Integração

Reunião da Unasul vai condenar ‘sequestro’ sofrido por Evo Morales na Europa

Países do bloco também discutirão, em Cochabamba, relação da América do Sul com Europa e defender a legislação internacional que garante imunidade aos chefes de Estado

Martín Allipaz/EFE

Evo Morales: “Nosso pecado, nosso delito, é sermos indígenas e anti-imperialistas”

São Paulo – Os países-membro da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) se reúnem hoje (4) em Cochabamba, na Bolívia, para emitir um posicionamento conjunto que provavelmente condenará a postura dos países europeus que fecharam seus espaços aéreos à passagem do avião oficial do presidente boliviano, Evo Morales, na madrugada de ontem. O que motivou França, Itália, Portugal e Espanha a impedirem o sobrevoo do líder aimará foi a suspeita de que a aeronave trazia clandestinamente o ex-agente norte-americano Edward Snowden, caçado por Washington por revelar um grande sistema de espionagem contra outros países e seus próprios cidadãos.

No encontro, os líderes regionais também discutirão as relações da América do Sul com a Europa e defenderão a legislação internacional que garante imunidade aos chefes de Estado. A cúpula foi convocada ontem à noite pelo secretário-geral da Unasul, Alí Rodríguez Araque, a pedido do presidente equatoriano, Rafael Correa. Pouco depois, o bloco divulgou uma nota em que expressava sua “indignação e profundo rechaço” pelas atitudes “injustificáveis” dos países europeus, que, além de terem se mostrado pouco amistosos, “colocaram em risco a segurança do chefe de Estado boliviano e de sua comitiva”.

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O comunicado certamente dará o tom da cúpula de Cochabamba, à qual devem comparecer os presidentes Nicolás Maduro, da Venezuela, José Mujica, do Uruguai, Rafael Correa, do Equador, Cristina Kirchner, da Argentina, e Desiré Bouterse, do Suriname – além, é claro, de Evo Morales, anfitrião e principal interessado no encontro. O Brasil estará representado apenas pelo ministro interino de Relações Exteriores, Eduardo dos Santos, e pelo secretário especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia.

As declarações individuais dos principais líderes da região também ajudam a prever o teor da reunião. Todos condenaram o “constrangimento” imposto a Evo Morales, alguns classificando a atitude dos países europeus como um “resquício de colonialismo” e como uma “subserviência” aos interesses dos Estados Unidos, que querem Snowden atrás das grades o mais rápido possível.

“O império americano entrou em fase de loucura e desespero, porque estão vendo que não podem parar a reação do nosso mundo”, declarou Nicolás Maduro a jornalistas quando chegou na Venezuela após visitar Rússia e Bielorrússia, de acordo com a Agência EFE. “Os EUA não têm moral para pedir a extradição de um jovem que está alertando sobre a ilegalidade com a qual atua o Pentágono, a CIA. Eu rejeito, como chefe de estado, qualquer solicitação de extradição que estejam fazendo.”

O Mercosul – bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela e Paraguai, atualmente suspenso – também soltou nota de repúdio ao episódio. “A atitude destas autoridades constitui grave ofensa, não apenas à Bolívia, que está em processo de adesão ao Mercosul, mas também a todo Mercosul, o que exige imediato esclarecimento e os correspondentes pedidos de desculpas.”

No entanto, Evo Morales afirmou hoje, segundo a EFE, que desculpas não bastam para reparar a humilhação que sofreu pela espera de 13 horas no aeroporto de Viena, na Áustria, até que os países do continente resolvessem liberar seu espaço aéreo para sua passagem. “Nosso pecado, nosso delito, é sermos indígenas e anti-imperialistas”, disse o presidente na manhã de hoje em discurso na região do Chapare, onde surgiu como líder político. “A posição firme que vamos assumir é fazer respeitar diante dos organismos internacionais as normas e os tratados internacionais. Não basta apenas desculpas. Muito dependerá do debate jurídico e político.”

Evo Morales lançou a culpa pelo episódio nos Estados Unidos, que, porém, negou qualquer responsabilidade sobre o fechamento do espaço aéreo dos países europeus. “As decisões foram tomadas por países concretos e deveriam perguntar a eles por que as tomaram”, disse a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, admitindo, contudo, que Washington tem mantido conversações com países que podem ser sobrevoados por Snowden nos próximos dias.

Ontem, o blogue World Views, do jornal norte-americano Washington Post, divulgou um arquivo em áudio que supostamente é a gravação da conversa mantida entre o comandante da aeronave presidencial boliviana e a torre de controle de voo austríaca. No diálogo, o piloto pede permissão para pousar em Viena alegando problemas no marcador de combustível. “Precisamos pousar porque não estamos conseguindo obter a indicação correta do nível de combustível. Precisamos pousar.” O próprio autor do blogue, Max Fisher, faz a ressalva de que isso não necessariamente significa que Evo Morales não tenha tido sua passagem fechada pelos países europeus.