cinismo

Senadora resume dia de Pazuello na CPI da Covid: ‘O senhor está brincando com a cara da gente’

Ao longo de todo o depoimento, que foi suspenso e transferido para esta quinta-feira, ex-ministro da Saúde desconversou, mentiu e provocou indignação de senadores

Pazuello e seu defensor, o procurador-regional da União da 1ª Região, Diogo Palau Flores dos Santos

São Paulo – O depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello à CPI da Covid-19, nesta quarta-feira (19), desconcertou senadores e o próprio presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), pela quantidade de contradições, mentiras e atos que negou cometidos pela própria pasta que comandava, mas que são comprovados por documentos. A oitiva de Pazuello foi suspensa por suposto mal estar que, ao sair do Senado, ele afirmou que já não sentia. A participação do ex-ministro pode ser resumida pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), uma das últimas a falar na sessão de hoje. Após mais uma resposta mentirosa, ela repetiu a Pazuello o que muitos dos colegas manifestaram, por ele insistir em afirmar que não fez o que fez. “Ministro, com todo respeito ao senhor, parece que o senhor está brincando com a cara da gente nesta CPI.”

A parlamentar questionava por que o governo e o ministério não mobilizaram uma aeronave oferecida pelos Estados Unidos para transportar oxigênio hospitalar a Manaus no auge do colapso do sistema de Saúde no estado. Como fez ao longo de todo o dia, Pazuello tergiversou, e foi interrompido pela parlamentar. “O senhor aceitou ou não a ajuda? A pergunta é essa”, cortou. “Nunca me chegou essa oferta”, respondeu o ex-ministro. “Quando eu soube… É claro que queria o avião americano.” “Ministro, com todo respeito ao senhor, parece que o senhor está brincando com a cara da gente nesta CPI. O senhor já mentiu demais nesta comissão, muito mesmo”, continuou Eliziane. “Eu não tenho nem tempo para elencar tudo. Acaba de falar que não teve informações acerca do avião cargueiro. Está aqui um documento enviado pelo próprio Ministério da Saúde em resposta à deputada Perpétua (Almeida – PCdoB-AC) explicando por que de não ter atendido ao pedido para ter acesso a essa aeronave”, disse ela.

Quando o tema da CPI da Covid foi a cloroquina, Pazuello fugiu e desconversou. A senadora apresentou ofício de 7 de janeiro à secretaria de saúde do Amazonas, no qual o ministério recomendou que fosse “difundido e adotado tratamento precoce como forma de diminuir o número de internações e óbitos decorrentes da doença”. Nesse mesmo momento houve a decisão do envio de 120 mil unidades de hidroxicloroquina para Manaus, informou Eliziane.

Indignação e revolta

Mostrando indignação e revolta, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que Pazuello mentiu o tempo todo para proteger Jair Bolsonaro, como ao dizer que o presidente não mandou suspender a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac. Costa lembrou que, no dia 20 de outubro de 2020, as informações eram de que o então ministro havia inclusive conversado com governadores sobre a iminente assinatura do contrato com a chinesa SinoVac. No dia seguinte ele foi desautorizado por Bolsonaro e explicou: “É simples assim: um manda e outro obedece”. “Já mandei cancelar”, anunciou em seguida o presidente, dizendo que nenhum país estava “interessado nela”, a “vaChina”.

Sobre a Pfizer, contra o depoimento do CEO da empresa na América Latina, Carlos Murillo, Pazzuelo negou que tivesse deixado de responder às ofertas da multinacional oferecendo sua vacina. O general disse que respondeu à empresa várias vezes, contrariando o que afirmou seu colega de governo, o ex-chefe da Secom Fábio Wajngarten, segundo o qual a Pfizer ficou dois meses (de setembro a novembro de 2020) sem receber resposta do governo, o que a empresa só obteve por interferência do próprio Wajngarten. A senadora Eliziane também propôs uma acareação entre o ex-ministro e o representante da Pfizer.

“Quanto vale uma vida?”

Humberto Costa também questionou Pazuello sobre sua justificativa para o Brasil não ter entrado no consórcio Covax Facility com a opção de obter vacinas suficientes para 50% da população. O governo só autorizou 10%. De acordo com o ex-ministro, a decisão foi para economizar diante do alto preço das doses. “Quanto vale uma vida?”, questionou o petista. “Ele disse que teve autonomia e vem aqui repetir os argumentos de Bolsonaro. Os ex-ministros (Nelson) Teich e (Luiz Henrique) Mandetta disseram que saíram por não ter autonomia, e o senhor fez tudo o que Bolsonaro diz. Concorda com todas as ideias estapafúrdias de Bolsonaro”, continuou o senador, enumerando o combate do presidente ao distanciamento social, aos governadores, às máscaras e às vacinas.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) também mostrou indignação com a postura acintosa de Pazuello perante as questões referentes à vacinação dos brasileiros contra a covid, que hoje passou das 440 mil vítimas e está em tendência preocupante de alta . “Vir aqui na qualidade de ministro e dizer que não tratou da compra de vacina… Mais de 200 mil pessoas morreram na sua gestão e não estava priorizando a compra de vacina?”, indagou. O parlamentar foi um dos que manifestou inconformismo com a postura de Pazuello e o ministério ante a situação do Amazonas.

Kit covid

Costa, como outros senadores na CPI da Covid, refutou também a negativa de Pazuello sobre determinar tratamento precoce. Em resposta a Tasso Jereissati (PSDB-CE), Pazuello afirmou que não acha que o uso de cloroquina “seja um fator decisivo para que tenha mais mortes”. Ao ser confrontado com um ofício do ministério recomendando a cloroquina, apresentado por Eliziane Gama, ele respondeu: “Não fui eu que fiz o ofício, foi feito pela secretaria Mayra (Pinheiro), que foi na equipe avançada para avaliar a situação (em Manaus)”. A ida da “capitã cloroquina” à capital amazonense tinha como missão difundir o uso do medicamento na cidade a poucos dias de eclodir a crise da falta de oxigênio. O depoimento de Mayra, que seria nesta quinta (20), foi adiado para terça que vem (25).

O próprio presidente da CPI, Omar Aziz, que tem atuado para manter o debate em níveis “diplomáticos”, alertou Pazuello. “Tenha certeza, faltar com a verdade vai dar consequências muito grandes, porque não iremos parar enquanto não acharmos a verdade”, disse. O ex-ministro sabia desde os primeiros dias de janeiro que faltaria oxigênio em Manaus. “Faltar com a verdade e tentar tangenciar as perguntas não será bom pra ninguém”, acrescentou Aziz. O presidente da comissão disse que encaminharia os documentos que desmentem o general a seus advogados.