Silenciamento

Câmara de Curitiba confirma cassação de Renato Freitas. Defesa recorrerá à Justiça

Base governista impõe perda de direitos políticos do parlamentar, do PT e negro, por 10 anos. Oposição aponta “perseguição política” e “show de horrores” em sessão

Rodrigo Fonseca/CMC
Rodrigo Fonseca/CMC
Freitas comemorou a decisão da Casa Legislativa, considerando-a uma "vitória". Porém, expressou preocupação

São Paulo – A Câmara Municipal de Curitiba confirmou a cassação do vereador Renato Freitas (PT), em segundo turno de votação, nesta sexta-feira (5). Com 23 votos favoráveis, sete contrários e uma abstenção, o parlamentar perde imediatamente seu mandato e seus direitos políticos por 10 anos, considerando os dois que teria ainda de mandato e outros oitos anos previstos em lei. A defesa do vereador já anunciou, porém, que irá recorrer da cassação na esfera judicial. 

Freitas é alvo de um processo parlamentar que o acusa de ter perturbado um culto religioso ao realizar ato político dentro da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na capital paranaense, em fevereiro.

Assim como na votação em primeiro turno, ontem (4), a banca de advogados do jovem parlamentar negro, formada por Guilherme Gonçalves, Edson Abdala e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, apontaram desrespeito ao prazo de 90 dias corridos para conclusão de um processo ético disciplinar, instituído por decreto.

Abuso e perseguição

No entanto, os vereadores alegam que seu regimento interno permite a conclusão em 90 dias úteis com possibilidade de prorrogação. A defesa, contudo, aponta abuso de autoridade na interpretação da Câmara de Curitiba e qualifica o processo como uma “perseguição política”.

Os advogados apontam que o próprio parecer do Conselho de Ética afastou a tese de “invasão da igreja”. Na ocasião, Renato Freitas promoveu um ato antirracista no local com objetivo de denunciar o racismo envolvendo os assassinatos do congolês Moïse Kabagambe e do repositor Durval Teófilo Filho, ambos no Rio de Janeiro. A igreja é simbólica para a população negra da cidade. 

A Arquidiocese de Curitiba também afirmou ser contrária ao processo de cassação. A sessão desta sexta, que durou quase três horas, também foi acompanhada pelo padre Luiz Hass, que celebrava a missa na Igreja do Rosário, no dia do ato antirracista. 

“Saindo de casa para encontrar os doutores Guilherme e Kakay, do Alto da XV ao Batel, eu contei 30 pessoas (em situação de rua). E a Câmara quer cassar o vereador Renato Freitas por defender vidas negras dentro de uma igreja? Nós precisamos que vocês não exponham a Câmara a esse vexame internacional, de serem os primeiros a cassar um vereador negro em Curitiba. Precisamos que essas pessoas desvalidas que eu encontrei na rua tenham voz aqui dentro. Não há mal em defender os interesses econômicos, mas não há mal também em defender os oprimidos”, disparou o advogado Edson Abdala aos vereadores. 

Denúncia internacional e ao papa

“O sujeito vai na igreja, entra sem invadir, o padre que estava lá (no dia) hoje está aqui e já foi lá abraçá-lo (hoje). Os ‘agredidos’ vêm pedir perdão ao suposto agressor e vocês vão condená-lo?”, seguiu questionando Guilherme Gonçalves, que aponta “racismo” também no processo de cassação. “A grande tragédia do chicote é que ele muda de mãos”.

Por sua vez, Kakay também confirmou que a denúncia de perseguição política ao vereador do PT será levada em setembro ao papa Francisco e às Cortes internacionais. “É claro que a cassação é um processo político, tanto que o voto não precisa ser fundamentado. Ao votar (no decreto legislativo), vocês deixam de ser vereadores e por um segundo são juízes, e juízes não podem dar uma pena além daquilo que acha ser merecido”, completou o advogado. 

Durante sua fala no plenário, o vereador Renato Freitas ressaltou que a “perseguição não se fundamenta na legalidade, no interesse público”. O parlamentar respondeu aos seus acusadores que a cassação é uma resposta ao que seu mandato representa na Câmara. Um “obstáculo àqueles que há séculos estão acomodados nos espaços de poder”.

“(Essa cassação) se baseia somente em preconceito por sermos representantes das ruas de terra, das donas Marias desempregadas, dos filhos sem pai. Porque representamos a população negra que só entra nos espaços de poder pelas portas de serviço. Pelos elevadores reservados, para dormir no quarto da empregada. (Estou sendo cassado) para ser visto como bode expiatório dos problemas do país”, contestou. 

Cobertura “sensacionalista”

Renato Freitas também chamou a cobertura da mídia comercial local como “sensacionalista”, ao reproduzir vídeos falsos, acusando-o de invasão, divulgados inicialmente pelo vereador Eder Borges (PP). “O mentiroso contumaz vereador Eder Borges foi condenado por fake news e foi ele também quem editou os vídeos da nossa manifestação dando a entender que eu teria cometido crimes. Porque a discórdia gera engajamento. Porque a mentira gera comentários e compartilhamentos”, criticou o vereador. 

Em sua última fala no púlpito da Casa, Renato Freitas listou seu caso como mais uma perseguição sofrida pelos defensores dos direitos humanos no país. “Alguns perderam o mandato, como é o caso de Dilma; alguns perderam a liberdade, é o caso de Lula, de Mandela; outros perderam a vida, Marielle presente. Eu sabia disso, mas assumo a consequência dos meus atos. Olho nos olhos de cada um dessa sala e respondo pelas minhas ações. O que eu não posso fazer é construir conchavos às escondidas para ficar no bolso do prefeito, como muitos gostam de ficar”, destacou. “A verdade está dos lados dos oprimidos, a verdade é sempre revolucionária e nela me apego com garras e dentes”, encerrou o agora ex-vereador. 

Histórico da Câmara de Curitiba

A votação era acompanhada pela população nas galerias da Câmara sob protestos de “Renato fica, racistas saem”. As falas dos vereadores a favor da perda do mandato também eram repudiadas por vaias. O caso de Renato Freitas entra agora para a história da cidade como a segunda cassação em plenário nos últimos 75 anos da Câmara de Curitiba, conhecida também por relativizar crimes de corrupção, racismo e assédio de outros parlamentares. O histórico está registrado no livro Legislaturas Municipais de 1947 a 2020, produzido pela pesquisadora Luciane de Fátima Pereira, servidora aposentada da Casa. 

A pena contra o petista e negro Renato Freitas também foi considerada desproporcional pelos vereadores Dalton Borba (PDT), Herivelto Oliveira (Cidadania), Marcos Vieira (PDT), Maria Letícia (PV), Professora Josete (PT) e Professor Euler (MDB) que votaram contra a cassação de Renato Freitas. Assim como a também vereadora Carol Dartora (PT), primeira mulher negra eleita para a Câmara de Curitiba e pré-candidata a deputada federal. 

Emocionada, a parlamentar classificou como “show de horrores” a votação e destacou que a população negra “não aceitará o recado que está sendo armado aqui”. “E cada vez mais vai se fazer presente nessa Casa”, garantiu. 

“Fica demonstrado que essa cassação não é somente de um mandato, mas uma cassação que se pretende negação de um projeto político. Um ato explícito de tentativa de silenciamento desses que compõem esse mandato. Uma das maiores injustiças contra a população que já não se sente incluída nesses espaços pela falta de representantes negros”, discursou Carol. 

Como votaram 

O vereador Salles do Fazendinha (DC) se absteve da votação. Osias Moraes (Republicanos), Pastor Marciano Alves (Solidariedade), Pier Petruzziello (PP) e Éder Borges (PP), por serem autores de representações, oram declarados impedidos de votar. 

Os vereadores que votaram a favor da cassaão de Renato Freitas foram: Alexandre Leprevost (Solidariedade), Amália Tortato (Novo), Beto Moraes (PSD), Denian Couto (Pode), Ezequias Barros (PMB), Flávia Francischini (União), Hernani (PSB), João da 5 Irmãos (União), Jornalista Márcio Barros (PSD), Leonidas Dias (Solidariedade), Marcelo Fachinello (PSC), Mauro Bobato (Pode), Mauro Ignácio (União), Noemia Rocha (MDB), Nori Seto (PP), Oscalino do Povo (PP), Sargento Tânia Guerreiro (União), Serginho do Posto (União), Sidnei Toaldo (Patriota), Tico Kuzma (Pros), Tito Zeglin (PDT), Toninho da Farmácia (União) e Zezinho Sabará (União).

A decisão final ainda será publicada no Diário Oficial de Curitiba. Após cumprida essa etapa, a Câmara irá declarar vago o posto ocupado por Renato Freitas, abrindo prazo de cinco dias úteis para a convocação de suplente do PT. Na sequência, serão dados mais cinco dias para a posse.

Com informações do Brasil de Fato e da Câmara Municipal de Curitiba