Pressão

Campos Neto tem de cuidar da inflação, do crescimento e do emprego, diz Lula

Ele afirmou que presidente do BC, indicado por Bolsonaro e Guedes, tem cabeça “muito diferente” da sua e de seus eleitores. Em dia de anúncio de novo mínimo, CUT afirma que não foi ouvida

Reprodução/CNN
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Lula quer levar Campos Neto às regiões mais pobres do país para que ele saiba para quem se deve governar

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta-feira (16) que não cabe a ele “ficar brigando” com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. “A única coisa que quero é que ele cumpra aquilo que está na lei que aprovou a independência do Banco Central. Ele tem que cuidar da inflação, do crescimento, do emprego”, disse em entrevista a Daniela Lima, da CNN Brasil.

Lula disse que “até teria o direito” de brigar com Campos Neto, pois ele foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo ex-ministro Paulo Guedes. “Significa que a cabeça política dele é uma muito diferente da minha e daqueles que votaram em mim. Mas ele está lá, tem um mandato”, acrescentou.

Lula está em movimento contra os juros altos, que segundo o governo inviabilizam a retomada do crescimento do país. Desde agosto, o BC mantém a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano. Com a inflação anual (IPCA) em 5,77%, o ganho real de quem aplica em títulos públicos fica em 7,98%. Por isso, economistas raramente ouvidos pela imprensa comercial também criticam os juros altos, destacando que o país não enfrenta ameaças de desequilíbrio inflacionário ou fiscal.

Por outro lado, a Lei Complementar 179/2021, que garantiu a independência do BC, estabelece que, além de buscar o controle da inflação, a autoridade monetária também deve trabalhar na suavização dos ciclos econômicos e no fomento ao emprego. Campos Neto parece ignorar essa inovação institucional, no entanto. A inovação que celebrou em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, foi o fato de hoje crianças pobres que vendem doces em ruas e bares poderem receber pelo PIX.

Novo salário mínimo

À CNN Brasil, Lula também confirmou que o novo valor do salário mínimo será de R$ 1.320 a partir de maio. “Nós vamos aumentar o salário mínimo todo ano. A inflação será reposta e o crescimento do PIB será colocado no mínimo”, diz presidente. E também anunciou que o limite de isenção do Imposto de Renda subirá de R$ 1.900 para R$ 2.640.

Entretanto, horas depois de o governo confirmar a intenção de elevar o salário mínimo a R$ 1.320, a CUT protestou. Em nota assinada por seu presidente Sérgio Nobre, a central afirma que o valor “mínimo aceitável” seria de R$ 1.382.

“A CUT estuda a fundo, de forma técnica, todos as variáveis que influenciam e afetam a vida do trabalhador. Os cálculos do Dieese mostram que, se o Programa de Valorização do Salário Mínimo não tivesse sido interrompido (em 2019), hoje o valor deveria ser de R$ 1.382,71. O que significa uma valorização de 6,2%”, diz a nota.

A central afirma ainda que não foi ouvida sobre a definição anunciada hoje por Lula. Em entrevista à RBA, Sérgio Nobre afirma que o reivindicado pela central estaria sendo calculado pelo Dieese e que seria esse o valor apresentado ao governo. “É a força dos trabalhadores que movimenta a economia brasileira. Não iremos nos contentar com a proposta atual nem aplaudir quem nos está lesando. É importante deixar claro que a CUT não foi consultada nem ouvida a respeito do novo valor do salário mínimo.”

Diálogo

Além da pressão política, Lula aposta no diálogo para resolver a alta dos juros no país. Disse que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem mantendo conversas frequentes com Campos Neto. Hoje, os dois, além da ministra Simone Tebet (Planejamento), se encontraram para a primeira reunião, neste ano, do Conselho Monetário Nacional (CMN). O órgão é responsável por definir as metas de inflação, enquanto o BC dispõe dos mecanismos para alcançar a meta definida.

Lula afirmou que ele próprio também está aberto ao diálogo com o presidente do BC. “Mas, se eu não posso conversar com ele sobre a taxa de juros e emprego, sobre o que eu vou conversar?”, questionou. “Então é importante que ele converse com Fernando Haddad, todo dia, toda hora, todo mês, todo ano, e que ele apenas cumpra a meta de inflação, tendo noção de que a meta não pode ser a razão de aumentar a taxa de juros.”

Nesse sentido, Lula afirmou que pretende convidar Campos Neto para acompanhá-lo em viagens pelo país. “Se ele topar, quando eu for levar o meu governo para visitar os lugares mais miseráveis desse país, vou levá-lo para ele ver. Ele tem que saber que a gente, nesse país, tem que governar para as pessoas que mais necessitam”, disse.

Povo x mercado

Ainda sobre economia, Lula disse que reconhece a importância do mercado financeiro, mas está governando para criar mais empregos, ampliar os salários, garantindo vida digna à maioria da população.

“Eu sou obrigado a ter sensibilidade com as pessoas que estão dormindo debaixo da ponte, com as pessoas que estão dormindo na sarjeta (…). É só o presidente que tem que pensar nisso? O mercado não tem que pensar um pouco nisso? O mercado não tem um pouco de sensibilidade? A única coisa que eu quero chamar à razão é que esse país não pode ser governado pendendo apenas para um lado.”

Ele ainda criticou a gestão da Petrobras nos últimos dois governos. De acordo com o presidente, a estatal passou a servir apenas aos interesses desse mesmo mercado.

“O Brasil tinha uma Petrobras autossuficiente em petróleo. E, de repente, você que pensava ser exportador de derivado de petróleo, estava exportando óleo cru e comprando 25% da gasolina e 35% do diesel. Para que isso? Qual é a lógica de você dar aos acionistas minoritários R$ 106 bilhões de dividendos, quando você poderia pegar metade disso para investir em mais exploração de petróleo, em mais refinarias, para tornar o Brasil autossuficiente”, destacou.

Dilma nos Brics

Além disso, na entrevista, Lula também afirmou que, se “depender dele”, a ex-presidenta Dilma Rousseff será a nova presidenta do banco do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como Banco dos Brics. Assim, ele afirmou que Dilma é uma pessoa “extraordinária” e “muito competente tecnicamente”. “Se ela for presidente do banco dos Brics, será uma coisa maravilhosa para o Brics e para o Brasil.”

Com sede em Xangai, o Banco dos Brics, criado em 2015, teve na ocasião como vice-presidente o economista Paulo Nogueira Batista Jr. O objetivo é servir como alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, instituições controladas por norte-americanos e europeus. Assim, o NBD fornece financiamento e assistência técnica para projetos de desenvolvimento para os integrantes dos Brics e demais países em desenvolvimento.

Atualmente, presidente do NDB é o diplomata Marcos Troyjo. Também indicado por Bolsonaro e Guedes, Troyjo também foi comentarista da Jovem Pan, quando fez inúmeros ataques a Lula. Assim, ele mesmo confessou a inviabilidade de permanecer à frente do NBD, após a chegada do novo governo. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), deve trazer Troyjo para ocupar um cargo na sua gestão.