Heloísa Helena deixa candidatura em aberto

Durante congresso do PSOL em São Paulo, ex-senadora deixa para o partido definição sobre corrida à presidência e emociona-se ao falar de pesquisas, mas critica unidade 'artificial' da sigla

Sobre a candidatura de Marina Silva, a ex-senadora afirma que seria uma irresponsabilidade fazer qualquer consideração sem discutir o tema com os delegados do partido (Foto: Antônio Jacinto Índio/PSOL)

São Paulo – Nove horas de mais uma manhã chuvosa do mais chuvoso dos invernos de que se tem notícia em São Paulo neste século. Umas poucas pessoas chegam no horário ao 2º Congresso do PSOL, na quadra do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e região, no centro da capital.

Logo na entrada, uma banquinha daquelas que vendem DVDs de filmes ‘não-hollywood’ e livros para o público de esquerda. Seguem-se inúmeras outras, que vão de sanduíches de carne louca a bonecas e cachecóis, passando por livros, muito mais livros.

Os contornos da quadra estão repletos de faixas com os mais diversos motivos: críticas ao PT, alertas sobre a crise financeira mundial, pedido de prisão para o banqueiro Daniel Dantas, solidariedade ao povo de Honduras e Fora Sarney.

Além do presidente do Senado, Heloísa Helena é o nome mais citado nas faixas. A ex-senadora, que deve sair daqui no domingo como candidata do partido à presidência da República, ainda não chegou. Ela hesita entre disputar novamente o Planalto ou entrar na corrida pelo Senado por Alagoas, confrontando-se com Renan Calheiros, do PMDB.

As centenas de cadeiras espalhadas pelo local vão sendo preenchidas lentamente pelos militantes do partido. A esquerda, pelo menos a atual, não é estereotipada, como fez supor durante décadas o imaginário fabricado por alguns veículos de comunicação: há homens com barba por fazer e com barba feita, mulheres com roupas mais largas e outras com comportados tailleurs; há cabelos rastafari, cortes tradicionais e outros cobertos por boinas; camisetas com motivos partidários, com mensagens de Fora Sarney e outras que teimosamente levam apenas cor, nenhum texto.

As faixas de protesto vão chegando lentamente – com elas vêm as pessoas. Para quem tem três dias de discussão pela frente, a pressa é desnecessária. Nesse caso, a pressa é inimiga da discussão. Heloísa Helena, sabedora do tema, está atrasada.

Depois dos três dias de conversa, o partido espera ter, no mínimo, uma linha para as eleições do ano que vem. Na melhor das hipóteses, uma candidata: Heloísa Helena ouvirá durante o fim de semana argumentos contrários e favoráveis à sua candidatura.

Está claro que a maioria prefere que a ex-senadora tente novamente o Planalto – julgam insano jogar fora a demonstração de força dada pelas pesquisas divulgadas recentemente, que colocam Heloísa Helena com 12% das intenções de voto no pior dos cenários.

Quem espera pelo início do congresso do PSOL vira-se como pode. Há os que antecipam a discussão, há quem prefira ler um livro, outros jogam conversa fora na padaria da frente, os mais modernos usam computadores portáteis para ler e escrever.

Claro, muitos não estão à toa e agradecem o tempo a mais para organizar a situação. Mais uma faixa de Fora Sarney – a maior de todas – está agora na quadra e falta apenas encontrar um lugar para a mensagem. Os portadores da tal faixa penduram-se por todos os lados, puxam barbantes para lá e para cá, e por fim fixam os muitos metros de material plástico do lado oposto ao palco que espera os dirigentes partidários.

Uma hora e meia depois do horário marcado para o início do evento, chega a notícia: Heloísa Helena está reunida com a direção do partido em algum lugar de São Paulo. Para quem chegou no horário, ela está atrasada.

Quarenta e cinco minutos mais tarde, uma nova informação dá conta de que, em meia hora, tudo vai começar. Na quadra, agora praticamente cheia, as pessoas estão juntas assistindo ao pequeno espetáculo de um violeiro.

Perto dali, anda pelas ruas da capital paulista o deputado fluminense Chico Alencar. Caminha calmamente ao lado de dois companheiros de partido, faz uma breve parada na frente do prédio em que antigamente se reunia com os colegas de PT.

Assim que entra na quadra, é saudado pelos militantes. Pega a fila do credenciamento normalmente – “aqui não tem deputado nem senador. É todo mundo soldado. Se for para construir um partido decente, tem que ser assim”, decreta do palco o violeiro.

Chico Alencar pega o credenciamento e distribui aos militantes uma síntese sobre as teses que serão apresentadas em algum momento durante a tarde. Um dos militantes brinca que o deputado, esse sim, é a síntese do PSOL. Ele ri, e rejeita a primeira tese do dia:

“Eu procuro reunir todas as vertentes. O PSOL ainda é um partido de correntes, e não com correntes. Sou independente, acho que militar no PSOL já está de bom tamanho e não tenho pernas para ir além.”

Enquanto isso, faixas continuam sendo pregadas por toda parte. Surge uma bandeira roxa enquanto o cantor-militante discursa: “O partido é feito de tendências. Quando uma tendência quer se tornar maior que o partido, que saia”.

Chico Alencar, novamente, concorda: “O PSOL é uma alternativa de esquerda com a visão estratégica do socialismo sustentável ambientalmente. E, portanto, uma candidatura à presidência é muito importante”.

Heloísa Helena, que ainda não chegou, está na boca de todos. O deputado federal Ivan Valente é outro que não tem dúvidas sobre a candidatura: afirma que 100% do partido quer a ex-senadora na primeira disputa sem o presidente Lula no pós-redemocratização.

“É a única candidatura que vai ter perfil socialista, antineoliberal, de esquerda. E além de tudo é a única com fixação de nome na sociedade, o que confere ao PSOL um status bastante competitivo na disputa”.

Para o deputado, a conjuntura tornou-se rapidamente interessante para o partido com o desgaste sofrido pelo PT na defesa de José Sarney e o ingresso de Ciro Gomes e Marina Silva na corrida.

“A senadora Marina Silva é uma novidade no processo, ela tem um perfil importante, é uma pessoa respeitável. Ainda é uma incógnita, mas achamos que é uma candidatura bem-vinda porque ajuda a pulverizar a polarização entre Dilma e (José) Serra”.

Quando termina nossa conversa, eis que chega Heloísa Helena. O 2º Congresso Nacional do PSOL finalmente pode ser aberto com direito a bateria e militância gritando o nome da ex-senadora para a presidência.

Na longa trajetória de discursos até chegar o momento da estrela da festa falar, todos apoiam a candidatura: PSTU e PCB, movimentos sociais, os deputados federais e o senador do PSOL. Todos criticam o PT, o PSDB e o DEM, e consideram que não há candidatura viável de esquerda sem a presidente do partido.

Fim da espera

Duas da tarde. É o momento de Heloísa Helena falar. Por alguns momentos aparecem tietes, fãs, gente com câmeras de todos os “calibres” e até mesmo os que apelam ao celular para registrar o momento.

Com uma folha sulfite rabiscada e dobrada ao meio, ela se levanta, vai ao microfone e inicia o discurso inflamado que durará pouco mais de 20 minutos. Todos querem saber se assim, de cara, Heloísa Helena confirmará que é candidata – à presidência da República, não ao Senado.

Depois de frases e mais frases sobre o processo interno do partido e críticas ao PT – é quando as veias do pescoço saltam e o rosto fica vermelho -, ela finalmente cogita falar sobre candidatura. Diz que não se deve depositar sobre uma pessoa a esperança do processo eleitoral e mareja os olhos ao agradecer “a generosidade do povo brasileiro de acreditar em uma mulher do povo, uma sertaneja, ora tida como louca, ora tida como histérica, de lhe dar 14% a 24% (nas pesquisas)”.

Ao mesmo tempo, ela adverte que a escolha do candidato do PSOL não deve ser feita pelo que mostram as pesquisas. “Uma disputa eleitoral não pode ser baseada nos índices apresentados pelos institutos de pesquisa porque isso é típico de oportunismo eleitoreiro. A candidatura se dá em torno do conteúdo programático, do candidato que represente a unificação do partido.”

A pré-candidata aproveita a oportunidade para fazer uma crítica ao partido, que nos últimos anos esteve com rachas internos e que agora, por conta da pesquisa, mostra uma unidade que, para ela, é artificial.

A ex-senadora, experiente na política, sabe que apenas uma mudança inédita de rumo alterará a vida partidária até domingo de modo que seja outro o candidato. O que ela não pode é descartar de imediato a candidatura ao Senado por Alagoas: “a luta lá não é uma coisa qualquer, não é uma coisa simples. A elite política lá não é uma coisa qualquer. Então, é justo que o povo de Alagoas peça que eu disponibilize meu nome para enfrentar a direita cínica, farsante, assassina e corrupta do estado”.

Durante o discurso, Heloísa Helena deixa para o partido a definição, evitando desgastes tanto de um lado quanto de outro. Ao fim, não custa tentar que a ex-senadora fale algo a mais:

–    Senadora…

Heloísa Helena beija e abraça o repórter sem dar tempo para uma apresentação e uma pergunta. Depois do abraço, é possível por fim pedir uma conversa.

–    Sobre o quê?
–    Sua candidatura.
–    Não há nada definido, o congresso não está nem no primeiro dia.

E vai-se embora levando nas mãos a espada dada pela deputada federal Luciana Genro – segundo a parlamentar, para cortar a corrupção e o neoliberalismo. Praticamente todos foram almoçar. Apenas a bateria continuou por lá com gritos de Heloísa Helena presidente.