Decisões sobre mensalão e royalties alimentam crise entre Judiciário e Legislativo

Ministro da Justiça defende STF e diz que decisões transitadas em julgado valem como lei

As decisões sobre o mensalão e a respeito dos vetos de Dilma aos royalties levantaram um bate-boca entre os poderes (Foto: Carlos Humberto. STF)

Rio de Janeiro – O ano de 2012 se aproxima do fim marcado pelo acirramento da tensão entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Duas decisões tomadas ontem (17) pelo Supremo – ter a palavra final sobre a cassação dos deputados condenados no julgamento do mensalão e suspender a votação dos vetos presidenciais ao projeto de redistribuição dos royalties do petróleo – jogaram gasolina em uma fogueira que continuará ardendo ao longo de 2013. A crise entre Legislativo e Judiciário suscitou também em diversos setores da sociedade o surgimento de discussões sobre a separação dos Poderes e o limite de ação de cada um deles.

Ao reafirmar a supremacia do Judiciário dizendo durante o seu voto que “a insubordinação legislativa ou executiva” a uma decisão judicial caracterizaria “comportamento intolerável, inaceitável e incompreensível”, o ministro Celso de Mello procurou colocar a Câmara no que entende ser o seu devido lugar. Ao acrescentar que “qualquer autoridade pública que descumpra uma decisão emanada do Poder Judiciário transgride a própria ordem constitucional”, o decano do STF encostou na parede os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

A reação não tardou, e o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirmou que a decisão do STF é uma “ingerência indevida e que não dialoga com o bom entendimento entre os Poderes”. Voz ativa desde o início da polêmica, Maia, no entanto, adotou uma postura mais recuada, pregou paciência e lembrou que, com a chegada de dois novos ministros ao Supremo, tudo pode mudar: “É uma decisão precária, e os votos dos dois novos ministros podem virar o placar. A medida não é imediata, há um período de recursos e debates sobre o tema”, disse.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou que “as divergências entre os Poderes não ajudam o país”, mas já projeta uma trégua com o STF: “Até que seja publicado o acórdão determinando a perda dos mandatos haverá tempo para que encontremos uma solução e evitemos essa desarmonia. É o que eu espero”, disse.

Já sobre a questão dos royalties do petróleo, Sarney prometeu recorrer da decisão liminar do ministro Luiz Fux que suspendeu o processo de apreciação dos vetos feitos pela presidenta Dilma Rousseff sobre esse tema até que sejam apreciados todos os 3.060 vetos que estão à frente na fila de espera – alguns há mais de uma década – pela atenção de deputados e senadores: “Essa é uma questão interna do Congresso e vamos pedir ao ministro Luiz Fux a reconsideração ainda antes do recesso”, disse.

No fim da tarde, um grupo de parlamentares entregou a Sarney um requerimento com as assinaturas necessárias para a criação de uma comissão especial mista que se encarregará de analisar e encaminhar para votação todos os vetos presidenciais em espera. O deputado Júlio César (PSD-PI), integrante da comissão, afirmou que o objetivo do grupo é apreciar todos os 3.060 vetos até amanhã (19): “A intenção da base do governo é de manter todos os três mil vetos e derrubar apenas aquele à lei dos royalties do petróleo”, disse.

‘Mandato é do povo’

Durante evento realizado hoje (18) no Palácio do Planalto, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, evitou comentar a questão dos royalties. Já sobre a cassação dos parlamentares, saiu em defesa do STF: “As decisões do STF, depois de transitadas em julgado, valem como lei e devem ser obedecidas independentemente de avaliações subjetivas”, disse.

Em entrevista ao jornal O Globo, o constitucionalista Dalmo Dallari afirma que a Constituição “deu atribuição ao Legislativo para que decida” sobre a cassação de parlamentares condenados: “O Parlamento, em cada caso, verifica se é a hipótese de perda de mandato”, disse. Dallari diz ainda acreditar que “haverá embargos infringentes” à decisão do STF, fruto da discussão sobre se a perda de direitos políticos inclui a perda do mandato parlamentar em pleno exercício: “O mandato parlamentar é um dos direitos políticos, mas ele pertence essencialmente ao povo”, opina o jurista.