Imigração

Com 20% da população no exterior, Portugal cria plano para incentivar regresso de cidadãos

Governo subsidiará em até € 20 mil projetos de portugueses que pretendem voltar ao território de origem

Marcelo Montanini / Opera Mundi

Sede do Legislativo português, na capital Lisboa: governo aprovou plano para incentivar regresso de emigrantes

Lisboa – Há quem diga que “emigrar está no sangue do português”. As motivações são distintas, mas a falta de perspectiva tem sido a grande propulsora desta diáspora lusitana nos últimos anos. Segundo dados do Observatório da Emigração, os emigrantes portugueses, que deixaram o país, correspondem a mais de 20% da população residente em Portugal — 2,3 milhões entre 10,4 milhões de portugueses.

Visando superar o problema de déficit demográfico e atrair portugueses de volta ao país, o governo de Portugal aprovou recentemente o Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020, um conjunto de medidas para incentivar o regresso de emigrantes. As medidas devem entrar em vigor até ao final de junho, para, nas palavras do governo português, “dar um novo impulso às políticas migratórias, ajustando as iniciativas às necessidades atuais e projetando novas ações que contribuam para a coesão social, o enriquecimento humano e material do país e o envolvimento e ligação à diáspora portuguesa”.

Uma das iniciativas do plano é o programa Valorização do Empreendedorismo Emigrante (VEM), que pretende apoiar numa fase inicial entre 40 e 50 projetos de portugueses que estejam no estrangeiro e queiram retornar com ideias para um negócio. Os valores dos subsídios giram em torno de € 10 mil e € 20 mil euros por projeto.
O VEM será financiado pelo Programa Operacional para a Inclusão Social e Emprego (Poise), que tem uma dotação global de 1,9 milhão de euros (R$ 6,5 milhões). No entanto, não se sabe ainda quanto deste valor será destinado ao programa.

Apesar de o esforço do governo português, os emigrantes entrevistados por Opera Mundimostraram-se descrentes com a efetividade do programa. A falta de perspectiva quanto ao futuro ainda é um fator determinante na decisão de permanecer no exterior.

País com mais emigrantes da UE

De acordo com o Observatório do Emigrante, apenas em 2013, cerca de 110 mil portugueses emigraram, 15 mil a mais do que no ano anterior. Desta forma, Portugal tornou-se “o país da União Europeia com mais emigrantes, em termos relativos”, atrás de Malta, que possui menos de 500 mil habitantes.

No Brasil há quase dois anos, o sub-maitre Alexandre Gomes, 23 anos, trabalhava em um grande restaurante em Portugal, quando recebeu o convite para trabalhar numa filial do mesmo estabelecimento no Recife, em Pernambuco.

O Reino Unido é o principal destino dos retirantes lusitanos: 30 mil em 2013. Entre 2012 e 2013, o número de entradas de portugueses no país cresceu 47%. Marco Neto, 42 anos, é um deles. Há três anos ele migrou, com a esposa, para a cidade inglesa de Daventry, onde trabalha como motorista numa empresa de logística. “Me senti estagnado no meu país”, explica. “As coisas em Portugal e a mentalidade portuguesa estão más. Não há oportunidade de progredir”, completa. Regressar não está em seus planos.

“Esse programa não tem fundamento. Trata-se apenas de um programa político”, critica Neto, lembrando que Portugal realizará eleições legislativas no segundo semestre de 2015.

Debate político

A seis meses da eleição parlamentar, o debate em torno da emigração antecipou o pleito na Assembleia da República. Após o anúncio do programa pelo secretário de Estado Pedro Lomba, situação e oposição trocaram críticas no Parlamento.

O deputado do Bloco de Esquerda (BE) José Soeiro acusou o Executivo de nos últimos anos ter incentivado os jovens a emigrarem e que agora promove “uma mudança no discurso sobre a migração”. O parlamentar refere-se, dentre outras coisas, às declarações dadas, em 2011, pelo primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho (PSD), estimulando a emigração de professores de português em alternativa ao desemprego no país.

“Sejamos claros, viajar é um prazer, a mobilidade escolhida é uma conquista, as trocas internacionais uma mais-valia. Mas quando temos dezenas de milhares a emigrar não estamos apenas falando de escolhas individuais. A maioria destes jovens não viajou, nem emigrou. Foram expulsos, expulsos do seu país”, declarou o deputado da oposição.

Soeiro também criticou a apresentação do programa VEM sem adiantar “os detalhes, o alcance, os custos, a forma de contratação, o público-alvo ou a abrangência”. “Se não beirasse o ofensivo, este anúncio do secretário de Estado seria apenas caricato”, ironizou.

Em resposta, o deputado do PSD, Carlos Gonçalves, desafiou a oposição a apresentar propostas dirigidas aos emigrantes portugueses. “Seria bom que aqueles que agora despertaram para a questão da emigração nesta câmara apresentassem verdadeiras propostas políticas dirigidas a esses portugueses, ao invés de se refugiarem sempre na crítica, na opinião, no comentário e, por vezes, com uma adjetivação que apenas demonstra a falta de ideias concretas, retrucou.

Não pensou duas vezes. “A oportunidade era boa: conhecer um novo país, nova cultura e resolvi aceitar”, comenta um dos 137,9 mil portugueses que vivem no Brasil.

“Acho uma boa ideia (o programa), mas não vai ter muito resultado. Afinal, muitas destas pessoas estão fora há algum tempo e já têm suas vidas feitas”, justifica.

Igualmente cético está Paulo Baltazar, 41 anos, que vive em Paris desde 1998, é casado com uma francesa e têm dois filhos nascidos na França. “Não penso em regressar para trabalhar, as condições de vida em Portugal estão difíceis. Não consigo ver futuro para os meus filhos lá”, analisa Baltazar, que trabalha no setor de informática. Ele comenta que diversos amigos saíram do país, retornaram e, após certo tempo, voltaram a sair. “Todos que podem sair, saem”, afirma.

Baltazar avalia que o programa é muito ambicioso e encontra nele mais dúvidas do que certezas. “Como fazer os jovens voltar ao país, quando não conseguem nem segurar os que estão lá?”, indaga, em tom de reflexão. Após um curto hiato, acrescenta: “Nem por € 100 ou 300 eu voltaria”.