Extremista

‘Está tudo em aberto, mas Milei assusta’, diz jornalista sobre eleições argentinas

Para Felipe Bianchi, Javier Milei não é “antissistema”, mas um representante do fascismo, e conta com o apoio velado da imprensa tradicional para “naturalizar” seus absurdos

Reprodução/Redes Sociais
Reprodução/Redes Sociais
Motosserra de Milei é o equivalente à "arminha" de Bolsonaro: discurso violento semelhante

São Paulo – Para o jornalista Felipe Bianchi, do ComunicaSul, a eleição do candidato da extrema direita, Javier Milei, como novo presidente da Argentina “é uma possibilidade real”. Direto de Buenos Aires, ele participou nesta sexta-feira (20) de uma entrevista ao Diário do Centro do Mundo (DCM) sobre as expectativas em relação à disputa nas eleições argentinas. Os eleitores vão às urnas no próximo domingo (22) para escolher o sucessor de Alberto Fernández.

“Está tudo em aberto, e assusta”, afirmou Bianchi. “Adoraria vir aqui ‘dourar a pílula’, falar que vamos retomar um projeto de soberania e desenvolvimento, mas seria faltar com a verdade. Milei tem, sim, chances de levar”, alertou. 

Das últimas pesquisas divulgadas na semana passada, Milei aparece liderando em duas. Num terceiro levantamento, do instituto AtlasIntel, o atual ministro da Economia e candidato do peronismo, Sergio Massa, aparece à frente na disputa.

Bianchi chama a atenção para uma espécie de “voto envergonhado” em Milei, que os institutos de pesquisa não conseguem captar. Foi o que ocorreu, por exemplo, durante as eleições primárias. As pesquisas indicavam que ele teria em torno de 20% dos votos, mas Milei acabou ficando em primeiro, com cerca de 29%.

De acordo com Bianchi, o cenário é mais complicado num eventual segundo turno. Isso porque os votos da candidata Patricia Bullrich iriam principalmente para Milei, conforme apontam as pesquisas. “Se você pegar o programa e as propagandas da Bullrich, é muito parecido com Milei. A diferença é que ele tem essa coisa do ridículo, do grotesto. Mas Bullrich é aquela cara emburrada, falando em reprimir bandidos, um discurso terrível. Então não dá para esperar muito que esse voto migre para Massa”, afirmou.

Tiro no escuro

O jornalista destacou que há uma “insegurança muito grande” em relação aos planos de Milei para a economia. Sua proposta central é dolarizar a Argentina, como solução para a inflação galopante no país. Para Bianchi, trata-se de uma ideia “escabrosa”, já que o país enfrenta um problema crônico de falta de divisas, em função dos constantes déficits na balança comercial. Nesse sentido, ele prevê que o “mercado” deve reagir de forma preocupante, já próxima segunda-feira, caso Milei apareça em primeiro após a abertura das urnas.

Para Bianchi, Milei não é um candidato “antissistema”, conforme costuma ser retratado em análises na Argentina e também no Brasil. “Pelo contrário, o sistema está com ele. Ele é um “turbotecnofascista”, como diz a (filósofa e escritora) Márcia Tiburi”.

Semelhanças e diferenças com o Brasil

Uma das semelhança com o Brasil, segundo ele, é o comportamento da mídia. Assim como aconteceu com o ex-presidente Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018, ele afirmou que a imprensa argentina não apoia Milei abertamente, mas atua para “naturalizar” os absurdos do seu discurso.

“O que eu vejo não é um apoio a Milei, mas uma naturalização. Ele vai à televisão falar as barbaridades dele, e os repórteres fazem cara de paisagem ou até de deslumbre. Hoje, por exemplo, a campanha de Milei está dizendo que vai privatizar o mar, o espaço marítimo. O problema é que a mídia vai tratando isso como se fosse uma simples proposta. Então tem uma certa naturalização”.

Por outro lado, ele afirmou que o peronismo e os setores progressistas estão mais mobilizados, em comparação com a esquerda brasileira em 2018. “Se conversar com os populares, tem muitos deles falando ‘não voto no Milei nem a pau'”.

Outra diferença, segundo ele, é que não há o “fantasma” dos militares, como no Brasil. Ainda assim, Milei tenta minimizar os crimes cometidos pela ditadura argentina. Em vez dos cerca de 30 mil mortos e desaparecidos, ele afirma que teriam sido “apenas” 8 mil vítimas.

Filme de terror

Ao acompanhar a militância de Milei, composta majoritariamente por jovens radicalizados, Bianchi comparou a filmes distópicos sobre regimes totalitários. Já o próprio candidato, que aparece tanto em comícios como na propaganda oficial empunhando uma serra elétrica, se parece mais com um vilão de filme de terror de segunda linha.

A motoserra, segundo o jornalista, seria o equivalente ao gesto de arma popularizado por Bolsonaro. Em vez da “petralhada”, Milei mira a motossera contra “la casta” – elites política, econômica e sindical que ele aponta como causa da crise.

Assim como Bolsonaro, Milei também não conta com uma base partidária sólida. A diferença, segundo Bianchi, é que o quadro partidário argentino é mais bem definido, com menos espaço para legendas fisiológicas disputas a apoiar qualquer governo. “Muita gente fala que Milei não consegue sustentar seis meses de governo”.