PERIGO

Conteúdos extremistas de direita são de fácil acesso e exigem atenção por parte do Estado, afirma pesquisadora

“Os grupos estão usando técnicas de convencimento para disseminar ideias sepultadas pela História”, pontua Michele Prado, autora do livro Tempestade Ideológica – bolsonarismo: a alt-right e o populismo i-liberal no Brasil

Isac Nóbrega/Presidência da República
Isac Nóbrega/Presidência da República
A obra fala sobre conceitos e ideias que permeiam pensamentos e ações da ultradireita e faz um histórico do movimento transnacional de extrema direita que levou o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao poder

São Paulo – Grupos com técnicas de convencimento para disseminar ideias extremistas online, por meio de um processo de radicalização lento e diário, tornam possível o aumento no número de adeptos da extrema direita no Brasil. De acordo com a pesquisadora Michele Prado, autora do livro Tempestade Ideológica – bolsonarismo: a alt-right e o populismo i-liberal no Brasil, o acesso a esses conteúdos tem se tornado cada vez mais fácil.

“O processo de radicalização é longo e diário. Hoje a pessoa não precisa procurar por um conteúdo extremista que leva à radicalização. Chega à palma de sua mão. Os grupos estão usando técnicas de convencimento para disseminar ideias sepultadas pela História. Os negacionistas do Holocausto são um exemplo. Lançam uma ideia, como a legalização de partidos nazistas, com intuito de chocar e iniciar um debate. Com a repetição, as pessoas vão normalizando o tema, que seria impensável discutir até mesmo em uma mesa de bar”, afirma em entrevista ao jornalista Luciano Dias, da DW Brasil.

A obra fala sobre conceitos e ideias que permeiam as ações da ultradireita e faz um histórico do movimento transnacional que conta com influenciadores para fomentar discursos de ódio, teorias da conspiração e desinformação. Ela conta que foi durante as eleições de 2018 que enxergou a necessidade de estudar com mais profundidade o tema. “Quando fui incluída em um grupo de WhatsApp chamado Internet Livre, formado por muitos influenciadores e alunos de Olavo de Carvalho, notei que tinha algo de errado. E coisas ditas ali eram incompatíveis com a democracia”, explicou.

Direita extremista e radical

Michele Prado explica que a nova direita que surgiu no Brasil tem pouco de direita moderada e de centro-direita, além de fugir do estereótipo do homem branco, careca e com suásticas tatuadas. Segundo ela, essas personalidades radicais se mascaram em papeis como os de profissionais da mídia, produtores de conteúdo digital, filósofos e historiadores. Ela explica também que há uma diferença entre a direita radical e a extrema direita.

“A direita radical convive com a democracia liberal e não defende a ruptura para implantação de regime autocrático. Já a extrema direita rejeita completamente a democracia liberal e busca uma forma autocrática de governo. No Brasil, o MBL representa a direita radical. O movimento é disruptivo, ataca o direito das minorias e enxerga o debate político sob a perspectiva do amigo-inimigo. Já o bolsonarismo rejeita totalmente a democracia liberal e deseja a ruptura. Mas ambos atacam diariamente os princípios que sustentam uma democracia saudável”, exemplificou.

A pesquisadora diz ainda que as duas vertentes da direita estiveram juntas durante as eleições de 2018 para eleger Bolsonaro e também se uniram para aprovar pautas econômicas como a reforma da Previdência. “Agora estão separados, com o MBL apoiando o ex-juiz Sergio Moro. Mas acredito que os dois estarão juntos no segundo turno. Não há muita diferença entre os dois candidatos. Moro é um avatar. Ele mimetiza o discurso do bolsonarismo de maneira mais palatável e com a voz mansa.”

Perigo da radicalização

Em artigo, a autora afirma também que essa tempestade ideológica radical está ainda no começo e que extremistas estão infiltrados em instituições militares. De acordo com ela, o perigo mais imediato é que essas crenças ganhem mais espaço entre agentes de forças policiais e militares e, desta forma, contaminarem as corporações. Michele alerta ainda que, caso isso aconteça, é possível ver a ascensão de grupos paramilitares no Brasil.

“Forças armadas são sempre um objetivo a ser conquistado por recrutadores extremistas e radicais, seja para copiar as estruturas hierarquizadas e formar um grupo paramilitar para vigilantismo [grupos de justiceiros]; para acesso a armamento ou até mesmo para recrutar aqueles que já dispõem de treinamento militar. Para as sociedades, as consequências dessa infiltração podem chegar ao cotidiano, pois são agentes da lei e que dispõem da institucionalidade do uso da força. Visões extremistas que desrespeitam a dignidade humana podem refletir em abusos de autoridade praticados por esses agentes. Em casos mais extremos, podemos ver surgir milícias políticas paramilitares dispostas ao vigilantismo e ao extremismo violento ideologicamente motivado, semelhantes às muitas milícias políticas existentes nos EUA, como a Oath Keppers e a 3%,  ambas com muitos veteranos das forças militares. As duas participaram da invasão ao Capitólio em janeiro de 2021 para impedir a posse de Joe Biden. Em São Paulo, também no ano passado, o coronel Aleksander Lacerda [então comandante de batalhões da Polícia Militar de São Paulo] foi exonerado depois de convocar manifestação contra o Supremo Tribunal Federal (STF)”, acrescentou.

Para a pesquisadora, é necessário o Estado brasileiro começar a trabalhar a prevenção do extremismo, como outros países já fizeram. “A prevenção da radicalização é cada vez mais urgente, especialmente a radicalização online. Estou criando um site, o Stop Hate – Brasil. Mas é uma iniciativa individual, o ideal é que outras esferas da sociedade civil se envolvam no propósito de prevenir a radicalização, assim como a esfera governamental e partidos políticos. Se não houver uma abordagem multissetorial dificilmente conseguiremos evitar a escalada da radicalização”, finalizou.