulo Vannuchi, além de ter sido um dos caras mais torturados do Brasil, cumpriu uma das penas mais longas. Essas pessoas falam pouco. O Alexandre Vannuchi, primo do Paulo, meu colega de classe, eu cheguei, ele já estava morto, mas foi morto praticamente na minha frente, eu vi onde ele morreu. Eles matavam na sua frente. Tortura, tiro, porrada. E agora, com essa confusão, você acha que eu não estou preocupado? Estou vendo os caras armando um golpe.

Mas um golpe hoje dificilmente teria conotação militar como já foi…

Quem sabe? Golpe você sabe como começa, mas nunca sabe como acaba.

Existe risco concreto de um golpe no Brasil ou já está em marcha?

Está em marcha. Um golpe não acontece da noite pro dia. É um processo. O golpe começou na Copa do Mundo. Não é só por culpa dos outros, claro. Digamos que nós também, como diz o outro, demos boas bases materiais (risos).

Agora, que tem pressão internacional, interesses, uma mudança de conjuntura em toda a América Latina, tem. Essas forças internacionais acham que o Lula e o Brasil é que dão o rumo à América Latina, que tem que ter uma intervenção no Brasil e que o Lula tem que ser pego, criminalizado, disso eu não tenho dúvida.

O Lula é um gigante. O Lula está para a América Latina como o Mandela para a África. E mesmo ele sendo um gigante, eles estão cercando por todos os lados. Nós temos muita energia pra enfrentar isso, mas que é uma situação gravíssima que estamos vivendo, é. Você acha que tem cabimento prender todo o empresariado da construção civil no Brasil? Os caras agora vão ficar reféns lá, presos pro resto da vida? Como é esse negócio?

A intenção é paralisar o país?

Além de quebrar o país, os caras vão ficar presos ad eternum? Não tem julgamento?

O ‘mensalão’ foi um anúncio dessa quebra de parâmetros legais?

Foi, mas agora… Pôr todo mundo preso lá no Paraná, o que é isso? Em que ponto nós estamos? E não se contentando com o petróleo, “agora vamos investigar o setor elétrico”. É uma anomalia, não é normal. Esses vazamentos, uma lista tão grande de gente. O problema é o sistema, o financiamento de campanha. Mas daqui a pouco vai acontecer como na Itália. Depois da Operação Mãos Limpas veio o Berlusconi.

O ministro Ricardo Berzoini (Comunicações) disse que não existem bases legais para um impeachment…

É verdade. Só tem uma crise política, não tem uma crise social, econômica. Não tem. Mas eles pretendem transformar essa crise política numa crise social e numa crise econômica. Essas forças golpistas pretendem parar o país. Já tentaram parar todas as estradas. É assustador. A gente não sabe o que vai rolar.

Quando a Dilma foi eleita na primeira vez, o Serra fez um vídeo, há quatro anos, dizendo que ia se tornar uma ditadura e tinha que ser derrubada. Agora os caras puseram a receita para funcionar. Parece que a Fiesp está fazendo campanha aberta pelo impeachment.

O senhor já fez críticas ao PT, já trabalhou com Erundina e Marta Suplicy na prefeitura. Marta tem feito críticas pesadas ao PT…

Pela direita. Toda vez que a crítica é feita pela direita, não me emociona, não me sensibiliza.

Mas Erundina, embora seja admirada em setores da esquerda, foi para a direita também…

Lógico. Mas eu não quero ficar falando das pessoas. Elas têm seu valor, a Marta, a Erundina. Minhas observações sobre o PT, eu discuto internamente, mas eu continuo sendo petista. Sou lulista, sou um cara de esquerda, socialista. Acho que o PT tem uma contribuição muito grande a dar ao povo brasileiro. Os 12 anos de Lula e Dilma foram espetaculares do ponto de vista de modernizar o país.

Eu acho que fui um bom deputado. Acho que o PT não me valorizou, não me deu os meios necessários (para me eleger). Mas não abro mão de ser de esquerda. Não vou atribuir ao PT a minha derrota. Pode não ter me valorizado, mas eu também devo ter cometido erros.

Acho que o fato de ficar muito trancado aqui dentro, fazendo Comissão da Verdade, tratando de coisas tão tristes e sérias, pode ter me tirado da política do dia a dia, das demandas das necessidades sociais. Isso pode ter sido um dos motivos (da não eleição). Não sei por que perdi a eleição. Isso não consegui elaborar. A ditadura, a repressão, esse processo eu elaborei. O processo das universidades, elaborei. Mexi com genocídio. Será que isso justifica o fato de eu não ter sido eleito?

Mas a derrota do partido foi gigantesca, se eu tivesse sido o único que não foi eleito, já estava bom. Agora, foi um terror aqui em São Paulo (o resultado do PT na eleição de 2014).

A que atribui esse resultado?

A uma conjunção de coisas. Acho que a Copa foi um erro. Não a Copa em si, mas a leitura que fizeram, o fato de o Brasil perder daquele jeito, de 7 a 1 da Alemanha. Tudo foi atribuído ao governo e ao governo brasileiro. O brasileiro adora futebol. Podia ter reclamado dos estádios, dos aeroportos, mas se ganhasse no campo… Imagina, todo mundo ia pro abraço. Mas a derrota, parece que todo mundo que estava dentro do campo, nas estruturas (jogadores e comissão técnica da Seleção), queria que o Brasil perdesse. Nunca vi isso. Até parece que teve financiamento internacional.

São Paulo sempre foi o núcleo duro do empresariado que não aceita o povo brasileiro. Aqui começou a revolução de 1932, contra o governo central, contra Getúlio Vargas, contra a República. Aqui sempre foi a sede dos fazendeiros paulistas, a sede da escravidão. Daqui saíram os bandeirantes. Essa elite dominante paulista não aceita o Brasil. Isso é um fator estrutural. Tem os fatores conjunturais. O jeito que a sociedade e a esquerda estão se organizando. Isso o que estou discutindo.

O que o senhor tira da CPI das universidades?

A CPI das universidades me ensinou muita coisa. Por exemplo, em relação ao álcool, às drogas. Não por uma visão policialesca, mas por uma questão educativa. Nós estamos perdendo toda uma juventude para esse processo. Qual o projeto que a universidade brasileira tem? O que nós vamos formar?

Eu acho que nós vivemos uma falta de valores. Você aprende valores em casa, na escola ou na igreja. Hoje você fala com a molecada, eles não têm valores.

No encerramento da CPI das universidades o senhor falou que na política hoje só se dá bem quem surfa na onda boa e que direitos humanos, por exemplo, causa desgaste. Sua atuação nessa área foi uma das causas de não ter conseguido se eleger?

Sem dúvida. Porque tem uma coisa, você só pode trabalhar o lado “bom” da política e da sociedade. É aquele negócio que apareceu em 1985: “a ditadura acabou, os crimes acabaram, não precisa falar nada disso, está todo mundo perdoado, somos amigos”. Isso não existe. Na CPI nós pegamos um microcosmos. Algumas faculdades públicas. E a gente descobriu essa cadeia de horror. Isso é função da política.

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