Dentro e fora da fábrica

Metalúrgicos apresentam ‘arsenal de provas’ sobre atuação da Embraer na ditadura

Entidades querem abertura de ação contra a empresa. “Escola de repressão”, afirma pesquisador

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Criada em 1969 pelo governo e privatizada em 1994, a Embraer teria até sala de interrogatório para trabalhadores

São Paulo – O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, no Vale do Paraíba, interior paulista, entregou ao Ministério Público Federal estudo que segundo a entidade comprova o envolvimento da Embraer com a ditadura civil-militar. O MPF tem investigado há anos a colaboração de empresas, privadas e públicas, com organismos de repressão. O caso talvez mais conhecido até agora seja o da Volkswagen, que resultou em um acordo de reparação.

No caso da Embraer, criada pelo governo em 1969 e privatizada em 1994, pedido de investigação havia sido feito no final do ano passado, pela Associação Brasileira de Anistiados Políticos (Abap). O Sindicato dos Metalúrgicos, a CSP-Conlutas e outras entidades solicitaram à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), vinculada ao MPF, apuração de denúncias sobre graves violações de direitos humanos que teriam sido cometidas pela empresa ao longo dos anos da ditadura. O objetivo é fazer com que o Ministério Público abra ação civil pública.

“Guerra permanente”

Segundo o relatório, “a Embraer já nasceu totalmente integrada ao regime” e manteve-se em estado de “guerra permanente” contra um suposto “inimigo interno”. Era o modelo baseado na chamada Doutrina de Segurança Nacional.

Ainda conforme o documento, quase toda a direção da empresa era composta por militares de carreira. Os operários eram investigados sobre suas preferências ideológicas, além da vida profissional. Na fábrica haveria, inclusive uma sala específica para interrogatórios de trabalhadores. Esses interrogatórios eram conduzidos por militares, “que os humilhavam em busca de delações”.

Na pesquisa, se constatou ainda que houve prisões arbitrárias de funcionários considerados “subversivos”. Além de demissões de trabalhadores por participação em greves ou ligação com o sindicalismo. Ou as chamadas “listas sujas”.

“Provas contundentes”

Assim, o estudo apresentado ao MPF foi coordenador por Antônio Pereira de Oliveira, professor adjunto da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Os trabalhos de pesquisa tiveram participação de dois ex-funcionários da Embraer (Edmir Marcolino da Silva, dirigente sindical, e Homero Paula da Silva), ambos demitidos pela companhia, além do pesquisador e ex-sindicalista Antônio Fernandes Neto, que assina representações semelhantes contra a Volks e a Companhia Docas do Estado de São Paulo.

“O documento protocolado junto ao MPF é resultado de um levantamento de provas contundentes sobre a ação repressiva da empresa, que perdurou até o ano 2000, mesmo com o fim do regime militar”, afirma o sindicato. Dessa forma, os pesquisadores acessaram documentos de órgãos da repressão, como o Serviço Nacional de Informação (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), além de jornais da época. Esses documentos, acrescentam os metalúrgicos, comprovam que militares armados vigiavam trabalhadores a mando da fábrica durante o expediente. Além disso, a Embraer teria sido uma “escola de repressão” no Vale do Paraíba. E modelo para ações semelhantes em outras empresas, como a General Motors.

Sistema de repressão

Segundo o relatório apresentado, foi possível “detectar a responsabilidade da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) em crimes e violações de direitos fundamentais, no contexto do regime empresarial militar, orquestrado, aplicado e desenvolvido a partir do golpe de Estado de 1964”. Documentos divulgados durante a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Assembleia Legislativa já mostravam participação da Embraer no Centro Centro Comunitário de Segurança do Vale do Paraíba (Cecose), entidade organizada por empresários, que trocavam informações sistematicamente.

“Temos um arsenal de provas sobre o sistema de repressão da Embraer”, afirma Neto. “E não são provas provas produzidas pelos interessados. São documentos da própria Embraer, muitas vezes assinados por militares, e do próprio sistema repressivo que assolava o país e compartilhava informações em uma verdadeira rede de perseguição aos trabalhadores.”

Nesse sentido, um dos movimentos citados é a da greve ocorrida em agosto de 1984, quando 150 operários foram demitidos após fazer reivindicações salariais. “Durante o movimento de ocupação, a Embraer solicitou tropas da aeronáutica (CTA) para reprimir os grevistas. Ao todo, 155 soldados armados ocuparam pavilhões, oficinas e portões de saída da fábrica. Do lado de fora, 800 homens da Polícia Militar estavam a postos.”

Procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a Embraer ainda não se posicionou. Assim que isso acontecer, o texto será atualizado.


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